Sociologia rural
Esta é a segunda parte do artigo sobre a Sociologia agrícola e rural
2 Sociologia RURAL
2.1. Perspectivas teóricas. De acordo com o esquema proposto por Fernando de Azevedo, pelo qual a Sociologia Especial consiste no estudo de categorias específicas de fatos sociais, a "Sociologia Rural é uma das subdivisões da Sociologia Especial "que estuda o modo de vida rural e a natureza das diferenças rurais e urbanas" LAKATOS & MARCONI (1999:29-30), ou apenas "o estudo das sociedades rurais" (MENDRAS, 1958:316 apud JOLLIVET, 1998:2).
Sendo um ramo da Sociologia, usará, igualmente, os métodos que essa Ciência utiliza para concretizar as suas investigações. A tendência natural, no contexto desse trabalho seria ligar a Sociologia Agrícola com a Rural, como sendo a mesma coisa, mas quando se pensa no Rural, certamente não se está pensando apenas na agricultura, que é o modo de cultivar a terra. Há muitas relações sociais que se desenvolvem no campo que não dizem respeito à agricultura, como por exemplo as lutas pela posse da terra, a grilagem, a reforma agrária, a industrialização do campo, "o bóia fria", entre outras. Todavia, desnecessário se faz dizer sobre o inter-relacionamento que as duas disciplinas possuem, não somente entre si, como também com as demais "ciências sociais que estudam o mundo ou o espaço rural, o que se justifica pelas trocas importantes que ela tem com as mesmas e, inversamente, as relações que as ciências sociais mantém com a disciplina" (JOLLIVET, 1998:1).
Ainda considerando que a Sociologia Rural é uma subdivisão da Sociologia Geral, forçoso então nos é admitir que, antes de ser Rural ou Especial, essa disciplina é também Sociologia Geral, e dela herda igualmente as origens históricas e as perspectivas teóricas traçadas pelas diversas escolas e pensadores sociológicos, bem como a mesma interdisciplinaridade com as demais ciências sociais, que estudam as particularidades dos fatos sociais. Esse é um dos aspectos pouco considerados pelos estudiosos, mas que Jean Stoetzel (1951-1952) e Henri Mendras (1963-1964), seus precursores, fazem questão de destacar logo ao início dos cursos que ministraram no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Assim se posiciona Mendras, por exemplo, em 1958:
"O ‘meio’ rural é um campo de investigação para todas as ciências sociais e seu estudo não poderia constituir uma disciplina autônoma. Os geógrafos que analisam as relações entre o homem e o meio natural e a distribuição espacial dos fenômenos humanos começaram naturalmente a se debruçar sobre o campo. A economia rural é um ramo (um dos mais antigos) da economia política. Ligando-se a um passado em que a agricultura era a atividade exercida pela maioria dos homens, a história social dá um grande destaque à descrição da vida camponesa. Os etnólogos estudam as estruturas ditas ‘arcaicas’ nas quais a busca ou a produção de alimentos ocupam todos os homens. Enfim, citadinos e rurais interessam igualmente ao psicólogo, ao demógrafo, etc. Enquanto homens iguais aos outros, os rurais também dizem respeito a cada ciência social. Entretanto, eles vivem em um meio particular que requer uma certa especialização do pesquisador e, às vezes, uma problemática diferente. Como o etnógrafo, o sociólogo rural deve, portanto, conhecer os métodos e as técnicas de todas as outras ciências sociais, a não ser que conte com a colaboração de uma equipe de diversos especialistas." (MENDRAS apud JOLLIVET, 1998).
Uma das pretensões do ruralista é, por conseguinte, promover a integração das análises feitas pelo rural, produzindo um único conhecimento que, aliás, é a matriz que direciona o epistemológico. O conhecimento é uno, global. As divisões têm implicações meramente didáticas, mas nenhum fenômeno social pode ser perfeitamente compreendido se dissociado do contexto geral em que se encontra e do qual recebe influência, tanto interna quanto externamente. Nesse sentido, a Sociologia Rural que deveria ser uma das especificidades em que se divide a Sociologia Especial, acaba assumindo ares de disciplina geral, na medida em que sua análise pode ser dividida em áreas como a da família, da religião, entre outras.
O seu objeto de estudo é, dessa forma, mais do que uma das especificidades da Sociologia Especial. Assim, ao invés de se falar em objeto, o mais apropriado é referir-se ao seu campo de atuação: as sociedades rurais. Vale dizer ainda que não se deve compreender o rural com o oposto do urbano. A Sociologia Urbana, tal qual a Rural, perde também o seu caráter de disciplina específica, pois o Urbano também é analisado por vários ângulos e planos diferentes e o que vai interessar à Sociologia Urbana não é uma dessas análises em particular, senão que a síntese de todas elas. É dessa forma que deve ser feito o estudo da Sociologia Rural. Destaca-se, inclusive que, grande parte da problemática rural atual é decorrente do entendimento errôneo de que aquilo que não é urbano é rural e vice-versa ou daquele que trata tudo como sendo a mesma coisa.
"A realidade de nossos dias tem gerado uma sociedade que se urbaniza velozmente. Essa urbanização, comandada pelo processo de industrialização que o campo está conhecendo, criou rapidamente um forte contingente de trabalhadores rurais-urbanos. Isso ocorre porque se está implantando no campo o modo industrial de produzir. Esse fato, incontestável, tem feito com que vários colegas autores tratem o campo como se trata a cidade/indústria, esquecendo que as especificidades de cada um não foram ainda eliminadas" (OLIVEIRA, 2002:8).
2.2. – O Objetivo da Sociologia Rural. A tarefa do Sociólogo Rural, segundo Mendras (1958), tem uma dupla orientação: estudar as especificidades próprias de sua área de estudos; e, reinterpretar, sintetizar e integrar sob o seu ponto de vista, os estudos das demais ciências sociais rurais, a fim de se obter a compreensão global da sociedade rural.
