O BRASIL DE MAURICE RUGENDAS
Poucos conhecem o que se escreveu no Brasil, e sobre o Brasil, no período colonial e imperial. As publicações daquela época, quando reeditadas posteriormente, são, em geral, obras raras e muito caras. Por isto de difícil acesso ao público leitor. Praticamente a totalidade destas obras encontra-se, atualmente, na Biblioteca Mindlin em São Paulo. E, recentemente, se iniciou um projeto de digitalização destas obras para futuramente disponibilizá-las ao público.
Rubens Borba de Moraes fez uma tentativa de tornar conhecidas as obras raras sobre o Brasil, publicadas de 1504 a 1900, e as obras de autores brasileiros, publicadas no estrangeiro antes da independência do Brasil. O elenco destas obras, com pequenos textos explicativos, encontramos nos seus dois volumes de “Bibliographia Brasiliana”. Por isto, mesmo que não nos seja possível adquirir as preciosas obras sobre a nossa pátria, relacionadas por R.B. de Moraes, podemos, contudo, verificar na “Bibliographia Brasiliana” a riqueza literária no Brasil desde a descoberta até 1900.
Entre a relação dos livros da “Bibliographia Brasiliana” encontramos, por exemplo, a obra de Maurice Rugendas: Voyage pittoresque dans Le Brésil; traduit de l’allemand par Mr. De Golbery, 165 pp. 54 x35cm. Mulhouse-Engelman & Cie, Paris 1853. Esta obra compõe-se de 100 pranchas e um texto explicativo. O texto, redigido em alemão, vem acompanhado por uma tradução francesa feita por Mr. De Golbery. A obra apareceu, inicialmente, em 20 fascículos. Depois de compilados estes fascículos, os preços do livro começaram a cair, chegando à metade do valor inicial. No século XX a obra novamente adquiriu seu valor real, sendo hoje rara e de difícil aquisição.
A viagem pitoresca através do Brasil:
Nas enciclopédias, Rugendas é classificado como artista e viajante alemão, nascido em Augsburg em 1802. Desde a sua mais tenra infância manifestou dotes extraordinários para desenhar a natureza. Os animais, sobretudo os cavalos, foram os objetos prediletos de seus estudos. Formou-se nos ateliers de dois pintores consagrados no gênero: A. Adam e Quaglio.
Em 1821, um diplomata alemão, M. de Langsdorf, o escolheu para acompanhá-lo ao Brasil. O jovem desenhista passou aqui cinco anos. Empolgado com a natureza pujante de nossa terra e as suas paisagens encantadoras, embrenhou-se pelas florestas virgens e recolheu rico material, que utilizou para a publicação de sua “Viagem pitoresca através do Brasil”. Esta obra saiu pela primeira vez a lume em Paris no decorrer dos anos de 1827-1835, em fascículos. Somente em 1853 estes fascículos foram reunidos em um volume in-folio, contendo 100 pranchas litografadas, juntamente com o texto explicativo em alemão e francês. Por ocasião do Quarto Centenário do Rio de Janeiro a “Viagem pitoresca...” de Rugendas foi reimpressa com uma tiragem limitada de 1000 exemplares. Esta edição reproduz as 100 pranchas do livro original com o texto em francês e uma tradução em português do mesmo.
Rugendas procura retratar e descrever o Brasil tal qual ele se apresentava aos olhos do viajante. A sua intuição de artista fixa com grande sensibilidade aquelas características mais típicas de nossa terra e de nosso povo. Retrata nos seus desenhos a variedade das diferentes regiões territoriais, que ele denomina de pitorescas, em oposição às regiões da administração política. Dando o motivo de sua divisão pitoresca, Rugendas diz: “Se pesquisássemos as causas e as circunstâncias que motivaram esta divisão, evidentemente, deveríamos dizer que foram as variedades do clima e do solo que nos levaram a fazê-lo”.
Rugendas divide o Brasil em seis regiões “pitorescas”: a região do Rio Amazonas, do Paraguai, do Paraná, da Costa do Sul, do São Francisco e do Paraíba, ou da Costa do Norte. Como diz: “As três primeiras não pertencem totalmente ao Brasil, mas em sua maior parte. Elas são limitadas por muitas cadeias montanhosas. A região Amazônica é delimitada ao norte por uma cadeia de montanhas que se estende de oeste a leste, separando este território do Orenoco, e servindo de fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Estes montes recebem o nome de Serra-Parime, Serra-Paracaína, Serra-Tucumaque e enviam ao Amazonas um grande número de rios. Entre os quais, o mais digno de ser citado, está o Rio Negro, que no Cassiquiare une o Orenoco ao Amazonas. Ao sul e ao leste, uma outra cadeia de montanhas envolve a Província do Amazonas, separando-a do Paraguai, do Paraná e do São Francisco...”
Desta forma, Rugendas percorre as diversas regiões do Brasil, descrevendo a geografia e os hábitos mais característicos das populações. Desenha a natureza e os tipos humanos mais representativos de cada região. A maior parte de suas pranchas na “Viagem pitoresca...”, porém, aproveita motivos paisagísticos e humanos do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo.
Do Rio da Parta ao Orenoco:
Após os cinco anos de estadia no Brasil, Rugendas viaja a Paris para tratar da publicação de seu livro. Segue, posteriormente, para a Itália, onde se detém durante três anos nos Estados Napolitanos e na Sicília. Ali conseguiu auxílios para uma nova e grande aventura artística. Partiu, então, para uma viagem pela América do Sul, onde se deteve nada menos do que 15 anos. Percorreu o continente em todas as direções possíveis: do Rio de Prata ao Orenoco, da Bahia a Quaiaquil e a Lima. Chegou ao Chile e ao México. Nestes 15 anos aprontou mais de 3 mil desenhos, aquarelas e pinturas a lápis, retratando paisagens e pessoas. Hoje em dia esta coleção de desenhos e pinturas é muito preciosa sob diversos aspectos, especialmente na área de etnologia. Rugendas não teve dificuldades na venda desta nova coleção. O governo da Baviera imediatamente a adquiriu.
Terminada esta missão artística ao continente latino-americano, Rugendas ainda aceitou o pedido do Imperador da Prússia, que, por sugestão do famoso Von Humboldt, pediu ao artista duas séries de quadros, retratando as paisagens mais típicas colhidas na América.
A memória de Rugendas:
Rugendas morreu aos 56 anos de idade, em Munique. As fadigas que experimentara nas suas longas e penosas peregrinações através do continente americano lhe haviam abalado a saúde, naturalmente robusta. Sobre a obra de Rugendas, suas pinturas e viagens (especialmente ao Brasil, Rio da Prata, Chile e México) existem numerosos estudos. Geralmente de difícil acesso aqui no Brasil. Entre estes estudos, a melhor biografia, sem dúvida, é a de Gertrud Richert: Johann Moritz Rugendas, München, Filser Verlag, 1952. As muitas formas de cópias das pranchas de Rugendas, hoje em dia, as encontramos como quadros decorativos em residências, principalmente no Rio de Janeiro. Rugendas merece esta consideração, pois soube fixar magistralmente paisagens e costumes de nossa terra, cujo significado e cuja beleza talvez tivessem passado desapercebidos aos nossos olhos de brasileiros.
Inácio Strieder é professor de Filosofia – Recife/PE