Sejamos todos o que quisermos...

Quando terminei de ler Sejamos todos feministas, autoria de Chimamanda Ngozi, entendi que a questão do empoderamento feminino e negro vai muito além das questões rasas que, por vezes, lhes atribuímos. Por ingenuidade ou ignorância, achamos que tudo se resolve com o levantamento de bandeiras, criação de caricaturas ou simples mudanças no modo de vestir-se e comportar-se. Obvio, essas pequenas revoluções são parte de uma teia muito maior e não deixam de ser válidas, basta lembrar de alguns exemplos históricos por ai afora que, com simples gestos e atitudes, deram o ponta pé inicial para grandes mudanças. Todavia, não é apenas isso. Quando fiz parte de um projeto voltado para o ensino da cultura e literatura afro brasileira na faculdade, me vi diante de discussões tais quais: alisar ou não o cabelo, vestir ou não branco na sexta feira, usar ou não roupas com motivos africanos, colocar ou não um torço, namorar ou não com um branco...tudo tão superficial. Não sei, posso estar completamente errada e posso até ser criticada por isso, mas, na minha humilde opinião, empoderamento vai muito além disso. Melhor, empoderamento não é só isso! Para começar, usar black não me fará mais negra, apenas criará uma caricatura para mim. Estarei usando black simplesmente por ser um estilo de cabelo comum entre os negros. Ok! Nada contra quem usa e pensa assim, mas eu prefiro meu cabelo alisado porque, esteticamente, ao menos para mim, é mais bonito. Eu gosto de me ver no espelho com meu cabelo alisado, é assim que me sinto bem. Porque empoderar-se é sentir-se bem, também. É ser dono da sua própria história e poder fazer as suas próprias escolhas. É ser ou não ser porque você quer, não porque acham que é mais certo assim ou porque isso vai agradar alguém. Tenho um orgulho enorme das minhas origens, sou negra sim! Mas quero alisar o meu cabelo e isso, de modo algum, anula minha ancestralidade. Eu tenho o direito de namorar quem eu quiser, seja ele colorido, verde, preto ou branco. E uso branco na sexta feira se eu achar que devo e se, claro, eu estiver com vontade de prestar homenagem ao orixá do dia. Aliás, tive uma discussão homérica justamente por causa dessa questão. Alguém, na época ocupando um cargo acima do meu, decidiu exigir que todos usassem branco na sexta feira. Quando contestei o motivo, respondeu simplesmente que gostaria que fosse assim. Sei, claro, que há um motivo religioso por trás da exigência, mas não estava disposta a aceitar calada. Simplesmente disse que não compartilhava de sua crença e, por isso, não iria vestir branco coisíssima alguma. Não vesti mesmo! Ah, se poupe e nos poupe disso, gente. O seus direitos terminam exatamente no ponto em que os meus começam. Sou agnóstica, então exijo que meu direito de não ter crença alguma seja respeitado assim como respeito o direito dela de ter a sua crença. Sim, sou uma negra agnóstica. Sim, sou baiana, mas odeio carnaval. Também não sei sambar e não frequento um dos milhares de terreiros de candomblé que existem em Salvador. Ah, também não gosto de Jorge Amado. Isso me faz menos baiana?? Nem um pouco! Agora, chegando a questão do feminismo, tema polêmico. Fico cá do meu canto observando as feministas do século XXI. Obviamente desconhecedoras do âmago da luta e ainda presas aos discursos rasos que tratam o feminismo como uma simples bandeira de ódio contra os homens. Olha, sou feminista, mas nada tenho contra os rapazes. Certa vez vi uma escritora que se propunha a ser feminista falando sobre como as mulheres feministas deveriam se comportar diante dos homens e como deveriam se vestir. Gente...é sério? Eu me visto como eu quiser e me porto diante dos homens como eu achar que devo. Isso não tem nada a ver com feminismo....sou a favor do que diz Chimamanda, devemos mesmo é educar as nossas meninas para não ouvirem caladas e não se acostumar com o posto e, educar nossos meninos para respeitar as mulheres, para não se apropriar delas. É esse o “x” da questão, educação. Quando a gente aprender que tudo está diretamente ligado a essa palavrinha, as coisas mudam, viu? Ahh, se mudam! A própria Chimamanda é prova disso. Nasceu na Nigéria, um país fortemente marcado pelo patriarcalismo, em que as mulheres ainda são tratadas como acessórios, mas eis que, por meio da educação, ela notou que não precisava ser assim. Então é isso...temos que desconstruir nossos discursos prontos, nossos estereótipos, desfazer nossas caricaturas do que é ser negro e feminista e entender, de uma vez por todas, que ser você mesmo é o mais importante. Respeitando o outro, suas particularidades, suas escolhas e dilemas. Quando cada um respeitar o quadrado do outro, conseguiremos conviver harmonicamente sem a necessidade de estar sempre repetindo as mesmas palavras.

Raizes
Enviado por Raizes em 28/02/2017
Código do texto: T5926844
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