A sociedade rural goza apenas de uma certa autonomia diante da sociedade global, sendo impossível reduzi-la a um grupo econômico profissional. Não se trata de "agricultores" ou "pecuaristas". Dessa forma, a análise ruralista se fundamentará na hipótese de "existência nos países que têm um campesinato tradicional, de uma sociedade rural, que conserva uma certa autonomia em face da sociedade global" (MENDRAS, 1958), sendo o objetivo da Sociologia Rural, demonstrar a validade dessa proposição. Nesse sentido, a ênfase do trabalho será na mudança social que se caracterizará com a transformação do camponês em agricultor ou pecuarista, ou qualquer outro grupo reconhecido, de forma a poder integrar-se à sociedade global, haja vista que esta não reconhece a sociedade rural como um de seus grupos sociais; todavia o faz, sem maiores dificuldades, com relação ao grupo dos agricultores e dos pecuaristas, por exemplo.
Para alcançar esses resultados propostos, o estudo da sociedade rural se baseia no entendimento de que existem elos de ligação muito finos entre os diversos tratamentos dados ao seu "objeto material" por cada uma das ciências sociais que abordam essa temática. Esse seria um dos motivos para o trabalho integrado dessas ciências. Essa postura parece dar ao trabalho do grupo um caráter fechado e isolado do restante do conhecimento, como se esse formasse um bloco independente, "o bloco do rural", mas isso é apenas aparência. O que deve ser vislumbrado é o fato de que o trabalho do sociólogo rural tem uma duplicidade de objetivos: compreender o social rural e integrá-lo no social global, ou seja, o trabalho deve ter coerência interna e externa para que seja realmente um conhecimento científico válido.
Quando ao estudo particular da sociologia rural, levado a efeito pelos seus pesquisadores ao longo da história, JOLLIVET (1998), tomando como ponto de partido a questão francesa, entende que eles estão interligados, podendo ser sintetizados em cinco temas principais: as relações cidade-campo; as transformações da agricultura; a posição dos camponeses na sociedade; o desenvolvimento local; o meio ambiente. Esses temas não foram exclusividades do povo francês; os brasileiros também vivem o mesmo drama; e, certamente várias nações do mundo.
2.2.1. As relações cidade-campo. Essa temática começou a ser tratada com mais intensidade após a segunda grande guerra, quando o mundo destruído envidava um esforço generalizado para a reconstrução, a industrialização e a modernização. A questão que se discutia era a de saber se os campos seriam capazes de suportar as mudanças. Para a cidade, onde normalmente acontecem as novidades, esse esforço seria normal, pois essas são questões mais pertinentemente urbanas do que rurais. Seria apenas uma questão de acomodação a um estilo de desenvolvimento mais acelerado. Partir do nada destruído e retomar o ritmo da vida, absorvendo as lições da guerra. E que lições! Quanta diferença houve entre o corpo-a-corpo dos soldados na primeira grande guerra e o corpo-a-máquina da segunda! A modernidade trouxera a tecnologia, a qual fora usada para matar e destruir. Agora ela deveria ser utilizada para a reconstrução e a implantação do novo mundo. Mas e o campo? O progresso sempre demorou um pouco mais a chegar lá. De que forma a sociedade rural enfrentará os problemas modernos? A cidade não é capaz de bastar-se; não é autárquica; é dependente da matéria-prima e, principalmente de muito alimento. Atender essa demanda vai implicar em muitas mudanças. Por conta dessa situação, a sociedade rural européia, em princípio, veio a enfrentar situações as mais complicadas, como: a desertificação, a rurbanização, problemas com terras não cultivadas, a uniformização dos modos de vida, a morte ou o renascimento do rural. E, posteriormente, várias partes do mundo, igualmente, vieram a passar pela mesma situação. Alguns ainda estão vivendo esses dramas rurais.
A título de ilustração, pode-se destacar o fato de que várias áreas do Brasil vêm se desertificando, em conseqüência do desmatamento desenfreado para aumentar a produção. Segundo a Enciclopédia Britânica, o Brasil tem "regiões semi-áridas, como a caatinga, mas nenhum deserto. Em geral, considera-se uma região desértica quando sua precipitação média anual é inferior a 250 mm" (BARSA, 2001:132b). Mas a própria Britânica, a conceituar a desertificação, declara que ela "é a degradação do meio natural, com tendência à criação de zonas desérticas. Produzida por causas naturais, como as mudanças climáticas, ou derivadas da ação humana, como o desmatamento" (BARSA, 2001).
A preocupação em produzir para atender a demanda mundial de alimentos (principalmente do mundo que pode pagar por eles; aqueles que não podem continuam passando e morrendo de fome) criou o empresário rural, cuja única preocupação é produzir e ganhar dinheiro, pouco se incomodando com as conseqüências dos atos que pratica para assegurar essa produção. Viajando pelo país afora, pode-se perceber as mudanças que esse tipo de empreendedor (que não é do campo, que não vive no campo, mas que apenas explora o campo), vem ocasionando na paisagem brasileira. Os maiores danos são causados na região dos cerrados, antes coberto por uma vegetação natural, hoje coberto por extensas plantações, onde não se vê uma árvore sequer, apenas soja, algodão, arroz, milho, plantação, plantação e plantação.
"Trinta por cento das áreas de floresta tropical do planeta estão concentradas no Brasil, em especial na bacia amazônica. Essa riqueza vegetal foi encarada, no entanto, como obstáculo para o desenvolvimento do país, principalmente a partir da década de 1970. Fotografias de satélite tiradas em 1988 revelaram que o desmatamento realizado em pouco mais de dez anos na Amazônia atingia 12% da região - uma área maior do que a França. Esse ritmo de devastação, segundo os ambientalistas, levaria ao desaparecimento da floresta até o final do século XX. No início da década de 1990, no entanto, as taxas de desmatamento apresentaram uma redução, mais atribuída à recessão econômica do que à consciência ecológica. As principais causas do desmatamento na região eram a criação de gado, exploração de madeira, construção de estradas e hidrelétricas, mineração, agricultura em pequenas propriedades e crescimento urbano".
