Violência x Conciliação (Cordialidade?)

No feudalismo, segundo a historiadora Silvia Federici em seu livro Calibã e a Bruxa

descreve uma época que existiam os chamados feudos onde o senhor feudal tinha muito

poder sobre o povo pobre e era proprietário de grandes extensões de terra. Em acordo com

pequenos produtores (colonos) partilhavam do produto do cultivo em suas terras. Não era

uma convivência pacífica, os senhores feudais não usavam da justiça nessas relações com

os colonos, inclusive exigiam pagamentos fora do combinado, bem como, consideravam a

família e o colono propriedade sua.

Nessas imensas propriedades, existiam “terras comunais” onde esses colonos se

encontravam e conviviam em comunidade, conversavam, se conheciam e se uniam e

formavam outros núcleos familiares, trocavam informações apreendidas e repassadas por

várias gerações. Nessas terras podiam caçar, tirar a madeira necessária para a construção

de moradas, criar pequenos animais para sua subsistência, e os maiores eram

compartilhados por todos para o trabalho(carga) e fornecimento de carne e couro em

algumas situações. Eram várias famílias nas terras de diferentes feudos. Povos

espalhados pelo o que é hoje a Europa. O que não impedia que guerreassem entre si.

Tudo era manufaturado dentro dos próprios feudos. Ricos e poderosos, os senhores

feudais mantinham o povo miserável, o que facilitava a dominação e uma mão de obra

baseada na servidão. Essa situação se manteve por séculos até que surgiu um movimento

que pregava o poder associado à terra. Começa então a acumulação de terras. O parente

muito distante do que pode ser hoje o capitalismo.

As terras começaram a ser cercadas pelos senhores feudais e com esse movimento,

ampliaram seus domínios e expulsaram os colonos, que formaram contingentes enormes

de miseráveis e famintos que perambulavam pelas estradas. Desponta, assim os

indesejados (pobres, sujos, feios) estes despertavam asco nos que conseguiram manter

suas terras lutando contra os senhores. "Os condenados da terra “, como Frantz Fanon

afirma.Fiz esse preâmbulo para introduzir meu pensamento sobre Violência e Conciliação.

Durante alguns períodos a conciliação é buscada e ambos segmentos fazem um

movimento de ceder em alguns pontos para que haja o entendimento. Os senhores feudais

perceberam que seria uma forma de manter protegida suas terras se elas fossem

povoadas. Os pobres teriam onde ficar e tirar seu sustento. Logo em seguida, um

movimento de expulsão dos colonos poderia ser encarado como uma violência. Que não

aconteceu sem resistência.

A história brasileira sempre alternou movimentos de conciliação e violência. o que

faz que não tenhamos confiança em algumas instituições. Um movimento “pendular” que

segue “humores” dos que realmente são o poder no país, elites e classe média e quem

mais tiver muita representatividade.(1) A estrutura da democracia brasileira é

“insuficientemente institucionalizada” e alterna “momentos de otimismo com momentos de

pessimismo de acordo com uma certa capacidade da elite brasileira de surfar, junto com a

classe média e outros setores, durante momentos democráticos”, o que a torna “pendular”.

Leonardo Avritzer

Instituições como as militares e o judiciário, têm, em determinados movimentos,

atitudes que nos fazem questionar se estão cumprindo sua missão constitucional ou se, se

movimentam para agradar determinados atores da vida nacional. Os direitos, que todosportamos, são relativos ao poder do portador. Se não tiver poder, os direitos podem ser

sonegados. Temos no atual governo, claros sinais de não apreço à democracia e seus

preceitos de liberdade. Segundo o autor de: “ O Pêndulo da Democracia", Ed. Todavia,

2019. os militares e o judiciário conferem, com suas ações, esses movimentos que reduzem

a credibilidade da população nas instituições. Um general, que em sua fala influi na decisão

do Supremo Tribunal Federal, deixa o cidadão comum, perdendo a certeza que será feita

justiça em uma sentença sua. Se for pobre, nem buscará a justiça.

Por outro lado, a suspensão do Auxílio Emergencial durante a pandemia, tem

requintes de crueldade e fará grande parte das famílias passarem fome. Em todas situações

citadas, chamarei de violência deliberada. A fome é um forte motivador de violência e os

atores acima citados, a elite e classe média, clamarão pelo braço armado do Estado, como

um roteiro a ser seguido.

Mas houve conciliação, há 20 anos atrás, um pouco, há 10 anos atrás e nenhuma há

5 anos na reeleição de Dilma Rousseff o presidencialismo de coalizão já não agradava aos

interesses de um lado e do outro. A política ficou cada vez mais deslegitimada, por políticos

que passaram a exibir na fronte um preço. As convicções pendiam para o lado que pagasse

mais, com poucas exceções. Destruíram a credibilidade do político, que com as sucessivas

mudanças de sigla ou de partidos, não empunhavam bandeiras de lutas que os legitimam e

os identificavam. Somente a esquerda ao final, mantinha suas posições ao lado das lutas

sociais.

Mesmo a esquerda, depois de derrotas ainda tenta se organizar e se adaptar ao

novo cenário político e ao novo eleitor mais descrente e de certa forma menos tentado à

conciliações. Violência/Autoritarismo x Conciliação/Democracia são faces de moedas que

conviveram nestes 200 anos da Independência, segundo Rafael de Souza em sua resenha

do livro “O Pêndulo da Democracia” de Leonardo Avritzer, constatou “...elementos

autocráticos e democráticos coexistem lado a lado na nossa institucionalidade…”(2)

Na verdade, no início deste texto mostro a coexistência dessa situação

(Violência/Autoritarismo x Conciliação/Democracia) ao longo da história. Esses elementos

forjaram a história até os nossos dias, talvez com “nomes” diferentes dos que conhecemos,

mas em sua essência estão as desigualdades e a luta pela vida dos menos afortunados.

Porém, especificamente no Brasil, essa relação nunca foi de cordialidade. Trata-se de uma

luta de corpo a corpo sendo que um dos contendores tem arma na mão, sabe manejar e

usar sem pestanejar e o outro, desarmado, usa da ginga ancestral, do punho fechado que

reúne forças e da criatividade de quem engana a fome a vida inteira. Vamos levantar mais

uma vez!