Independência
A tônica dos discursos desta semana é a independência do Brasil. Há 186 anos Dom Pedro I realizou o ato político que desencadeou o processo, conclamando todos os brasileiros ao rompimento dos laços que os uniam com Portugal. Foi um ato pacífico, em que pesem as mortes de brasileiros como Tiradentes nos movimentos pró-independência. Não houve uma guerra com Portugal, ainda que as artes plásticas e cênicas tenham dado um colorido dramático para o episódio, destacando o príncipe desembainhando sua espada, fazendo seu cavalo empinar, enquanto gritava a plenos pulmões a célebre frase separatista. Na verdade, o sete de setembro encerra muito mais a emancipação de Dom Pedro de Alcântara do que a independência do Brasil. Passados quase dois séculos daquele marco histórico, ainda há muito por se discutir e refletir sobre a conquista da identidade brasileira, tanto no que se refere ao país, quanto no que diz respeito ao exercício do papel de cidadãos brasileiros.
É de ver que quase todos sonham com a conquista de sua independência, com o dia em que cada um não dependerá de ninguém para sobreviver, quando será dono de seu próprio nariz e fará tudo o que sempre desejou. O sonho atinge a independência financeira, política, social, cultural e religiosa. Dom João VI, como pai, sabia muito bem dessas coisas. Não é por acaso que previu a separação do Brasil e aconselhou o seu filho para que colocasse a coroa em sua própria cabeça, antes que outro aventureiro o fizesse. Todo pai, de bom senso, deseja que seu filho se torne uma pessoa apta para conduzir os seus próprios caminhos, em que pesem muitos destes desejarem continuar vivendo eternamente na mamata paterna. O Brasil seria a herança de Dom Pedro, de um jeito ou de outro, pelo direito hereditário de sucessão. E Portugal também. Tanto é assim que, após abdicar-se do trono brasileiro em favor de seu filho Pedro II, Dom Pedro I foi reconhecido como sucessor de Dom João VI e se tornou Dom Pedro IV, rei de Portugal, reinando de 1826 a 1828. Desse modo, não haveria mal algum em que Dom Pedro tivesse uma antecipação de legítima, como tantos pais fazem para os seus filhos ainda nos dias de hoje, dando-lhes a oportunidade de exercitarem sua capacidade para administrar os seus futuros bens.
Todavia, independência é muito mais do que um ato político, além de jamais ser absoluta. Não basta ter a intenção. Requer uma sucessão quase infinita de atos. É uma eterna conquista. Deve-se lutar por ela durante todos os dias da vida. É muito mais uma arte de se relacionar com o outro, com direito a voz e voto. O independente não é alguém que passa a ditar aos demais a sua vontade. É alguém que é ouvido por eles em função do seu estágio de maturidade. É aquele que, tendo objetivos e metas a serem alcançados, luta diuturnamente para torná-los realidade, articulando e promovendo todas as ações necessárias para que isso aconteça.
Sempre dependeremos de alguém. Aristóteles, depois de analisar mais de uma centena de cidades-estados de seu tempo, concluiu em “A Política”, que “o homem é um animal político e que não consegue viver fora da polis”. Ele depende de outros para nascer, para viver e até para levá-lo a sua campa fria, no fim de sua existência terrena. Independente é a pessoa capaz de promover em proveito próprio as suas articulações de dependência. Veja-se, a propósito, a luta do Brasil para homogeneizar o uso da língua portuguesa.
Apesar da língua brasileira não ser o brasileirês ou o brasiliano – que ficaria muito melhor, inclusive para o gentílico pátrio, já que o habitante do Brasil nunca foi explorador de pau-brasil, para ser chamado de brasileiro –, o português daqui também não é o português de lá. De forma que o nome da língua é apenas um detalhe, em que pese Portugal ganhar a queda de braço nesse sentido. Português é o natural de Portugal e não o natural do Brasil. Todavia, como se dizia, o Brasil vem articulando dar uma cara brasileira para a língua portuguesa do século XXI. Portugal perderá, entre outras coisas, os seus clássicos pês e cês, que o Brasil já abandou há muito tempo. Eles não mais escreverão acção, aflicto, colectivo, director, exacto, baptizar e etc. Terão que suprimir esses cês e pês, adotando a forma brasileira. É dessa forma que se constrói – que hoje tem acento e amanhã não terá mais – a independência. Seremos mais independentes, quanto mais conseguirmos que os outros falem a nossa língua – em todos os sentidos.
Em um âmbito regional, a UPE – União Poxorense de Escritores –, também serve como exemplo de alguém que vem lutando para conquistar a sua independência e o seu espaço na história brasileira. Desde 31 de março de 1988, a entidade vem divulgando o nome desta terra poxoreana para além das fronteiras municipais, através do trabalho de cada um seus notáveis membros, publicados através de livros, revistas e jornais, bem como através da internet. Os upeninos têm usado os prós e os contras para promoverem a arte e a cultura desse torrão de João Ayrenas Teixeira, o responsável histórico pelas descobertas das primeiras pedras diamantíferas que culminaram com o surgimento do município de Poxoréu no oeste brasileiro. Nesse afã, sem buscar o inchaço que muitas vezes somente atrapalha o consenso, a UPE nunca deixou de renovar os seus quadros. Como exemplo disso, acolhe nesse momento, entre suas fileiras de notáveis, o jovem escritor Antônio José Alves Vieira, acreditando no seu potencial e na sua capacidade de fortalecer as lutas upeninas “em defesa da arte e da cultura” poxoreana e brasileira.
Independência é isso. É uma luta constante que vai sendo realizada de geração em geração com vista à construção de um mundo melhor para que se possa crescer e viver com dignidade e em paz com todos.
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Izaias Resplandes de Sousa, professor de Matemática, pedagogo e acadêmico de Direito da UNIC – Primavera do Leste é escritor mato-grossense e sócio-fundador da UPE – União Poxorense de Escritores. E-mail: respland@uol.com.br. Sítio: www.respland.blogspot.com.