"O desmatamento é uma das principais causas da seca, porque a derrubada de árvores destrói as bacias hidrográficas e empobrece o solo. É, portanto, um fator intensificador da pobreza em países da América Latina, Ásia e África. Exemplo óbvio é o da Etiópia, onde a devastação da vegetação natural reduziu a capacidade de armazenamento de umidade da terra e agravou os efeitos da estiagem sobre a agricultura. O grande desafio ambiental do mundo contemporâneo consiste em recuperar, por meio de programas de reflorestamento, o que já foi degradado; impedir que o processo de desmatamento indiscriminado tenha continuidade e desenvolver projetos que, mesmo ao incluírem a exploração econômica da floresta, favoreçam sua recuperação gradual, com a reposição garantida do que for retirado e respeito aos ciclos biológicos das diversas espécies" (BARSA, 2001:137).
Em novembro de 1998, representantes de 150 países iniciaram em Dacar, capital do Senegal, a II Cúpula Mundial sobre desertificação. O processo de degradação afeta diretamente 250 milhões de pessoas e pode chegar a prejudicar um bilhão, em todas as regiões da Terra. Segundo dados das Nações Unidas, a desertificação causa prejuízos de 42 bilhões de dólares ao ano. A América do Norte, com 74% de terras áridas ou semiáridas, e a África, com 73%, eram as regiões mais preocupantes (PANORAMA, 2004).
2.2.2 – As transformações da agricultura. A Sociologia Rural depende da análise realizada por cada uma das diversas ciências sociais que analisam os fenômenos rurais, para que possa fazer a sua síntese integradora que assegure a explicação unitária e global da sociedade rural. As ações desenvolvidas pelos homens do campo que conduzem às transformações da agricultura e que levam a propriedade rural a tornar-se uma propriedade agrícola, e os camponeses a ser agricultores – um grupo reconhecido pela sociedade –, é a meta maior da Sociologia Rural. Mas, uma vez transformado em agricultor e feito membro ativo da sociedade global, esta exige novas e constantes transformações para atender a demanda dos demais grupos sociais que a completam e que implicam na adoção de um modo de vida totalmente diferente, cujo estudo é a meta da Sociologia Agrícola, em particular, mas cujas conclusões interessam à Sociologia Rural para complementar a sua análise da sociedade rural.
As transformações atingem "não só o estabelecimento agrícola e o trabalho do agricultor, mas também – tendo em vista o estreito laço entre o estabelecimento e a família – a transformação da família agrícola" (JOLLIVET, 1998). Já não se trata de produzir apenas para a subsistência da família. O que plantar também deixa de ser uma decisão particular; planta-se o que é requerido. As pequenas fazendas precisam se adequar às grandes. Muitas vezes elas apenas complementam a produção daquelas. São toleradas. Esse fenômeno é bastante comum na região centro-sul de Mato Grosso, nos municípios de Jaciara e Campo Verde, onde as pequenas propriedades plantam cana e criam frangos para atender à demanda das indústria de açúcar e do frango, respectivamente. A mesma situação acontece em Nova Olímpia, Tangará da Serra, Barra do Bugres e região, onde se planta cana para a Itamarati.
"O processo de desenvolvimento recente no campo brasileiro tem criado condições para que uma fração do campesinato amplie a produtividade no trabalho familiar. Este processo tem sido possível em função, de um lado, do acesso tecnológico colocado à disposição da agricultura capitalista, e, de outro, do estabelecimento de novas relações com a indústria. Este processo tem sido objeto de muitos estudos. As indústrias consumidoras de produtos de origem agrícola ou pecuária chamam estas relações de produção integrada. Isso significa que, por exemplo, no caso da avicultura, a indústria de ração que também industrializa e comercializa o frango, entregue ao granjeiro os pintinhos e a ração que comerão até o abate. Depois de atingirem um peso médio de 1,5 kg, os frangos são entregues para o abate. A indústria destina uma percentagem do preço final, que pode variar em torno de 15%, ao granjeiro" (OLIVEIRA, 2002:71).
Na região de Poxoréo, por exemplo, desde 1997 a Administração Municipal vem incentivando o plantio do maracujá para fins industriais, como alternativa para a mudança de atividade econômica, do garimpo para a fruticultura.
"A implantação do "TecnoFrutas - o processo de produção e industrialização de Poxoréo – MT", foi a forma encontrada pelo Governo do Município, para superar a recessão que passou a vivenciar desde o início desta década, em decorrência do esgotamento das jazidas diamantíferas que sustentara o seu desenvolvimento desde 1924. O "TecnoFrutas" — como foi batizado o projeto —, é uma proposta de geração de emprego e renda, através do assentamento fundiário de 200 profissionais agrícolas, em uma área de 6.400 hectares, a ser cultivada com frutas tropicais, diferente das formas convencionais tradicionalmente utilizadas pelo INCRA, cujas metas são a geração de 7.500 empregos diretos, beneficiando um total estimado de 30 mil pessoas" (SOUSA, 1999:6).
O Tecnofrutas visava produzir alimentos de forma orientada para atender à demanda das indústrias. Para começar a vender a idéia, a própria Prefeitura implantou dos "Casulos" com o apoio do INCRA, enquanto tentava viabilizar os recursos que viabilizariam o projeto.
Em 1997 o Município fez acordos com a Maguari, de Minas Gerais e em 2001, com a Superbom. Na expectativa de garantia de venda da produção, alguns pequenos proprietários aderiram ao projeto, que foi modificado e transformado em apenas um projeto de produção, abandonando-se a idéia original do assentamento de profissionais rurais. Todavia, mesmo com essa mudança, ainda não houve o envolvimento esperado e, por gerenciamento inadequado, os acordos com as industrias acabaram sendo cancelados e o projeto está temporariamente desativado.
"Trata-se de algo inédito. Em todas as propostas de assentamento fundiário postas em prática no Brasil, através do INCRA, o costume é assentar "sem-terras". Normalmente os assentados são pessoas que trabalhavam como arrendatários e foram desagregados, ou então eram sertanejos que saíram do campo e se mudaram para as cidades acreditando que sua sorte mudaria e que, não obtendo sucesso, desejam voltar ao campo, mas não possuem mais os campos para voltar. São pessoas que, em sua grande maioria, possuem apenas a experiência rural, mas que não dominam as modernas tecnologias e conhecimentos. Contrariando essa linha, o Município de Poxoréo se propõe a realizar o assentamento de "profissionais da terra", ou seja, pessoas formadas e qualificadas para trabalhar a terra de forma adequada, utilizando o conhecimento e a tecnologia disponível" (SOUSA, 1999, 10).
