Reino de Aparências II
Aparencioduto II
Izaias Resplandes
Dando seqüência às observações referentes à forma como as coisas acontecem no Brasil, visando manter um domínio de aparências, apresentadas em Aparencioduto I,prosseguimos com o segundo ponto, onde verificamos o fato de que os órgãos públicos não podem comprar de quem realmente tem o melhor preço, mas sim de quem pretende tirar proveito da burocracia estatal.
As aquisições do Poder Público deveriam ser feitas quando houvesse dinheiro em caixa, vez que não se pode gastar o que não tem. Assim, até mesmo para a obtenção do melhor preço, as aquisições deveriam ser feitas à vista. Comprou, recebeu, pagou. Mas não é assim que soe acontecer.
O comerciante é convidado a participar da licitação, gasta tempo e dinheiro preparando a “papelada” – o nome já não sugere coisa muito boa. Vencendo o pleito, vende para o tal órgão que o convidou, mas não consegue receber de pronto. Às vezes demoram-se anos para receber. E nem o Poder Judiciário consegue dar a merecida segurança jurídica para essas relações. Depois de malograr sucesso na execução de suas sentenças, requer a intervenção do governo estadual – no caso dos Municípios – e do governo federal – no caso dos Estados. Mas dificilmente ocorrem essas intervenções e os pagamentos não acontecem.
Dentro desse esquema de dificuldades, o comerciante sério, de preço justo e de boas intenções só encontra uma saída: não vender para o Poder Público. Assim, o espaço fica livre para os “espertos”, que superfaturam e “não estão nem aí” para a moralidade administrativa. Mesmo porque, a história mostra que o Poder Judiciário somente tem conseguido castigar de fato, a “raia miúda”, vez que os “graúdos” sempre conseguem escapar de suas malhas. Não precisamos citar os exemplos que todos conhecem de mão cheia.
Não conseguindo comprar de quem vende mais barato – talvez por causa da retenção do pagamento que os afastam – só “resta” ao Administrador Público comprar de quem quer vender, mesmo que o preço esteja muito fora da realidade. E tudo fica por isso mesmo. Muito raramente verificamos um confronto de preços por parte dos órgãos de fiscalização. Normalmente isso só acontece como atos de disputas políticas.
O convívio com o regime de aparências – o aparencioduto – é tão natural que causa escândalo quando alguém tem a “cara-de-pau” de dizer a verdade. O Brasil dos “políticos” ficou todo escandalizado quando o ex-ministro dos transportes Anderson Adauto, atual prefeito de Uberaba, MG, disse que usou dinheiro proveniente de caixa dois em todas as onze campanhas que participou. Acreditamos que a pergunta que não quer calar deva ser: “como ele teve a coragem de dizer uma coisa dessas?”
O Brasil das CPIs não está preocupado com a forma de financiamento das campanhas políticas; está preocupado é com o escândalo que as revelações estão provocando e com o fato de que ele poderá enlameá-los também.
Interpretemos agora os fatos. O homem simples que não entende de leis, mas apenas de necessidades, de barriga vazia e de sofrimentos, acha perfeitamente normal que o político financie a sua viagem à terra dos seus pais se ele votar nele. Ele acha maravilhoso poder matar dois coelhos com uma só cajadada: votar e ver os parentes. Ele não sabe que isso é ilegal. Ele também não sabe que estará elegendo um marginal para representá-lo; que o tal político não poderá dizer na prestação de contas à Justiça Eleitoral que gastou xis reais para transportá-lo e que tampouco poderá usar do dinheiro declarado para custear esse serviço social. Mas como esse dinheiro tem que sair de algum lugar, surge então o caixa dois para financiá-lo. Veja-se que é muito simples de entender essa matemática jurídica da ilegalidade.
Mas, voltando à questão das aparências, vemos que há uma luta para mantê-las a qualquer custo, mesmo que seja à custa da cabeça de “nossos amigos” de longa data: Collor, Jefferson, Dirceu, entre outros. Alguém tem que pagar o pato para que os demais possam continuar circulando pelo aparencioduto, enganando e ludibriando a boa-fé daqueles que agem com o coração, por amor à pátria brasileira.
A solução para toda essa pouca vergonha que toma conta de nosso país já está escancarada há muito tempo. Bastaria que a lei não proibisse a “compra de votos”, que permitisse aos administradores comprar o que precisassem (mesmo que não estivesse previsto nos orçamentos) de quem vendesse mais barato, dentre aqueles que estão comercializando livremente por aí, ao invés de se ficar protegendo burocracias que já não têm mais razão de existir. É evidente que seriam necessários mecanismos de controle dos gastos. Nada melhor do que entregar essa missão ao povo, através da criação real e efetiva de Conselhos Comunitários no lugar desses Conselhos também fictícios e que, ou somente existem no papel, ou são compostos em sua grande maioria, salvo exceções, por apadrinhados dos Administradores.
Ao exigir que o homem seja “certinho”, a lei induz ao erro, porque o homem tem a natureza de ocultar as coisas o máximo que puder. E isso não é erro, é questão de segurança. Vejamos o exemplo do referendo sobre a proibição da venda de armas e munições. Muitas pessoas que se posicionaram contra. não eram amantes das armas, mas não desejavam por uma placa em frente à sua casa dizendo que não tinham armas. Ocultar certas verdades é questão de segurança. Até mesmo o Estado oculta. Temos as questões de segurança nacional, o segredo de Justiça e coisas do gênero.
Estabelecer a obrigatoriedade da perfeição é induzimento ao crime, portanto também é ato criminoso (art. 29, CP). A lei deve legitimar as práticas sociais para que sejam exeqüíveis, para que sejam obedecidas espontaneamente.
As leis orçamentárias devem ser abertas, permitindo que os Conselhos comunitários aprovem e autorizem os órgãos públicos de todos os níveis a realizar os atos reivindicados pelas populações administradas por eles. A lei de licitações (Lei 8.666) deve ser alterada para facilitar as aquisições locais, mesmo que sejam feitas no mercado informal, haja vista que, se esse mercado está em funcionamento, se tem endereço, proprietários e se é admitido que negociem com outros, porque não poderiam negociar também com o Poder Público? Que hipocrisia legal é essa?
A lei deve facilitar a vida das pessoas e não dificultar. Deve promover a convivência e impedir que grupos minoritários sejam beneficiados. Se for de beneficiar, que se beneficie a maioria. E a maioria está no mercado informal, principalmente porque ninguém agüenta mais arcar com essa carga tributária que pesa sobre os brasileiros, impedindo-os de exercer suas liberdades fundamentais, inclusive a da livre iniciativa preconizada no art. 1º, inciso IV da Constituição Federal.
O homem é livre. A liberdade é o maior dos dons depois da vida digna. Cerceá-la, isso sim é ato criminoso. As pessoas devem ser estimuladas a agir com liberdade responsável e não com hipocrisia de aparências. Precisamos de uma realidade de fato e não de uma realidade putativa.
Embora estejamos no país do carnaval é hora de deixarmos as máscaras de lado e partirmos para a busca de verdadeiras soluções para o câncer que o aparencioduto brasileiro tenta encobrir. “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” . Viva a verdade! Viva a liberdade! Viva! Viva! Viva!