Trabalhar sem receber?

TRABALHAR SEM RECEBER?
Miguel Carqueija


“O salário deve ser suficiente ao sustento de quem trabalha e da família a seu cargo.”
(Leão XIII, “Rerum Novarum”)


Uma parte da grave crise institucional por que passa o país está num fenômeno que além de já ser crônico (os minguados salários dos servidores públicos) agora evolui para algo que está virando moda: ficar sem receber, ou receber em conta-gotas, além da falta de reajuste por anos seguidos.
Aqui no Rio ainda querem dar solução à falta de caixa do governo, penalizando ainda mais, com impostos extorsivos, os funcionários estaduais. O Sr. Pezão, ao que parece, nem pensa em renúncia, mas recebe em dia o seu elevado salário. Ele, Dornelles, e os deputados para quem crise não existe.
No Espírito Santo outro governador, Paulo Hartung, arrogante como costumam ser os nossos governadores e ex-governadores (só o Sérgio Cabral deve estar menos arrogante agora), e demais autoridades ameaçam os policiais grevistas com as penas do inferno, sem nem parar para pensar que, com tudo isso, os sofrimentos já enormes desses profissionais e suas famílias (que incluem crianças e pessoas idosas) irão se agravar mais ainda. Já se fala em enquadrá-los como amotinados, podendo até pegar vinte anos de prisão. Mas enquanto isso os bandidos ficam impunes? Expulsar centenas ou milhares de policiais, sem poder substituí-los de imediato, vai resolver a situação? Essas “autoridades” já ficaram sete anos sem receber reajuste??? Como disse o Gary Burton em seu excelente artigo ontem publicado no RL, “Jornalismo em terra de cego”, “Não teria custado menos acertar o salário da PM ao invés de chamar o EB?” Sim, além do mais a paralisação da cidade, os roubos, saques e assassinatos, já custaram muito mais que o justo reajuste da PM e não me venham falar que não há dinheiro! Aliás, cadê os deputados da Alesp, dos quais NEM SE HOUVE FALAR NO MEIO DESTA CRISE? Como é que eles estão vivendo com a capital paralisada de terror, as lojas fechadas? De alguma forma devem estar vivendo e bem, pois não fazem ouvir sua voz.
É muito fácil dizer, do alto da arrogância do Estado, que serviços essenciais não admitem greve, que a Lei proíbe policiais militares de entrarem em greve, que eles têm o direito de negociar mas não podem deixar de trabalhar. Só que essas negociações se arrastam pelos anos afora — é assim que as coisas funcionam no Brasil — e nada resulta. A mídia, tão omissa e tão capciosa em nossos dias (onde estão os grandes jornalistas de antigamente, tipo um Davi Nasser?) ainda por cima tenta ridicularizar o movimento da PM capixaba por causa dos bloqueios das mulheres — mas ninguém explica se é fácil para policiais meterem o cassetete nas suas esposas, filhas, irmãs e mães.
Sim, eu entendo perfeitamente que existem serviços essenciais (ainda mais em se tratando da segurança pública) que não podem parar. Com tudo isso, como minha saudosa mãe costumava dizer um ditado hoje esquecido, “Há causas que podem mais que a lei”, vale a pena perguntar:
Se a Lei, e até a Constituição, proíbe terminantemente tal greve...
Quer isso dizer que os servidores das áreas essenciais são obrigados a trabalhar mesmo sem receber?
Ou recebendo em miseráveis parcelas e com atraso, salários já minguados — o que não impede a geral inadimplência de tais servidores?
Ou ficando sem reajuste por anos a fio, enquanto os preços sobem diariamente e as autoridades zangadas recebem em dia, na íntegra e valores elevados?
Mas o que querem, se os servidores (não só policiais e não só no Espírito Santo, o problema é generalizado no país e atinge profundamente, por exemplo, os professores) nem dinheiro de passagem têm direito, ou roupa, ou estão sendo despejados por falta de quitação do aluguel...
Se o policial está há três dias sem comer, assim mesmo vai ter que sair à rua para enfrentar bandidos? O que vocês estão querendo? Uma polícia de faquires?
Não sei se o caso especifico dos três dias sem comer já acontece, mas é para isso que se caminha.
E nunca é demais recordar que o povo brasileiro foi desarmado pelo PT e está cada vez mais indefeso.

Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2017.