Michael Jackson: A Mídia e a Morte
Morreu Michael Jackson. No mesmo instante rádios, jornais, tvs, sites apressam-se em produzir programas especiais, retrospectivas da carreira brilhante, matérias com as últimas notícias. A morte parece ser o grande mote que impulsiona o jornalismo, nada rende mais do que tragédias, ainda mais quando envolvem algum ícone da cultura contemporânea. Mas a morte parece trazer uma estranha lucidez. Se ‘ontem’ nem se ouvia falar no cantor, hoje ele é assunto obrigatório em torno do mundo e suas qualidades enquanto artista ímpar, por um breve momento suplantam os diversos escândalos que o colocavam na mídia nos últimos anos, em detrimento de seu talento incontestável. Como último ato reconhece-se que ele, o ídolo, era maior que os fatos bizarros que protagonizava. Não são poucos os que afirmam tratar-se de um artista completo, suas excentricidades passam a segundo plano. A morte parece, de alguma forma, ressaltar qualidades – ou será a última chance de se reparar danos, enganos e omissões?
A nota emitida por Robin Gibb, do Bee Gees, comentando que “se uma pequena proporção dos elogios feitos agora que ele morreu houvessem sido feitos no ano passado, talvez ele ainda estivesse conosco” diz muito da nossa relação com a vida e com a morte e, principalmente, com o outro: só nos damos conta do que perdemos quando a perda é irremediável O que ocorre com Michel hoje, já aconteceu com Elvis, Lennon, Marylin Monroe... A morte elevou o ídolo ao mais alto degrau da glória, já não podem mais errar e sua obra se eterniza. Mas do ser humano que cada um foi pouco ou nada fica. Em vida não foram vistos como pessoas comuns, suscetíveis a erros e acertos como qualquer mortal. Ao contrário, qualquer deslize sempre seria uma manchete que poderia render. E muito!
A nota de Gibb reporta ao homem Michael que, como qualquer outro, deseja o reconhecimento não só da sua arte mas, principalmente, da sua condição humana onde o reconhecimento do trabalho está atravessado de afeto, admiração por quem produz, e não como entidade autônoma, independente da vida e dos sentimentos do sujeito na condição de artista. Neste ponto, a mídia tem grande responsabilidade pela imagem que transmite. É ela que seleciona o que será visto, dito e omitido – é a grande formadora de opiniões. E a opinião que se tem de Michael não é exatamente lisonjeira: excêntrico, inconformado com a própria raça, descontrolado economicamente, suspeito de pedofilia... Para o público em geral, no qual me incluo, o quadro não é muito melhor que isso. Eram estas as notícias que davam manchete. Seus dramas pessoais pouco importavam. Sua queixa veemente a cerca da falta de amor e do desejo de uma infância nunca vivida – que isso sirva de alerta a pais que não perdem uma seletiva para ‘artistas mirins’ – passaram ao largo.
Morreu Michael Jackson. A TV se inunda de sua arte. Acabo por conhecer trabalhos interessantíssimos, clips que revelam preocupações com o meio ambiente, o desejo de que as guerras terminem, a preocupação com a fome. Trabalhos que revelam o homem. Homem que em vida jamais tive a oportunidade de saber que existia. Toca-me profundamente sua humanidade exposta neste momento em que não há mais nada a fazer, a não ser comover-se com alguém que gritou ao mundo sua fragilidade sem que este jamais tenha sido capaz de ouvi-lo. Eu sei que isso se explica, buscamos deuses, homens já o somos, queremos seres perfeitos, irretocáveis. Exigentes e invejosos, não admitimos falhas e os ídolos são amados na mesma proporção em que são exigidos.
Mas um dia vem a morte. E neste dia nos damos conta de muitas coisas que a vida parece ter ofuscado: Michael Jackson era um artista fantástico, completo como têm dito alguns críticos. Para minha geração que cresceu vendo os Jackson Five em desenho e que acompanhou, mesmo que de longe, o sucesso na carreira solo, fica a sensação do tempo que passou, da irreversibilidade, mas principalmente o sentimento de que o que a mídia ressaltava nos últimos anos não era tudo, havia bem mais do que manchetes sensasionalistas. Para os mais jovens que viram só a parte mais triste, talvez o estardalhaço midiático possa resgatar uma imagem mais completa do artista que ele foi.
De tudo isso fica uma lição, a mais óbvia e a mais negligenciada: morre-se. A eternidade é desejo, não fato. O tempo de que dispomos está sempre se extinguindo, nunca se ampliando. Portanto que não venha a morte surpreender-nos sem que tenhamos aprendido a amar e aceitar o outro como ele é. Se isso não é possível com os grandes ícones da mídia que seja exercício diário para com aqueles que nos cercam.
Rosilane Rocha – 28/06/2009