LABUTA ESCRAVA EM SALVADOR NOS SÉCULOS XVIII E XIV.

COSTA, Cleane Medeiros

RESUMO: Este artigo discute as labutas corriqueiras realizadas pela população negra dentre escravos e libertos em Salvador por volta do fim do século XVIII e parte do XIX, abordando brevemente formas de trabalhos, as condições precárias em que esta população vivia e o envolvimento da mesma em movimentos coletivos na busca por melhores condições de vida. Buscarei também indicar alguns caminhos traçados pelos negros na tentativa de se afirmarem como pessoas livres.

PALAVRAS-CHAVES: Trabalho escravo; Trabalho de ganho; Trabalho de aluguel; conflito; liberdade.

INTRODUÇÃO

É sabido que a cidade de Salvador, foi a segunda maior e mais importante para o império, perdendo apenas para o Rio de Janeiro. O século XIX foi uma época de intenso movimento decorrido do comércio internacional que ebulia o porto, que era frequentado por centenas de embarcações que transportavam mercadorias, entre estas, açúcar e escravos africanos que “alimentava o poder e a prosperidade dos senhores de engenho” (FRAGA,1996).

Neste contexto histórico é facilmente percebida uma hierarquia social bem definida. Como sempre foi comum na história humana, a riqueza esteve concentrada nas mãos de poucos e neste período não foi diferente. A imensa maioria dos pobres havia sido escrava, ou era descendentes desta, a qual, quase sempre era obrigada a viver de trabalhos casuais como o comercio ambulante. Vale ressaltar que muitos libertos passaram a viver também da mendicância. Nessa época, mais de 30% da população era escrava, e sobre estes pesava a maior parte da produção das riquezas da província.

Após discorrer um pouco sobre suas labutas cotidianas, serão aqui brevemente explanados alguns fatores que ocorriam no período que direta ou indiretamente contribuíram para acarretar a abolição e finalmente apontarei algumas problemáticas vigentes na busca dos escravos por um alargamento nos campos da sobrevivência.

TRABALHO ESCRAVO, TRABALHO DE GANHO E TRABALHO DE ALUGUEL

No século XIX, os escravos e os libertos exerciam trabalhos tanto no meio urbano quanto no meio rural, neste primeiro eles realizavam diversos tipos de atividades “Entre os domésticos, por exemplo, contavam-se mucamas, lavadeiras, engomadeiras, costureiras, amas de leite, pagens, copeiros, e cozinheiros de ambos os sexos que formavam a legião de trabalhadores que serviam as famílias abastadas”(LUZ, Maria Cristina).

É notável em diversos trabalhos sobre esse tema, a descrição de inúmeras funções dadas à estes trabalhadores escravos ou não, inclusive, profissões aprendidas com seus donos, o que indica que alguns destes eram dotados de habilidades rentáveis.

Os ganhadores também podem ser caracterizados como multifuncionais, estes ficavam mais comumente nos centros urbanos à oferecerem seus serviços. Uma das diferenças do escravo de ganho para o escravo comum, é o fato de haver entre este e seu senhor um acordo de acerto de contas. Era acordado uma quantia à ser paga ao senhor, proveniente dos trabalhos realizados. Com isto, esse trabalhador tinha uma liberdade de movimento que lhe oportunizava ganhos extras. Talvez possamos arriscar deduzir aqui, um esforço maior por parte desse tipo de escravo, para conseguir pagar o valor acordado com o senhor e ultrapassa-lo, possibilitando a compra de sua alforria.

Haviam também os trabalhadores de aluguel, neste caso, os seus donos os- alugavam à outrem com fins unicamente lucrativos. Com o surgimento da imprensa, esta prática ficou muito comum. Eram veiculados anúncios feitos por senhores de escravos, disponibilizando mão-de-obra. Também acontecia de um ex escravo anunciar auto alugando-se.

Podemos analisar este contexto, percebendo a possibilidade de podermos pensar esta prática “como um dos indicadores de mudança do sistema escravista e dos primeiros sinais de transição para um trabalho assalariado.”(idem)

Também é preciso ressaltar aqui, mesmo que superficialmente a grande presença de mulheres nas ruas à labourarem, é essencial mostrar que muitas destas ganhadeiras, que, inclusive na maioria das vezes levavam consigo seus filhos pequenos, sendo que estes, quando já tinham certa capacidade física e mental, já as ajudavam com os serviços, como por exemplo na venda de doces. “No universo da reprodução escrava somente a mulher era responsabilizada pelos cuidados com a sobrevivência da prole, fazendo da presença masculina, um elemento episódico. A tais questões virá juntar-se a própria inserção da escrava no mundo do trabalho urbano” (ALBERTO HERÁCLITO,1998).

