A vida, a saúde, a falência do SUS e a biopolítica

Apesar da Constituição Federal, em seu artigo 196, expressar que a saúde é um direito de todos e que cabe ao Estado promovê-la, o que se ouve, quase sempre, é que, pelos rincões do Brasil e mesmo nas grandes cidades, a população padece de um serviço de saúde de qualidade e que atenda de forma satisfatória qualquer cidadão que dela necessite.

Os cuidados com a saúde é, sem dúvida, um serviço essencial, o qual ficou a cargo do SUS (Sistema Único de Saúde) que foi criado após a promulgação da Constituição de 1988. A concepção desse sistema de saúde foi inspirada no Nacional Health Service, do Reino Unido, e tornou-se referência para outras nações que desejavam elaborar um projeto de saúde pública que atendesse a população de seus territórios.

Diante desse fato, ou seja, do SUS ser um serviço público que demonstra ser, ao menos no papel, um avanço na forma de cuidar da saúde de um povo, por que há muitas pessoas com dificuldades para encontrar tratamento na rede? Por que muitos não obtém, em tempo hábil, as condições necessárias para tratamento de algumas enfermidades?

Para elucidar isso, precisa-se compreender, primeiro, que há um equívoco de que o SUS é totalmente ineficiente. Basta observar que durante campanhas de vacinação o Brasil obtém grande êxito ao conseguir cobrir quase toda a população no combate a alguma doença como, por exemplo, a poliomielite que foi erradicado no país, tendo o último caso registrado no ano de 1989. Outro fato, é que há vários institutos de saúde, tais como o Butantã, que fazem pesquisas importantes na luta para encontrar medicações e vacinas para combater inúmeras doenças.

Logo se vê que o Estado brasileiro consegue ser, sim, eficaz como gestor da saúde. Entretanto, continuando a responder os questionamentos anteriores sobre o porquê da população ainda sofrer com a falta de leitos nos hospitais, demora em agendar consultas com especialistas em áreas que exigem urgência ou mesmo prevenção, talvez a melhor resposta seria refletir sobre a possibilidade de uma política da vida, ou melhor, do controle da vida pela via política, na qual se decide quem deva viver para atender aos interesses de uma sociedade, regida pelo mercado e que desta maneira requer corpos sadios para que continuem a produzir riquezas. Para fazer tal análise, deve-se recorrer a Foucault que desenvolveu o conceito de biopoder, mas que, infelizmente, não será possível, neste texto, aprofundar-se em tal conceito. Porém, essa breve definição nos dá uma ideia do que é a existência de um sistema que pode conceder o direito à vida de pessoas que atendam a uma necessidade imposta pelo capitalismo, numa sociedade formada por valores como o individualismo e a competividade. Seria possível recorrer a Darwin para explicar no campo da biopolítica que um Estado, agindo pelas elites, não precisa fabricar instrumentos higienistas para matar uma população? Ou será que, infelizmente, a teoria da evolução por meio da seleção natural, por ter sido interpretada de forma errônea (ou proposital) por Thomas Huxley, cria uma ética da morte para justificar o extermínio daqueles que são indesejáveis para certos setores da sociedade? Indo por esse lado, bom seria invocar o anarquista Kropotkin, que apesar de também ser um evolucionista, discordava de que a competição é o que garante a sobrevivência do mais apto. Para ele, no processo evolutivo, tem de ser levada em consideração uma variável: a solidariedade.

Neste sentido, em meio ao caos que mundo e, especificamente, o Brasil, vive quanto a crise sanitária, é preciso que os governos atuem como defensores da vida, “fazer viver”, e para isso é necessário abrir mão de ideologias que incentivam (na maioria das vezes, velado) o extermínio do outro, e que prevaleça um espírito de colaboração entre as pessoas. Mais que nunca o pensamento kroptkiniano tem de prevalecer: ser solidário deve ser a palavra de ordem. A saúde pública precisa deste pensamento, caso queira ser uma sociedade saudável não para suprir necessidade do capital, mas para simplesmente agir em nome do direito à vida.