A questão em Poxoréo é cultural e cultura é algo arraigado na personalidade das pessoas. Não se muda de um dia para o outro. Uma das idéias que está implícita no Tecnofrutas é que se deve trabalhar as novas gerações para uma nova forma de trabalho que não seja o garimpo, antes que eles sigam os exemplos de seus pais, os quais devem ser deixados como representantes históricos de uma classe de garimpeiros que está fadada ao desaparecimento na região, com o esgotamento das jazidas. Para eles, a mudança cultural é praticamente inviável.
Além das situações particularizadas de Mato Grosso, a produção integrada campo/indústria atingiu também o sul do país no que tange à suinocultura – os granjeiros produzem milho e engordam suínos para as indústrias de carne – e à produção de fumo – que atende aos oligopólios das indústrias de cigarros.
"O que estamos assistindo de fato é, pois, o processo de industrialização da agricultura que, sem necessariamente expropriar a terra do camponês, sujeita a renda da terra aos interesses do capital. A renda da terra, produzida pelo trabalho familiar, camponês, não fica com quem produziu, mas se realiza parte na indústria e parte no sistema financeiro" (OLIVEIRA, 2002:72).
Uma experiência diferente e que se relaciona com Primavera do Leste, MT, é o caso dos camponeses do sul produtores de soja. As propriedades são pequenas e limitam a sua capacidade de produção. Dessa forma eles estão vendendo as suas propriedades e vindo para o Centro-Oeste e Rondônia. Onde conseguem comprar grandes áreas de terras, em virtude da enorme variação de preço do hectare nessa região em comparação com o sul do país. No registro de Ariovaldo de Oliveira,o número de propriedades rurais na região sul caiu de 1.264 mil em 1970 para 1.145 mil em 1980.
"Dessa forma, não estão diante da expropriação inevitável pelo avanço das relações capitalistas de produção no campo, mas sim no seio de um processo contraditório. Assim, ao mesmo tempo que o subordina mais, promove o seu deslocamento territorial, abrindo espaço no Sul para a continuidade e possibilidade da concentração de terras para uma fração de camponeses que têm acumulado riqueza neste processo, e, conseqüentemente, vêm abrindo no espaço distante a possibilidade de acumulação" (OLIVEIRA, 2002:72).
As pequenas propriedades do sul estão no limite máximo de sua capacidade produtiva. Os camponeses, ao longo dos anos, acumularam condições para produzirem mais, mas não possuem espaço territorial para fazê-lo. Normalmente vendem suas propriedades para os vizinhos, os quais vão se tornando médios e futuros grandes proprietários.
2.2.3. A posição dos camponeses na sociedade. "A origem da civilização, o momento em que se deu a transição da pré-história para o período neolítico, nada foi senão o surgimento do primeiro campesinato. Tem ele, pois, importância capital na história humana, uma vez que dos primeiros núcleos camponeses derivariam as posteriores culturas urbanas.
"Campesinato é o grupo social formado pela massa de trabalhadores da terra e pequenos proprietários rurais. O produto de seu trabalho destina-se primordialmente ao sustento da própria família, podendo ser vendido ou não o excedente da colheita, deduzida a parte do aluguel da terra, quando esta não é própria. O campesinato cultiva extensões limitadas, usando instrumentos e técnicas rudimentares e mão-de-obra familiar.
"O campesinato está longe de ser homogêneo. Nele se identificam essencialmente três camadas: a dos camponeses ricos, possuidores de animais de lavoura e de transporte e que eventualmente contratam assalariados; a dos camponeses remediados, braçais, que utilizam os membros da família como força de trabalho; e a dos jornaleiros, trabalhadores sem terra, que se empregam como assalariados, às vezes por temporada, como é o caso dos "bóias-frias" brasileiros.
"O fenômeno do campesinato tem sido estudado sob dois aspectos: o histórico, preconizado pelo francês Marc Bloch, e o socioantropológico, defendido pelo antropólogo americano Robert Redfield.
2.2.3.1. Teoria histórica. "Segundo essa corrente, existiam na França grandes conjuntos familiares, congregando várias gerações e famílias colaterais estabelecidas na mesma vizinhança. Cada família-membro cultivava sua parcela para subsistência e o excedente era vendido ou trocado. No entanto, segundo Bloch, o que caracteriza a sociedade camponesa da França é sua relação com a instituição senhorial, sem a qual não seria possível compreender nem uma nem outra. A classe dos senhores se originou da existência de diferenças de recursos e de prestígio entre os próprios camponeses: o membro do grupo que se destacava por suas qualidades ou riquezas rodeava-se de seguidores. Outro tipo de senhoriato foi herdado de Roma; coexistiam em propriedades gaulesas o escravo e o colono, homem livre que pagava o aluguel da terra ao senhor com parte da colheita. O desaparecimento da escravatura possibilitou o aumento das parcelas arrendadas a colonos, denominados parceiros.
"As comunidades passaram a desenvolver sobre os pastos, florestas e rios um sistema de direitos coletivos que eram respeitados e defendidos por todos os camponeses. Assim, o campesinato francês desenvolveu-se, no início, em oposição ao senhoriato. O campesinato caracterizava-se por ser uma camada inferior, subordinada e explorada pelo senhoriato. Essa tendência foi diminuindo à medida que se desenvolvia a sociedade e aumentava o empobrecimento dos senhores. O desaparecimento dessa subordinação ao senhoriato não logrou alçar a camada camponesa a uma posição elevada, e ela permaneceu subordinada a um conjunto de camadas sociais nas quais se inseria como inferior. Surgiram, então, os lavradores ricos. Com a revolução agrícola, no início do século XVIII, difundiram-se as empresas agrícolas em moldes capitalistas cujo objetivo era a produção e a venda da colheita, reservando pequena parcela para o sustento do proprietário, em coexistência no entanto com as unidades agrárias camponesas remanescentes.
