Pesquisa Pura x Pesquisa Aplicada
De tempos em tempos são publicados na mídia artigos e reportagens versando sobre a importância da pesquisa científica e/ou tecnológica, e sobre seu impacto no desenvolvimento econômico e social de uma nação. Muito se fala também sobre a deficiência de nosso país nesta área, se comparado com outras nações. É bastante usual que nestes textos sejam utilizadas as expressões “pesquisa pura” e “pesquisa aplicada”, mas muito poucos deles conseguem dar uma idéia clara de qual seria a real diferença entre estas duas formas de pesquisa. De fato, são comuns até mesmo comentários dizendo que esta diferença não existe em absoluto, que pesquisa é pesquisa e a distinção entre elas seria artificial.
Na verdade, contudo, a distinção entre a pesquisa pura e a aplicada não só existe como é importantíssima. A falta de compreensão deste fato é inclusive um dos principais problemas a atrapalhar o desenvolvimento tecnológico e consequentemente econômico do Brasil. Mas esta diferença não está nos temas das pesquisas em si, e muitas vezes nem mesmo na forma como elas são realizadas, e sim nos objetivos pretendidos em cada caso.
Na pesquisa pura o objetivo é compreender o PORQUÊ de algum fenômeno de interesse do pesquisador. Embora a motivação inicial possa perfeitamente ser derivada da observação de algum problema prático, o que se busca não é resolver este problema em si, e sim criar uma base de conhecimentos que permita sua abordagem de forma racional e sistemática. A coerência e a precisão da pesquisa é o ponto mais importante, e o resultado final é a publicação de um artigo, livro, etc... . Muitas vezes o resultado da pesquisa pura tem pouco ou nada a ver com sua motivação inicial, mas pode abrir um ou mais campos novos cujos desenvolvimentos se tornam até mais importantes depois. Um exemplo clássico é a mecânica quântica, criada a partir de um conceito inicial desenvolvido por Max Planck quando este cientista pensava em como poderiam ser produzidas na Alemanha, seu país de origem, lâmpadas incandescentes tão eficientes e duráveis quanto as importadas da Inglaterra e dos EUA. Mas Planck jamais resolveu o problema das lâmpadas alemãs, o que foi feito depois por outras pessoas.
É evidente que em muitos casos os resultados de uma pesquisa pura encontram aplicação imediata na indústria, mas quando isto acontece via de regra é de forma incidental, a aplicação no mais das vezes nem mesmo é desenvolvida pelos próprios cientistas que iniciaram o trabalho.
Este tipo de pesquisa é feito principalmente em universidades e centros de pesquisa, e o Brasil está razoavelmente bem nesta área, com o número de publicações de artigos gerados por nossos cientistas e pesquisadores crescendo significativamente nos últimos anos. Vários órgãos de fomento à pesquisa dos governos estaduais e federal têm financiado a formação e o trabalho dos pesquisadores brasileiros neste campo, e os resultados, embora ainda longe do ideal, são encorajadores.
Já na pesquisa aplicada o objetivo é descobrir COMO resolver um problema específico, geralmente colocado para o pesquisador por seu contratante. O nível dos conhecimentos utilizados para se chegar a uma solução aplicável é basicamente irrelevante, o que importa é resolver o problema e entregar o produto desejado em um prazo adequado. Em muitos casos se utilizam as mais complexas ferramentas teóricas como na pesquisa pura, mas em outros apenas se constrói alguma coisa "no olho" e se testa para ver o que acontece. Os americanos, por exemplo, colocaram o homem na lua assim; os problemas de instabilidade na combustão dos grandes motores do foguete não foram resolvidos teoricamente, mas através de anos de testes práticos em bancada. Este tipo de pesquisa é geralmente efetuado dentro das empresas, sob um altíssimo nível de cobrança a qual um cientista acadêmico dificilmente suportaria. Mas o fato é que entregar uma solução "cientificamente mais elegante" depois de um concorrente já ter lançado um produto equivalente é pior do que nem começar a pesquisa, pois o dinheiro e esforço terão sido gastos em vão, então as pressões em grande parte se justificam. O resultado final da pesquisa aplicada é um produto ou serviço novo no mercado, e na maioria das vezes os avanços técnicos descobertos ou criados durante o seu desenvolvimento são considerados segredos industriais. Não é comum que sejam autorizadas publicações, o que também é um problema para cientistas acadêmicos, cuja avaliação geralmente depende justamente da quantidade e qualidade dos artigos publicados.
Neste tipo específico de pesquisa infelizmente o Brasil está muito mal, com apenas umas poucas empresas realmente sabendo como executá-la (Embraer, Petrobras, Weg e meia dúzia de outras). Como a pesquisa aplicada é efetuada principalmente dentro das empresas, motivada pela competição por mercado, há muito pouco que os órgãos governamentais possam fazer para incentivá-la diretamente, fora de alguns setores muito específicos como o militar e o espacial. O que cabe aos governos nesta área é gerar um ambiente propício para a competitividade das empresas, através da criação da infra-estrutura básica adequada (energia, comunicações, transportes, etc...), da desburocratização e redução dos impostos, da manutenção de uma taxa de câmbio razoável que não dê vantagens indevidas aos produtos industriais importados e da criação de uma política industrial que facilite o acesso das empresas inovadoras à informação, aos recursos financeiros e principalmente à mão de obra altamente especializada necessária para a execução de pesquisas de qualquer tipo.