A questão da Palestina

A QUESTÃO DA PALESTINA

A população brasileira, a partir de alguns segmentos de intelectuais e da mídia tem o costume de se sensibilizar, de forma exacerbada, embora perfunctoriamente, pelos problemas distantes ocorridos do outro lado do planeta. Assim as mortes na África, as vítimas das inundações na China ou o número de pessoas que morreram na Palestina, tem o condão de despertar protestos e ensejar um rasgar de vestes.

É interessante observar que bem perto daqui morre o mesmo número de pessoas, de fome, em acidentes de trânsito, nas chacinas (que nada mais são que faxinas sociais), nas filas dos transplantes, por falta de atendimento hospitalar, e parece que isso já anestesiou os clamores de muitos, e não é alvo das farândolas da imprensa tupiniquim. Só no feriadão de Natal de 2008 morreram mais de 700 pessoas no Brasil.

No dia em que escrevi esta matéria (08/01/2009), os jornais de Porto Alegre informavam que na faixa de Gaza as mortes atingiram o número de 700 pessoas, o que é lamentável. No mesmo noticiário a jornal relata que na capital gaúcha ocorrem 25 assassinatos por dia (um a cada cinco horas), isto sem falar nos acidentes de trânsito e nas mortes provocadas por doenças curáveis e previsíveis.

A bola da vez em termos de comoção são as vítimas palestinas dos bombardeios de Israel. Todas as ações bélicas são condenáveis, embora se deva perquirir suas razões políticas determinantes. Eu lembro que, quando era criança, havia dois irmãos, vizinhos, que sempre me enchiam o saco, abusando e atirando pedras toda a vez que eu passava na frente da casa deles. Eles eram dois, mas eu era maior que eles. Minha mãe chegou a intervir, buscando uma solução pacífica com a mãe dos garotos. Não resolveu nada.

Um dia eu encontrei a dupla na fila do cinema e “passei o rodo” neles. A mãe dos meninos foi lá em casa fazer queixa da agressão perpetrada contra seus pimpolhos. Minha mãe proferiu uma frase de alta sabedoria: “se foi avisado que eles estavam abusando, que o meu filho era maior, e nada foi feito para evitar aquela situação, a atitude do meu filho foi justa, uma vez que visou fazer frente a uma situação que se afigurava como insustentável”.

Assim ocorre nas relações entre Israel e os palestinos. A ocupação do território aconteceu a partir da criação do Estado de Israel, em 1948, por determinação da ONU, com a volta dos judeus ao território de onde tinham sido expulsos 2 mil anos antes. A fundação de Israel gerou uma das mais importantes disputas territoriais do mundo.

Ainda hoje é motivo de complexas negociações de paz com os palestinos, habitantes da região, e com os estados árabes vizinhos. Apesar da região em grande parte árida, Israel implanta uma agricultura moderna, com o apoio de avançada tecnologia, o que permite a exportação de frutas e verduras de alta qualidade. Por se haver instalado em uma região desértica, Israel adotou por divisa “Se desejas não é um sonho”, que seria a confirmação da pujança do país, 20 anos depois de sua criação.

No terreno das hostilidades, e para avaliar as questões atuais, é salutar observar que nas 48 horas após a proclamação do Estado independente de Israel, em uma sexta-feira, dia 14 de maio de 1948, os vizinhos palestinos levaram a efeito seu primeiro ataque. É um equívoco, se não um comentário tendencioso, dizer que os canhões de Israel sempre estiveram voltados contra a Palestina. As provocações das etnias árabes foi uma constante na região.

O revide de Israel começou em 1967, na chamada “Guerra dos Seis Dias”, quando a aviação israelense destruiu tudo o que estava pela frente em termos de inimigos, do Egito à Jordânia, passando pela Síria e pela Palestina.

Houve algumas tentativas de acordo, mediadas pelos Estados Unidos, mas tudo caiu vítima dos radicalismos. O mundo esperava que a presença de Yasser Arafat no comando da Autoridade Palestina resolvesse o conflito, mas a voz dos radicais falou mais alto e o estado de beligerância, especialmente o terrorismo deitou por terra quaisquer tentativas de pacificação. Alguns homens bem intencionados tentaram administrar a paz.

O primeiro foi Anwar el Sadat, do Egito, que por esses esforços chegou a ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 1978. Foi assassinado pelo braço radical da Jihad Islâmica no Cairo, em 1981. O outro é Arafat, que embora fizesse um jogo duplo (buscava a paz, mas tolerava o terrorismo do grupo Al Fatah). Morreu sem conseguir convencer seus conterrâneos que a paz era o melhor caminho.

Arafat dividiu o Nobel da Paz com Ytzhak Rabin e Shimon Peres, em 2004. Rabin foi assassinado em Jerusalém em 1995 por um judeu radical que não queria a aproximação com os árabes. O fato de ser um país menor e espremido por potências hostis, levou Israel a se armar e desenvolver uma notável tecnologia militar.

