O PRECONCEITO SOCIAL VIVIDO PELA MULHER E A INVISIBILIDADE PELA QUAL PASSAM AS SKATISTAS DA CIDADE DE MANAUS.

Toda vez que se ouve falar de skate, ou de outros esportes que representem certo perigo ou sejam considerados agressivos, pensa-se quase que diretamente na figura masculina executando tal atividade. A figura masculina representa, no contexto social, símbolo de virilidade, força, resistência, agilidade, agressividade. Paralelamente, a figura feminina é representada como sinônimo de delicadeza, elasticidade, elegância, graça. E por muito tempo esses gêneros foram inseridos em posições totalmente opostas em distintíssimos papéis sociais.

A figura da mulher foi, por muito tempo, submetida pela figura do patriarcado. Diminuída, foi constantemente impedida de trabalhar, votar, e realizar tarefas que até então eram consideradas genuinamente masculinas. Bloqueadas de exercer papel de cidadãs, essas mulheres se submetiam a serem sustentadas e servirem quase que exclusivamente a trabalhos domésticos e à criação dos filhos. No fim do século XIX, no entanto, as mulheres começam a ganhar força e voz nas lutas sociais pelos seus direitos. Isso, contudo, não reduz como deveria a relação de poder dominante da figura masculina, e da consequente diminuição e invisibilidade da figura feminina.

Michel de Certeau diz que “[…] toda a pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-econômico, político e cultural e está submetido a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma particularidade” (GOELLNER, 2010, p. 294 apud DE CERTEAU, 1982, p. 66). Isso nos permite reforçar o conceito de que a figura do homem foi e ainda é vista como superior a da figura feminina, porque advém de uma construção histórica de exclusão ainda muito enraizada na cultura moderna.

Para entendermos essa relação de domínio da figura masculina em relação à figura feminina, falaremos brevemente do ponto de vista da perspectiva pós-estruturalista de Michel Foucault, com foco nas relações de poder e por distinções de gêneros, que produz sujeitos muito diferenciados em questão de visibilidade e posição social, para compreender como se dá o processo de empoderamento das skatistas amazonenses da cidade de Manaus.

Já que em toda e qualquer sociedade existem relações claras de poder, o poder, antes de ser algo que se possua, é algo que se aplica diariamente através de atitudes e discursos.

“O discurso [...] aparece como um bem – finito, limitado, desejável, útil – que tem suas regras de aparecimento e também suas condições de apropriação e de utilização; um bem que coloca, por conseguinte, desde sua existência (e não simplesmente em suas “aplicações práticas”), a questão do poder; um bem que é, por natureza, o objeto de uma luta, e de uma luta política”. (FOUCAULT, 2005, p. 136-137).

Posto isso, compreendemos que ao existir relações de poder – seja em qualquer nível e condição social vivida – automaticamente se engrena o fenômeno das lutas sociais. Isso consiste no enfretamento por uma causa. Na não-aceitação de ser submetido, diminuído ou excluído. A luta por uma imerssão social justa, em que o discurso seja pautado na igualdade, já que todos, a princípio, tem direitos iguais como cidadãos.

É nesse enfrentamento de luta social que estão inseridas as skatistas da cidade de Manaus, conhecidas também como “Flores do Concreto”. Essas mulheres que vão da faixa etária de 20 à 30 anos, descobriram no skate mais que um esporte, mas um “estilo de vida”. Para a socióloga Juliana de Nazaré Gomes Sarmento “o estilo de vida do skatista molda-se através das relações sociais e culturais construídas em volta da prática.” (SARMENTO, 2015)

Significa dizer que o ato de praticar o skate vai além do esporte, pois diz respeito também às diversas formações sociológicas pela qual o indivíduo passa, e edifica a estrutura psicológica e comunicacional e de inserção a grupos, das pessoas que se inserem nesse contexto.

Para as “flores do concreto” não é diferente. Essas meninas dividem entre si um interesse muito em comum e para alguns “incomum”, principalmente para os praticantes de skate do gênero masculino. Para esses homens, as mulheres skatistas são logo identificadas como frágeis demais ou incapazes para desempenhar um esporte tão “arriscado para mulheres”.

Esse discurso dos skatistas é considerado como um empoderamento de gênero “machista”, haja vista que atualmente no mercado há inúmeros aparelhos que minimizam e até excluem danos causados por acidentes em cima do skate. E que, somado a isso, qualquer ser, independente de gênero, está passivo a machucar-se, e isso é uma escolha pessoal. Esse discurso se projeta através de pessoas que estão bem posicionadas no discurso de dominação do poder com o intuito de tornar as mulheres cada vez mais invisíveis.

As meninas, no entanto, não se abalam com essas críticas, e seguem ignorando qualquer tipo de preconceito sem fundamento - e olha que preconceito sem fundamento parece pleonasmo até. E é nessa atitude de não se importar e seguir em frente que sua luta por empoderamento se afirma. Segundo Guacira Louro “o outro sobre o qual a relação de poder é exercido, é um outro que se mantém, até o final, como um sujeito de ação, o outro responde, reage, contesta, aceita, etc.” (GOELLNER, 2010, p. 296 apud LOURO, 2002, p. 17).

As mulheres que são a razão desse estudo, as “Flores do Concreto” são sujeitas de ação, e diríamos que de muita atitude. Pois “[…] borram as fronteiras dos discursos que historicamente instituíam limites à sua participação nesses espaços culturalmente dominados pelos homens. E ao fazê-lo se constroem como sujeitos dessas modalidades, a despeito daquilo que sobre elas é dito ou silenciado.” (GOELLNER, Silvana 2010, p. 296)

São mulheres que se empoderam diariamente através de suas atitudes e de seus discursos, que compartilham mutuamente um estilo de vida, um modo de pensar, gostos em comum, habilidades parecidas, e que principalmente formam uma voz social que age na anulação do preconceito à mulher. E através disso ganharam o respeito de muitos homens que praticam o skate, e o tem também como um “estilo de vida”.

“Pensar nessas questões, tencionar a centralidade masculina no campo esportivo, desenvolver estratégias de ampliação da participação feminina nos vários setores esportivos e assumir que o esporte se constitui num importante campo de visibilidade para as mulheres […]. Afinal, esse olhar permite identificar que o esporte é um território generificado “não porque [é] generificado em sua essência, mas porque são construções culturais às quais se agregam discursos, valores e práticas que acabam marcando nos corpos representações de feminilidades e masculinidades” (GOELLNER, 2010, p. 299 apud FIGUEIRA, 2008, p. 223).

E é indo contra a corrente e contra todos os preconceitos que as mulheres do século XXI estão passando por um intenso empoderamento quanto ao seu papel social, questionando imposições de todos os gêneros de opressão. Hoje a mulher quer saber cada vez menos como vão achá-la bonita. Ela quer saber como ela mesma se acha bonita, e pronto. Hoje ser um padrão de revista se torna cada vez mais sinal de futilidade e superficialidade. E por que será? As mulheres não deixam mais que digam a elas como devem agir, ser, pensar, vestir ou se comportar. Antes, achava-se que já se nascia mulher. Ledo engano. “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (BEAUVOIR, 2009. p. 102.) e o tornar-se mulher é construir-se por dentro e por fora, projetando-se a atuando seu papel de empoderamento social.

Marla Freire
Enviado por Marla Freire em 24/10/2015
Reeditado em 19/06/2016
Código do texto: T5426030
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