"As principais características desse tipo de campesinato perduram até hoje. A família, chefiada pelo pai, constitui sempre a unidade social de exploração da propriedade, sendo que, em regra, seu trabalho satisfaz as necessidades essenciais da vida. Apesar de sua feição autoritária, a comunidade permite que seus membros se desliguem para criar situações socioeconômicas distintas.
"Com a revolução francesa, acentuou-se a subordinação do campesinato à sociedade urbana em desenvolvimento. Durante a revolução, a desapropriação dos bens da nobreza e do clero possibilitou a venda de terras a burgueses citadinos, que passaram a alugar ou arrendar suas terras aos camponeses, ao mesmo tempo em que se multiplicavam os pequenos proprietários camponeses. No decorrer do século XIX, os lavradores abastados passaram a se utilizar dos métodos capitalistas. Os camponeses tornaram-se policultores, vendendo o excedente da produção nas cidades e passando a ser comandados por citadinos.
2.2.3.2. Teoria antropológica. "Essa segunda orientação relaciona o campesinato com diferentes tipos de sociedades. Os camponeses surgem nas sociedades em que a cidade e o meio rural coexistem em situação mais ou menos equilibrada. A relação entre o campesinato e a cidade é de complementaridade econômica, uma vez que cabe ao camponês abastecer a cidade. Essa complementaridade deriva da dominação política que a cidade, como poder central, exerce sobre o campo. O camponês constitui uma camada social inferior, submetida à camada urbana, e suas características são: atitudes práticas e utilitárias com relação à natureza; valorização positiva do trabalho, considerado como um mandamento divino a ser cumprido; uma preocupação com a segurança; elevado apreço à procriação e à progênie; desejo de enriquecer; e noções básicas de ética derivadas da importância atribuída ao trabalho. Esse tipo de campesinato é formado por unidades domésticas de produção, orientadas primariamente para a subsistência da família. Os instrumentos de trabalho são rudimentares e o excedente de produção é vendido ou trocado em mercados locais.
2.2.3.3. América Latina. "O camponês latino-americano pratica a policultura e a criação em pequena escala, é iletrado, possui tecnologia pré-industrial, cultiva pequenas áreas, consagra uma porção significativa da colheita à subsistência e utiliza mão-de-obra familiar. A família é a unidade econômica de base e se insere em um grupo de vizinhança.
"No Brasil, coexistiu com a escravidão uma camada camponesa semelhante à descrita por Marc Bloch na Europa feudal. Nas fazendas monocultoras ou de criação de gado havia, ao lado dos escravos, um campesinato livre, encarregado da produção de alimentos para essas fazendas e para os povoados. Era freqüente, e continuou após a abolição da escravatura, o regime de pagamento do aluguel da terra com parte da colheita (meia, terça). Sitiantes independentes formavam parte da comunidade camponesa. Entre esses, os mais abastados, possuidores de animais, praticamente monopolizavam a comercialização dos produtos agrícolas. Permaneceram, contudo, em segundo plano diante dos fazendeiros monocultores e grandes criadores de gado, com os quais não tinham condições de competir.
"Além de camponeses proprietários, sempre existiram: (1) posseiros, localizados em terras devolutas ou sem autorização do proprietário, onde se instalavam; (2) parceiros, que pagam o aluguel da terra com uma percentagem da colheita, ou o equivalente em dinheiro; (3) arrendatários, para os quais o aluguel da terra é fixo, independentemente da quantidade colhida; (4) moradores ou agregados, que habitam as propriedades monocultoras, cultivando nelas certos gêneros, com permissão do proprietário, a quem pagam com dias de serviço; (5) camponeses sem terra, que alugam seu trabalho.
"Observa-se hoje no campesinato brasileiro um movimento de migração para as cidades, em conseqüência da falta de um projeto global de política agrária que solucione seus problemas estruturais". (BARSA, 2001:339)
2.2.3.4 - Reforma agrária. "A concentração de terras em mãos de poucos grandes fazendeiros, sistema de propriedade rural que se denomina latifúndio, tem sido o maior entrave à justiça social no campo. Sua problemática confunde-se com os primórdios da agricultura, a formação da família patriarcal e a delimitação da propriedade privada.
"Reforma agrária é o termo empregado para designar o conjunto de medidas jurídico-econômicas que visam a desconcentrar a propriedade das terras cultiváveis a fim de torná-las produtivas. Sua implantação tem como resultados o aumento da produção agrícola, a ampliação do mercado interno de um país e a melhora do nível de vida das populações rurais.
2.2.3.4.1. Questão agrária no Brasil. "O Brasil apresenta uma estrutura agrária em que convivem extensos latifúndios improdutivos, grandes monoculturas de exportação e milhões de trabalhadores rurais sem terra. A área média das pequenas propriedades não ultrapassa os vinte hectares e a numerosa população rural vive em péssimas condições de higiene e alimentação, o que resulta em elevados índices de mortalidade. Há regiões no país nas quais os processos de irrigação, fertilização e recuperação do solo são desconhecidos, o analfabetismo prevalece e inexistem as escolas técnico-agrícolas.
"A má distribuição da terra no Brasil data do início da colonização, quando a coroa portuguesa simplesmente transplantou o sistema feudal inoperante da metrópole para as terras da colônia. Interessada na produção do açúcar, estimulou a instalação de engenhos e concedeu vastas sesmarias a indivíduos que estivessem em condições de investir na lavoura canavieira. Algumas sesmarias chegaram a atingir uma extensão de cinqüenta léguas, no norte da colônia, e apenas três no sul, medidas que refletem os privilégios dos proprietários mais próximos da metrópole.
