Os Embuás no Imaginário Popular
Os embuás, assim como uma enorme variedade de invertebrados, mantêm relações próximas com o ser humano, mesmo nas zonas urbanas, como Macapá, capital do Estado Brasileiro do Amapá, no extremo norte do Brasil. Neste texto, discuto alguns mitos e lendas amapaenses sobre os embuás.
Mas, o que são embuás? Também conhecidos como piolhos-de-cobra (Arthropoda: Diplopoda), são invertebrados de corpo longo, cilíndrico, dividido em dezenas de anéis, cada um dos quais com dois pares de apêndices locomotores. Encontram-se amplamente distribuídos em todo o mundo, sendo representados por mais de 12000 espécies.As relações entre esta espécie e seres humanos são ainda pouco estudadas.
Em alguns períodos do ano, como o inverno, a presença de embuás nas casas amapaenses fica mais evidente, sobretudo, nas mais afastadas do centro da cidade (embora estas não se privem da presença diplópoda). Como já previsível, são recebidos a sandalhadas, pisadas e vassouradas. Nas raras vezes em que isso não acontece, são desprezados.
No Amapá, há registros que explicam as possíveis razões para a exterminação de embuás: os mitos segundo os quais os embuás são venenosos, se alimentam de sangue humano e não têm qualquer importância à natureza e ao Homem (exceto naqueles casos onde são usados na zooterapia, como na Área de Proteção Ambiental da Fazendinha, localizada na cidade de Macapá) e, curiosamente, podem causar a gravidez de mulheres em período menstrual, conforme a crença popular. Há inclusive relatos de pessoas que conhecem filhos humanos de embuás embora, saiba-se que, para a ciência moderna, a incompatibilidade genética, ecológica e sexual impossibilita tal ocorrência. Este tipo de conhecimento faz parte do valioso acervo cultural local, transmitido de geração para geração oralmente. Eis alguns relatos de moradores locais:
“No interior uma menina estava menstruada. Passou por cima de um embuá e engravidou” (moradora A, 34 anos).
“Conheço a história de uma mulher que estava com dois meses sem manter relação sexual, mas estava grávida. Quando foi para ela ter o bebê sentiu uma dor, como de um bebê normal, mas na realidade eram vários filhinhos de embuá” (moradora B, 18 anos).
“No interior falam que os embuás matam um homem com o veneno” (morador C, 18 anos)
Os embuás não são peçonhentos, como aranhas, cobras e escorpiões, mas podem liberar toxinas por poros ao longo do tronco, que podem causar pequenos danos à pele e olhos humanos (conjuntivites), mas tal mecanismo de defesa é particularmente mais eficiente em animais menores. Além disso, são desconhecidos registros científicos de sangue humano na alimentação de embuás, embora essa crença seja bastante popular no Amapá. Relatos populares dão conta que, em meados da década de 1960, em Macapá, um embuá entrou, acidentalmente, no canal auditivo de uma garotinha, de 5 anos, que viria a morrer poucos dias depois de uma forte dor de cabeça.
Os embuás são animais detritívoros, que se alimentam de restos vegetais e animais, presentes no solo, sendo essenciais na reciclagem de nutrientes nos ecossistemas, função esta diretamente relacionada à abundância vegetal da região onde existam, o que pode trazer benefícios diretos e indiretos ao Homem, neste caso, a captação de gás carbônico, vilão do aquecimento global, além de benefícios à própria agricultura, um valor mais direto ao Homem.
O conhecimento sobre os embuás pode ser uma ferramenta essencial à Educação Ambiental, quando se pensa em planejar estratégias de intervenções que objetivem a proteção da espécie, na maioria das vezes, injustiçada pelo Homem. Porém, é importante também a proteção do patrimônio cultural humano referente aos embuás, o que nos remete à pensar na resolução do seguinte problema: Como proteger esse patrimônio cultural e a convivência humana com os embuás, visto que, provavelmente, muitos dos mitos e crenças em torno da espécie direcionem as atitudes negativas do Homem em relação a ela? Embora a discussão não se encerre por aqui, levemos em conta que nenhuma cultura é estática!
Agradecimentos:
A Charles dos Santos Barros, pela colaboração.
Sugestões de Leitura
BARROS, C. S.; ALMEIDA, D. F. Etnomiriapologia en el área protegida de Fazendinha, en Macapá-AP, Brasil. In: 61a Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência. Manaus: Ciência e Cultura, 2009.
BARROS, C. S. ALMEIDA, D. F. Embuás (Arthropoda: Diplopoda) Na Concepção de Moradores da APA da Fazendinha, em Macapá (AP). In: I Encontro Amapaense de Pesquisa Entomológica, 2008, Macapá. Anais do I Encontro Amapaense de Pesquisa Entomológica, 2008.
COSTA-NETO, E. M. The Perception of Diplopoda (ARTHROPODA, MYRIAPODA) by The Inhabitants of the County of Pedra Branca, Santa Teresinha, Bahia, Brazil. Acta biol. Colomb., Vol. 12 No. 2, 2007 123 - 134.
VILLEGAS, J. B; FERNANDEZ, P. R.Fauna de Milpiés (Arthropoda: Diplopoda) Edaficos de Una Selva Alta de Los Tuxtlas, Ver. México. Acta Zoológica Mexicana, 76: 59-83, 1999.
