Migalhas
Poxoréu já foi um dos grandes municípios mato-grossenses em extensão territorial, tendo possuído mais de 25.000 km2. Hoje conta com menos de um terço da área original, tendo contribuído para a formação de vários dos municípios vizinhos, antes seus Distritos como Mutum, atual Dom Aquino, Rondonópolis, por onde iniciou seu povoamento no início do século passado e Cidade Primavera, atual Primavera do Leste, bem como outros Municípios como Juscimeira que, na discussão dos limites, também abocanhou uma parte das terras poxoreanas, ultrapassando a MT-130, onde, historicamente, nunca lhe pertenceu. Agora, quem quer se separar é o Distrito de Alto Coité.
Discussão vai, discussão vem. Uns são contra, outros a favor. E o processo caminha. Na verdade, o que quase sempre esteve em jogo por detrás das emancipações foram os interesses eleitoreiros desses uns e outros. Os que são a favor são aqueles que esperam papar os votos do lugar; os que são contra são aqueles que temem perder a tal votação que garantiria a sua eleição no distrito sede. Essa é a regra. Mas o quero comentar é o que concretamente impulsiona o povo de um lugar a querer emancipar-se.
É o seguinte. Às vezes com entendimento, às vezes não, o povo dos Distritos extravasa o seu descontentamento com as migalhas que recebe da Administração Municipal.
Normalmente são feitos pouquíssimos investimentos nas sedes distritais, que são distritos apenas no nome. O Distrito deveria ser uma descentralização administrativa do poder, com autonomia relativa para decidir sobre a parcela dos recursos que lhe fosse destinada orçamentariamente. Mas o que ocorre é que nos Orçamentos Municipais, praticamente não constam rubricas em favor dos Distritos e as obras que se realizam ali, via de regra são objeto de projetos de emenda ao Orçamento da União, feitas por parlamentares que abiscoitam os votos daquela região. É assim que funciona a máquina administrativa distrital.
Apesar desse descaso das sedes com seus distritos, eles são partes muito importantes na geração das receitas municipais. É ali que estão concentradas as agropecuárias. E em um país agrário como nosso, o setor primário, com certeza, se destaca mais do que os setores terciário e secundário, que normalmente estão localizados na sede. Assim, quando se trata da geração de receitas para o Município, o Distrito é importante, mas quando se trata de receber sua parcela de recursos, isso é uma outra história, pois o distrito não precisa de nada. Além de existir pouca gente ali, todo o atendimento de que aquelas pessoas necessitam está-lhes sendo oferecido na sede e etc., etc. e etc. E o povo distrital engole essa azeitona com caroço e tudo sem reclamar. Eta, povinho bom, sô!
Mas, finalmente, chega um dia em que essa gente simples do interior do interior do Estado cai na real e descobre que está sendo tratada como galinhas, pombos e cachorrinhos, “que se alimentam das migalhas que caem das mesas de seus senhores” e aí a coisa pega fogo. O povo distrital então não quer nem saber se o nome da mãe é Maria ou se o pai é João; só quer saber mesmo é da sua emancipação.
A esta altura, o Governo Municipal já está pronto para criar a Sub-Prefeitura, a Escola de 2º Grau, urbanizar a praça, etc. e etc. E o que diz o povo? O povo dá um basta e uma banana para as boas intenções dos seus exploradores e então a guerra está declarada. As histórias de que o novo Município não possui condições de existir e de sobreviver vêm logo à tona, embora não se conheça nenhuma história de novo Município que faliu. O mesmo, todavia, não pode ser dito a respeito dos velhos municípios, os quais, mal administrados, acabam perdendo suas vertentes produtivas em virtude do descaso e se tornam economicamente inviáveis.
Se Alto Coité será um novo Município, isso eu não sei. Mas que eles cansaram de ouvir o “isso tudo acontecendo e eu aqui sentado dando milho aos pombos!” do Zé Geraldo, vindo de Poxoréo, lá isso cansaram. Eles não querem mais ser os pombos que se alimentam das migalhas; eles querem ser responsáveis pela produção e distribuição do próprio milho; querem a emancipação, com as bênçãos da velha mãe Poxoréo, que tem se orgulhado e se beneficiado da prosperidade de seus filhos mais velhos já emancipados, e que, com certeza, não será desfavorecida com a independência de seu caçula. Quem viver verá!
Izaias Resplandes de Sousa é pedagogo, gerente de cidades e acadêmico de Matemática da UFMT em Primavera do Leste, MT. E-mail: respland@uol.com.br. Home Page: www.poxoreu.cjb.net .