"A primeira modificação importante na legislação agrária do Brasil data da vinda da corte portuguesa em 1808, quando o príncipe regente D. João sancionou decreto que permitia a concessão de sesmarias a estrangeiros. Os colonos, procedentes de vários países da Europa, localizaram-se no sul e deram início ali ao processo de formação da pequena propriedade agrária. Inauguraram também o regime de posse, pois os que não possuíam recursos suficientes para receber e cultivar sesmarias, apropriavam-se de terras incultas, adquirindo-as pelo chamado direito de fogo morto. Por esse direito, o colono podia conservar legalmente as terras que seu trabalho e dinheiro recuperassem, cultivassem e tornassem rentáveis.
"A primeira Lei de Terras do Brasil data de 1850 e proibia a aquisição de terras devolutas, exceto por compra, numa tentativa de coibir o regime de posse. A lei vigorou até a promulgação da constituição republicana de 1891, que concedia autonomia legislativa aos estados da federação. No tocante às leis agrárias, porém, os estados, exceto por alterações muito superficiais, endossaram os princípios e normas da Lei de Terras.
"A partir da proclamação da república, sucederam-se os decretos que regulamentaram aspectos da propriedade da terra, mas nenhum modificou fundamentalmente a má distribuição da propriedade fundiária no país. O código civil brasileiro, promulgado em 1916, proibiu a legitimação das posses e a revalidação de sesmarias. Aqueles que não tivessem regularizado suas posses até o início da vigência do código só poderiam fazê-lo com base no instituto do usucapião.
2.2.3.4.1.1. Problemas sociais e ação política. "O princípio segundo o qual a posse não garante a propriedade vedou ao trabalhador rural o acesso à terra e propiciou a formação de uma casta de latifundiários que se apossou das áreas rurais brasileiras. Na base da pirâmide social, uma vasta classe de despossuídos foi relegada à mais extrema miséria e teve suas reivindicações reprimidas sistematicamente com violência.
"A mesma legislação, já arcaica e ineficaz no início da colonização, regeu a ocupação do Centro-Oeste e da Amazônia, na segunda metade do século XX. Multiplicaram-se as propriedades de dez mil, cem mil e até um milhão de hectares, em flagrante desobediência à constituição de 1946, que exigia aprovação do Senado para qualquer concessão superior a dez mil hectares. As diferenças sociais se agravaram e estenderam. Depois da constituição das organizações internacionais de direitos humanos, proliferaram as denúncias de exploração do trabalho escravo, grilagem de terras, assassinato de líderes dos trabalhadores rurais e toda sorte de violência.
"Tradicionalmente identificado com o setor mais conservador da cena política brasileira, o latifúndio exerceu sempre poderosa influência sobre as decisões oficiais. Por meio de seus representantes nos órgãos de governo locais e federais, conseguiu manter incólume o regime de propriedade e os privilégios de que desfrutava, sobrevivendo assim à industrialização e às mudanças sociais ocorridas nos meios urbanos.
"O governo do presidente João Goulart propôs, em 1963, a aprovação de um princípio constitucional segundo o qual a terra não poderia ser mantida improdutiva por força do direito de propriedade. Por essa via, se pretendia distribuir pequenos lotes a dez milhões de famílias. Sobreveio então o golpe militar de 1964, que interrompeu a ampla mobilização nacional em favor da reforma agrária.
2.22.3.4.1.2. Estatuto da Terra. "Em 30 de novembro de 1964 o Congresso Nacional aprovou a lei número 4.504, que dispôs sobre o Estatuto da Terra. Em seu artigo primeiro, o estatuto define a reforma agrária como "o conjunto de medidas que visam a promover melhor distribuição da terra, modificando o regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento da produtividade". O parágrafo segundo do mesmo artigo esclarece que "o objetivo dessa política é amparar e orientar, no interesse da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de garantir o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o processo de industrialização do país". Reza, ainda, que o acesso à propriedade territorial será efetivado mediante a distribuição ou a redistribuição de terras, pela execução das seguintes medidas: desapropriação por interesse social mediante prévia indenização em títulos da dívida pública; doação; compra e venda; arrecadação dos bens vagos; reversão à posse do poder público de terras de sua propriedade indevidamente ocupadas e exploradas, a qualquer título, por terceiros; herança ou legado.
"A constituição de 1967 endossou o estatuto ao permitir a desapropriação da propriedade rural com o objetivo de promover a justiça social. O decreto-lei nº 554, de 25 de abril de 1969, regulou o processo especial de desapropriação dos imóveis rurais situados em áreas declaradas prioritárias, ou seja, em zonas críticas ou de tensão social. A base da indenização aprovada foi o valor declarado para efeito de pagamento do imposto territorial rural. A fim de promover e coordenar a implementação do estatuto e decretos complementares, o governo federal criou, em 1970, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que absorveu as atribuições dos órgãos anteriores.
"Em julho de 1985 o governo instituiu o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, para executar o Estatuto da Terra. O Plano Nacional de Reforma Agrária, proposto pelo novo ministério, tinha como principal instrumento a desapropriação e previa o assentamento de sete milhões de trabalhadores, mas enfrentou forte resistência no campo para sua implementação. A partir do fim da década de 1980 intensificaram-se os conflitos no campo e surgiram novos grupos em defesa da reforma agrária. O mais importante deles foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), cuja ação se baseia na ocupação de terras para pressionar o governo a fazer a reforma agrária. Em 1996, o Congresso aprovou duas medidas para facilitar a reforma agrária: o aumento dos percentuais do imposto territorial rural (ITR) para as propriedades improdutivas e o rito sumário, que permite a desapropriação imediata das terras.
2.2.4. O desenvolvimento local. Hoje trabalha-se com a idéia do desenvolvimento local integrado e sustentável (DLIS). Nem o governo, nem os organismos financeiros internacionais estão querendo financiar projetos que não apresentam um retorno concreto, ou seja, um grau de risco pequeno. Durante muitos anos trabalhou-se com a idéia de fundo perdido. Financiava-se a pequena propriedade e não se avaliava os resultados do investimento. Com o DLIS surge uma nova situação em que faz-se necessário comprovar a viabilidade do projeto. Esse desenvolvimento vem sendo controlado por empresas contratadas pelo governo especialmente para auxiliar e orientar os pequenos proprietários na montagem dos projetos.
