Ser brasileiro não é vergonha, ter brasileiro sem-vergonha é que não dá

Havia decidido não escrever opiniões pessoais sobre política e comportamento social neste espaço. Mas tem hora que não é possível manter certas posturas, especialmente a de ficar quieto com medo do que outros possam pensar e o que podem dizer. Já basta, na vida cotidiana, sentar em frente à TV ou se dedicar às redes sociais lendo um amontoado de opiniões de pseudointelectuais, alimentados pela sabedoria de gurus da mais baixa estirpe que esse país já teve, que, por sua vez, influenciam um bando de descolarizados que dormiram nas aulas de História e Geografia e que acreditam que Sociologia e Filosofia são conhecimentos sem utilidades, com o objetivo de fazer lavagem cerebral nos jovens para que se convertam ao diabólico sistema socialista-gayzista-feminista do povo mimimi.

É impressionante a quantidade de discursos equivocados que tenho lido e ouvido nos últimos anos, nos quais não há uma tentativa sequer de provocar no indivíduo o desejo de aprender por si, ou, utilizando um termo de Kant, a busca pelo "esclarecimento", que segundo o próprio é a definição de "a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu

entendimento sem a direção de outro indivíduo." (KANT, Imamnuel. Resposta a pergunta: Que é esclarecimento?). Aqui, percebe-se que muito mais que adquirir um profundo conhecimento, é necessário fazê-lo com uma certa autonomia - que , infelizmente, leva-nos a crer que há uma certa preguiça em pensar, e é melhor deixar que outros pensem por nós.

Eis a tragédia: apesar de ter o ser humano a capacidade de pensar, numa era em que a terceirização de serviços é o discurso das elites para precarizar mais ainda o serviço público, tudo indica que muita gente há muito tempo resolveu que a reflexão de ideias deveria ser terceirizada. Não há no campo político, cultural e até mesmo filosófico aquela referência (famosa) que incentive as pessoas a analisarem o mundo em torno delas. Ao contrário, vê-se é alguém indicando o autor tal que diz como não ser um "idiota útil", um outro que ensina o que é ser um povo ético, e por aí vai. Em vez de intelectuais, temos estrelas que, no alto de suas vaidades, nos induzem a acreditar, mesmo que sem querer, que eles são os portadores da luz, aqueles que nos indicam o caminho a percorrer.

Enfim, haja paciência para suportar viver num país onde todos se preocupam com a educação, querem ajudar a melhorar a educação, mas não ouvem quem é de fato da educação. É mais fácil dar ouvidos a um médico, um advogado, um engenheiro, um humorista, um astrólogo, com seus projetos para o ensino no Brasil... mas jamais se dirigem a professores ou especialistas (de verdade) da educação.

Ser brasileiro não é vergonha, ter brasileiro sem-vergonha é que não dá.