Os embuás, assim como uma enorme variedade de invertebrados, mantêm relações próximas com o ser humano, mesmo nas zonas urbanas, como Macapá, capital do Estado Brasileiro do Amapá, no extremo norte do Brasil. Neste texto, discuto alguns mitos e lendas amapaenses sobre os embuás.
Mas, o que são embuás? Também conhecidos como piolhos-de-cobra (Arthropoda: Diplopoda), são invertebrados de corpo longo, cilíndrico, dividido em dezenas de anéis, cada um dos quais com dois pares de apêndices locomotores. Encontram-se amplamente distribuídos em todo o mundo, sendo representados por mais de 12000 espécies.As relações entre esta espécie e seres humanos são ainda pouco estudadas.
Em alguns períodos do ano, como o inverno, a presença de embuás nas casas amapaenses fica mais evidente, sobretudo, nas mais afastadas do centro da cidade (embora estas não se privem da presença diplópoda). Como já previsível, são recebidos a sandalhadas, pisadas e vassouradas. Nas raras vezes em que isso não acontece, são desprezados.
No Amapá, há registros que explicam as possíveis razões para a exterminação de embuás: os mitos segundo os quais os embuás são venenosos, se alimentam de sangue humano e não têm qualquer importância à natureza e ao Homem (exceto naqueles casos onde são usados na zooterapia, como na Área de Proteção Ambiental da Fazendinha, localizada na cidade de Macapá) e, curiosamente, podem causar a gravidez de mulheres em período menstrual, conforme a crença popular. Há inclusive relatos de pessoas que conhecem filhos humanos de embuás embora, saiba-se que, para a ciência moderna, a incompatibilidade genética, ecológica e sexual impossibilita tal ocorrência. Este tipo de conhecimento faz parte do valioso acervo cultural local, transmitido de geração para geração oralmente. Eis alguns relatos de moradores locais:
“No interior uma menina estava menstruada. Passou por cima de um embuá e engravidou” (moradora A, 34 anos).
“Conheço a história de uma mulher que estava com dois meses sem manter relação sexual, mas estava grávida. Quando foi para ela ter o bebê sentiu uma dor, como de um bebê normal, mas na realidade eram vários filhinhos de embuá” (moradora B, 18 anos).
“No interior falam que os embuás matam um homem com o veneno” (morador C, 18 anos)
Os embuás não são peçonhentos, como aranhas, cobras e escorpiões, mas podem liberar toxinas por poros ao longo do tronco, que podem causar pequenos danos à pele e olhos humanos (conjuntivites), mas tal mecanismo de defesa é particularmente mais eficiente em animais menores. Além disso, são desconhecidos registros científicos de sangue humano na alimentação de embuás, embora essa crença seja bastante popular no Amapá. Relatos populares dão conta que, em meados da década de 1960, em Macapá, um embuá entrou, acidentalmente, no canal auditivo de uma garotinha, de 5 anos, que viria a morrer poucos dias depois de uma forte dor de cabeça.
Os embuás são animais detritívoros, que se alimentam de restos vegetais e animais, presentes no solo, sendo essenciais na reciclagem de nutrientes nos ecossistemas, função esta diretamente relacionada à abundância vegetal da região onde existam, o que pode trazer benefícios diretos e indiretos ao Homem, neste caso, a captação de gás carbônico, vilão do aquecimento global, além de benefícios à própria agricultura, um valor mais direto ao Homem.
O conhecimento sobre os embuás pode ser uma ferramenta essencial à Educação Ambiental, quando se pensa em planejar estratégias de intervenções que objetivem a proteção da espécie, na maioria das vezes, injustiçada pelo Homem. Porém, é importante também a proteção do patrimônio cultural humano referente aos embuás, o que nos remete à pensar na resolução do seguinte problema: Como proteger esse patrimônio cultural e a convivência humana com os embuás, visto que, provavelmente, muitos dos mitos e crenças em torno da espécie direcionem as atitudes negativas do Homem em relação a ela? Embora a discussão não se encerre por aqui, levemos em conta que nenhuma cultura é estática!
Agradecimentos:
A Charles dos Santos Barros, pela colaboração.
Sugestões de Leitura
BARROS, C. S.; ALMEIDA, D. F. Etnomiriapologia en el área protegida de Fazendinha, en Macapá-AP, Brasil. In: 61a Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência. Manaus: Ciência e Cultura, 2009.
BARROS, C. S. ALMEIDA, D. F. Embuás (Arthropoda: Diplopoda) Na Concepção de Moradores da APA da Fazendinha, em Macapá (AP). In: I Encontro Amapaense de Pesquisa Entomológica, 2008, Macapá. Anais do I Encontro Amapaense de Pesquisa Entomológica, 2008.
COSTA-NETO, E. M. The Perception of Diplopoda (ARTHROPODA, MYRIAPODA) by The Inhabitants of the County of Pedra Branca, Santa Teresinha, Bahia, Brazil. Acta biol. Colomb., Vol. 12 No. 2, 2007 123 - 134.
VILLEGAS, J. B; FERNANDEZ, P. R.Fauna de Milpiés (Arthropoda: Diplopoda) Edaficos de Una Selva Alta de Los Tuxtlas, Ver. México. Acta Zoológica Mexicana, 76: 59-83, 1999.