2.2.5. O meio ambiente. "O ar, a água, os minerais, o solo, as plantas e os animais são essenciais à vida do homem. Como esses recursos não são inesgotáveis, o bem-estar futuro da humanidade depende fundamentalmente de uma atitude positiva voltada para a conservação da natureza."
"Em sentido amplo, entende-se por conservação da natureza ou conservacionismo o esforço centrado em políticas e técnicas que têm por fim preservar na Terra condições propícias à vida e a uma integração maior entre as espécies. Os princípios básicos de conservação da natureza foram enunciados pelos ecologistas, segundo os quais a matéria viva, composta de centenas de milhares de espécies e variedades de animais e plantas, se distribui no planeta segundo uma ordem naturalmente harmoniosa, constituindo comunidades bióticas. Tais comunidades mantêm entre si, nas biocenoses, e com o meio ambiente - ar, água, solo, relevo, energia solar etc. - um profundo equilíbrio, que é a essência que determina e regula, no ecossistema, sua existência em comum."
"Assim, estudados pormenorizadamente cada um dos componentes dos ecossistemas, foram determinados os princípios da conservação dos solos, da flora, da fauna, das águas continentais e marinhas. Ao procurar defender os "recursos naturais", o conservacionista não toma o vocábulo "recursos" no mesmo sentido que o economista, isto é, significando riqueza potencial, mas apenas no de "condições ambientais"."
"Aspectos da degradação. Desde o surgimento da sociedade humana, o homem tornou-se cada vez mais capaz de criar ambientes artificiais, ditos antropogenéticos (as "paisagens culturais" dos geógrafos), e diferenciados em escala crescente à medida que os meios técnicos evoluíam. A rápida transformação do ambiente provocada pelo homem não obedeceu, porém, a leis de conservação da natureza, e sim a leis econômicas. Nessas circunstâncias, quando as primeiras dessas leis são transgredidas, desencadeiam-se processos como degradação ou devastação da flora, extermínio da fauna, erosão ou lixiviação (lavagem de sais do solo) aceleradas, alteração do regime de águas ou do clima, poluição, empobrecimento ou esgotamento dos solos."
"Basta que seja alterado um dos elementos do ecossistema, além de um determinado ponto crítico, variável em cada região natural, para que todo o conjunto venha a se modificar profundamente. Assim, por exemplo, eliminando-se a cobertura florestal numa vasta superfície de relevo acidentado, todo o regime de águas é logo perturbado. A mata exerce, no caso, o papel de uma verdadeira esponja; se desaparece, torna-se muito menor a evaporação da água das chuvas. Não sendo absorvida pelas raízes, a maior parte da água que se infiltra penetra diretamente no solo até o lençol freático."
"Já a água de escoamento superficial aumenta de volume e desce incontrolada pelas vertentes, formando enxurradas. São essas as principais causas da erosão acelerada, que não ocorria antes devido aos obstáculos impostos pela capa de húmus do solo, os troncos das árvores e as raízes expostas. Essa erosão pode ocorrer sem leito definido, ou então em ravinas, chamadas voçorocas no sul do Brasil, formando sulcos profundos nas encostas. É comum que esse processo de ravinamento tenha início num corte de estrada ou de caminho carroçável."
"Em trechos de encostas íngremes, após chuvas prolongadas, são freqüentes os deslizamentos de terra, capazes de arrastar ladeira abaixo árvores, blocos de pedra e eventuais construções. Os rios que percorrem regiões florestais devastadas alteram em pouco tempo sua descarga e tendem a um regime torrencial, em que se alternam inundações e secas. A carga sólida dos cursos fluviais também sofre considerável aumento, razão pela qual ficam obstruídos muitos rios outrora navegáveis."
"Os incêndios nas matas, em qualquer tipo de topografia, mas sobretudo em áreas planas, podem provocar a lixiviação. O calor do fogo dilata as partículas minerais que, após seu esfriamento, aumentam muito o número de fissuras do solo, por onde as águas se infiltrarão, arrastando húmus e minerais solúveis, bem como partículas finas em suspensão. Assim se explica, em zonas de vegetação aberta, a formação de crostas no solo, que podem ser lateríticas ou calcárias, segundo o clima reinante na região."
"A derrubada de matas ou sua destruição pelo fogo causam danos imediatos à fauna, com a extinção de seus refúgios, fontes alimentares e locais de procriação, acarretando profundas alterações na distribuição das populações animais. Em determinadas circunstâncias, aves corredoras e rapaces começam a predominar, por exemplo, sobre espécies arborícolas e voadoras que se alimentam de plantas."
"Impondo-se a mentalidade conservacionista e o conceito da essencialidade de manutenção do equilíbrio, os enfoques de uma nova ciência, a etologia, voltada para o estudo do comportamento animal, levaram a uma visão bem diversa das relações entre o homem e as diferentes espécies que com ele compartilham a existência na Terra."
"O antigo conceito simplista de animais úteis e nocivos teve de ser abandonado, ante a evidência de que, na organicidade de cada ecossistema, todos têm um papel a desempenhar, justificando-se sua conservação e proteção cuidadosa pelas próprias razões que esses papéis indicam. A observação científica dos animais, de seus recursos instintivos e de seus modos de vida, feita com isenção de julgamentos prévios, já ampliou em muito a noção de sua utilidade para os seres humanos."
"Graças ao estudo dos morcegos, os zoólogos abriram caminho para a descoberta do radar, que permite a orientação na neblina ou na escuridão, evitando acidentes. Daí aos sensores remotos foi um passo. Os macacos Rhesus, da Índia, possibilitaram a descoberta do fator sanguíneo Rh, que criou condições para que sejam poupadas centenas de milhares de vidas infantis. Da mesma forma, simples fungos que infestavam lâminas de microscópio conduziram à invenção da penicilina e à produção de toda uma gama de antibióticos - fato tomado como exemplo dos benefícios que paralelamente procedem da observação da vida das plantas."
"Evolução da mentalidade ecológica. O Extremo Oriente teve a primazia da mentalidade conservacionista. Há milhares de anos existem nessa região áreas destinadas a proteger animais, como em Sarnath, na Índia, onde o Buda se inspirava, e na China, onde os mandarins mantinham espécies de particular interesse em pequenos parques".