As hostilidades contra Israel foram praticadas por grupos radicais, que se alternavam na influência do Oriente Médio, ora o Hezbollah (criado no Líbano por clérigos xiitas), ora o Hamas, ambos de conotação terrorista e paramilitar. O lider Abbas Musawi chamava Israel de “o câncer do Oriente Médio” e prometia “apagar qualquer traço de Israel da Palestina”. Seu projeto era no sentido de intensificar política e militarmente a ação para desmantelar as conversações de paz (www.wikipedia.org. Internet). Hezbollah quer dizer “o partido de Deus”.

O Hamas é uma organização paramilitar e partido sunita palestino que tem a maioria dos assentos no conselho legislativo da Autoridade Nacional Palestina. O Hamas (Movimento de Resistência Islâmica) está ligado à luta pela formação do Estado Palestino, e pela desocupação dos territórios palestinos ocupados por Israel durante a Guerra dos Seis Dias.

Eu não vou dizer que os palestinos sejam todos terroristas, mas como albergam o pessoal do Hamas, correm o risco de uma generalização. É como ocorre nos morros do Rio de Janeiro. Não é todo mundo que é traficante, mas muitos dão abrigo aos marginais, tornando quase impossível uma identificação. Volta-e-meia morrem inocentes. O confronto de Israel com os palestinos é histórico.

A Palestina é um grupo sociopolítico sem capacidade de se tornar uma nação, ainda. Inconformados com a vizinhança dos judeus. Os terroristas do Hamas, dia-após-dia lançam mísseis contra Israel. Ora, isso exaspera o poderoso vizinho, sem falar terrorismo fanático dos “homens-bomba” que atacam sem aviso.

O fato é que a questão é muito mais complexa do que alguns comentaristas de fato consumado imaginam. Quem é o dono da terra? Israel foi dono daquela região até o século II d.C. quando foi esmagado pelos romanos, o que ensejou a diáspora. Com a saída dos judeus, cresceram as tribos semitas, árabes e outros, muitos provenientes da cultura filistéia. Alguns historiadores afirmam que o vocábulo palestina vem de filistina.

Em 638 dC., a região foi conquistada pelos árabes, no contexto da expansão do islamismo, e passou a fazer parte do mundo árabe, embora sua situação política oscilasse ao sabor das constantes lutas entre governos muçulmanos rivais. Chegou até mesmo a constituir um Estado cristão fundado pelos cruzados (1099-1187). Finalmente, de 1517 a 1918, a Palestina foi incorporada ao imenso Império Otomano (Turco). Deve-se, a propósito, lembrar que os turcos, e embora muçulmanos, não pertencem à etnia árabe.

Depois do holocausto nazista (1939-1945) cresceu o sentimento de nacionalismo dos judeus em busca de uma terra, cansados de viver e serem perseguidos em terras alheias. Esse sentimento chamou a atenção da ONU que decidiu criar o Estado de Israel, atribuindo-lhe o espaço físico atual. Há na Bíblia, especificamente no livro de Ezequiel uma profecia (vide cap. 37), onde o povo judeu seria revitalizado e voltaria à Palestina, ocupando um território centrado em Jerusalém.

De outro lado, ocupantes da terra há quase vinte séculos, a população de origem árabe e islâmica se acha dona do pedaço, sem nunca ter aceito a resolução da ONU que criou o Estado judeu. A complexidade reside aí, onde se misturam ingredientes de agravamento, como fanatismo religioso, radicalismo político, leis e resoluções internacionais. As tentativas de conciliação, por parte de outros países, sempre esbarraram na intransigência de ambos os lados.

A partir dos ataques à Faixa de Gaza, uma parte da opinião pública mundial tenta demonizar Israel. É como se você tivesse um vizinho que joga pedras todos os dias no seu quintal, ou que não controla seu cachorro. Isso tem um limite, e parece que a paciência de Israel chegou ao limite. É lamentável que os ataques israelenses tenham matado crianças e civis, assim como ocorre com continuados ataques dos mísseis palestinos contra as cidades judias, que semeiam anos a fio uma indiscriminada destruição com mortes nas populações civis. Os jornais afirmam que ontem (07/01/2009) foram lançados doze mísseis palestinos contra as cidades fronteiriças de Israel. Assim esta guerra não vai ter fim.

Eu acho que os atuais ataques de Israel são um gesto de defesa contra uma vizinhança hostil. Contra a intolerância toda a diplomacia fracassa. Tenho certeza que este não é o plano de Yahweh nem de Allah para seus filhos. Os tratados de “cessar fogo” são débeis e provisórios. O fato é que os palestinos ainda não encontraram um homem como Arafat, capaz de liderá-los e conduzi-los a um eficaz patamar de negociações. Dado a gravidade dos fatos e a falta de intenções de paz, este é um conflito que se afigura como imune a apelos internacionais e, pelo visto, ainda vai durar muitos anos. Lamentavelmente!

Para julgar com justiça a situação, cabe ao analista conhecer os dois lados. Ao invés de rasgar as vestes, em sinal de indignação, o que mais poderíamos fazer? Talvez, como disse o profeta: “Não resolve rasgar as vestes, mas importa rasgar os corações”.

O autor, 66 anos, gaúcho de Porto Alegre, é Doutor em Teologia Moral, articulista de jornais e revistas, ex-professor de Ciência Política, e escritor.