"Desde o início do século XX, alguns governos, bem como entidades privadas, passaram a reconhecer que a proteção da natureza é assunto de alcance internacional. Certas iniciativas pioneiras já datavam de fins do século XIX. Assim, nos Estados Unidos preservou-se em 1864 o vale do Yosemite e em 1872 foi criado o primeiro parque nacional do país, o de Yellowstone; no Japão implantaram-se em 1868 as áreas verdes de Matsushima, Amanohasidate e Miyajima; no México, instituiu-se em 1898 o parque El Chico. Em 1895 foi criada uma Comissão Internacional para a Proteção das Aves Úteis à Agricultura. Os japoneses, com sua longa tradição de respeito pelas coisas da terra, difundiram a teoria e a prática da arquitetura paisagística, cuja influência se estenderia a todo o mundo entre as duas guerras mundiais."
"Em 1900 realizou-se em Londres a Conferência Internacional de Proteção aos Animais da África. Relevante foi o empenho do naturalista suíço Paul Sarasin, que, desde 1910 até sua morte em 1929, lutou pelo estabelecimento de uma Comissão Internacional de Proteção à Natureza. O movimento protecionista, após organizar-se como Office International pour la Protection de la Nature (Organização Internacional para a Proteção da Natureza; Bruxelas, 1928), ressurgiu como The International Union for Protection of Nature (União Internacional para a Proteção da Natureza; Fontainebleau, 1948) e finalmente se estabilizou como International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais; Edimburgo, 1956)."
"Objetivando o intercâmbio técnico-científico e a difusão dos conhecimentos conservacionistas, promoveram-se diversos congressos, como a Convenção para a Proteção da América, sob os auspícios da União Pan-Americana, em 1940, em Washington, ratificada pelo Brasil em 1965, e a Conferência Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Científicas para o Uso Racional e Conservação dos Recursos da Biosfera, em 1968, em Paris, com a presença de representantes de 62 países e observadores de numerosas entidades."
"O evento de maior amplitude e de repercussão mais profunda, em vista dos problemas de poluição e degradação ambiental que se acumulavam no final do século XX, foi a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1992, teve a adesão de 178 países e contou com a presença de mais de cem chefes de estado. Na Eco-92, como ficou conhecida, foram aprovados documentos de fundamental importância para a conservação da natureza, como a Convenção da Biodiversidade, a Declaração de Princípios das Florestas, a Convenção do Clima e a Agenda 21".
2.2.5.1. "Conservacionismo no Brasil. O primeiro documento a referir-se expressamente à conservação da natureza, no Brasil, foi a carta régia de 13 de março de 1797, que advertia contra o perigo de destruição das matas. Em 1821, José Bonifácio de Andrada e Silva propôs que "em todas as vendas de terras que se fizessem e sesmarias que se dessem, se pusessem a condição de que a sexta parte do terreno nunca haveria de ser derrubada e queimada, sem que se fizessem novas plantações de bosques"."
"Na década de 1860, o barão de Pati do Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, sugeriu em seu livro Memória sobre a fundação e custeio de uma fazenda que os fazendeiros evitassem reduzir a cinza as preciosidades vegetais e que o governo tornasse obrigatório o plantio de "paus de lei" à beira das estradas. Em 1861 fez-se a primeira experiência brasileira de reflorestamento tropical, nas florestas das Paineiras, Silvestre e Tijuca, no Rio de Janeiro".
"Malgrado a criação, em 1937, dos primeiros parques nacionais e, a partir das décadas de 1920 e 1930, de diversos órgãos governamentais que se sucederam no tempo com específicas atribuições conservacionistas, a consciência da necessidade de proteger a natureza só começou a difundir-se entre a população brasileira após as décadas de 1960 e 1970, em sintonia com o que então ocorria no restante do mundo".
"A própria sociedade, mobilizando-se em campanhas ao sentir o impacto da degradação de seus ambientes, começou a agir de forma organizada pela conservação da natureza. Grupos e entidades ecológicas tornaram-se cada vez mais comuns, não raro exercendo pressão sobre as autoridades públicas por decisões mais enérgicas. A luta pela defesa da natureza, ao mesmo tempo, tomou feição crescentemente política, passando a figurar com destaque entre as plataformas partidárias e as metas de novos governantes". (BARSA, 2001:361)
BIBLIOGRAFIA
ABRIL, Almanaque. São Paulo: Abril, 1997.
BARSA, Nova Enciclopédia. Vol. 1. São Paulo: Barsa, 2001.
JOLLIVET, Marcel. A "vocação atual" da sociologia rural in Estudos Sociedade e Agricultura, 11, novembro 1998: 5-25. [online]. Disponível na Internet via WWW. URL: http://www. Arquivo consultado em 02 de maio de 2004.
LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Sociologia geral, 7. ed., São Paulo: Atlas, 1999.
MARCELIB, Renato. Brasil: para compreender a história, 7ª série. São Paulo: Editora do Brasil, 1997.
MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos, 57).
MOURA, Gevilacio Aguiar Coêlho de. Citações e referências a documentos eletrônicos. [online]. Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.quatrocantos.com Última atualização em 01 de janeiro de 2001.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A geografia das lutas no campo. 11.ed.. São Paulo: Contexto, 2002.
PRETI, Oreste. Pesquisa educacional. Cuiabá: UFMT, 1992.
REALE, Miguel. Teoria tridimensional do Direito. 5.ed., São Paulo: Saraiva, 1994.
SOLUÇÕES, Sample. Biografia de Thomas Robert Malthus. [online]. Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.biomania.com.br/biografias. Arquivo consultado em 02 de maio de 2004.
SOUSA, Izaias Resplandes de. Tecnofrutas: o processo de produção e industrialização de Poxoréo, MT. Cuiabá: UFMT, 1999. [online]. Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.poxoreo.cjb.net Arquivo consultado em 02 de maio de 2004.
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 22.ed., São Paulo: Record, 1997.
WOLFO, Eric R.. Sociedades camponesas. 2.ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1976.