A figura da mulher escrava ou liberta estava fortemente presente nas ruas, na luta pela sobrevivência em meio a pobreza à sustentar e cuidar de suas crias, ao mesmo tempo em que trabalhavam. Este era um cenário muito comum à época.

Entre as modalidades de trabalho acima citadas, o que podemos encontrar em comum entre as elas, é o fato de os trabalhadores tinham cargas horárias de trabalho extremamente elevadas, que exigiam grande esforço físico, e provocavam grande exaustão aos mesmos. Isso mostra que a qualidade de vida ali não existia, sabemos das insalubres condições em que viviam na cidade baixa, expostos à inúmeras doenças, sendo a maioria delas provenientes da imundície. Desconheço qualquer política pública da época que consistisse na higienização da cidade baixa, nem voltada à tentativa de inserção da população negra na sociedade. No mais, devo salientar que não sou nenhuma especialista na área e posso não ter autoridade para afirmar isso. Apenas não identifiquei em minhas leituras, nenhuma passagem que pudesse esclarecer-me essa questão.

CONFLITO E LIBERDADE

Foi percebida pela historiografia brasileira a imagem da população escrava nos engenhos em fins do século XIX, como sinalizador para focos de tensão e conflitos no período pré- abolição, onde entre os cativos que trabalhavam nas roças, cresceu um sentimento de direito sobre estas, gerando conflitos e esperança de liberdade. Estes trabalhadores agora exerciam pressões na tentativa de deslegitimar a hierarquia ali existente. Observa-se também que “estudos recentes tem constatado o nexo entre estratégias, costumes e identidades gestadas no pré abolição e projetos individuais e coletivos no pós abolição.” (FRAGA, 2006). No fim do século XIX, o inchaço urbano no recôncavo baiano começou a sentir os impactos da crise açucareira. A população passara a perceber as mudanças institucionais que aqui ocorriam, principalmente o questionamento entre os escravos, referente à legitimidade do sistema escravista. Além disso, passara a haver mudanças nos campos jurídicos, à cerca dos domínios senhoriais sobre os cativos. Agora, “As leis emancipacionistas que ampliaram as possibilidades de alforria, a perda de legitimidade da escravidão e a crescente influência do abolicionismo combinaram-se e interagiram de variadas e imprevisíveis maneiras com as iniciativas dos escravos” (idem). Com isso, o número de alforrias crescia notavelmente.

Em 1880, uma rede comunicativa interligava as freguesias açucareiras do Recôncavo da Bahia, que deixava os escravos por dentro de tudo o que acontecia na província no âmbito sociopolítico. Salvador crescia, juntamente com a participação popular no movimento abolicionista, que mudava radicalmente a cada dia, os senhores, na tentativa de conter a dispersão do movimento emancipatório e a agitação nos engenhos, utilizaram-se de diversas estratégias, como concessão gratuita ou condicional de alforrias, contudo, também procuravam desqualificar os abolicionistas.

No fim de 1887, ocorriam um imenso número de alforrias concedidas por senhores, na tentativa de manter os escravos nas terras, para que as plantações não viessem a ficar ao léu. Sobretudo, com a abolição da escravatura em 1888, a dispersão de libertos para diversos lados foi muito notável, porém, a maioria dos ex-escravos permaneceu nas fazendas. Agora lhes restava a tentativa de viverem seus desejos, e entre seus sentimentos, podemos indicar a imensa vontade de se distanciarem do passado escravista.

Agora, cabe-nos refletir: Para onde iriam estes ex escravos? De que forma viveriam sem nenhum recurso? Estavam realmente livres? O fato é que mesmo depois da abolição, a grande maioria dos ex-escravos permaneceram nas fazendas.

Possíveis respostas à alguns destes questionamentos, talvez possamos encontrar no trabalho de Walter Fraga que aponta que a permanência, implicava em uma vigilância constante com relação à “proteção”. Em meio a isso, percebemos que a “autoridade senhorial” agora, não poderia ser exercida em bases escravistas, e implicava ainda num controle das condições de trabalho e numa luta contra os padrões de domínio. Posso concordar com Fraga, quando o mesmo sugere que a permanência dos ex-escravos nas fazendas possa estar voltada à busca ou sentimento por proteção. Logo que, como ele mesmo o disse, a presença de famílias demonstra que suas escolhas e decisões foram norteadas pelas vivências comunitárias e pelos laços familiares que foram penosamente engendrados ao longo da vida escrava.

Sobre esse contexto, Fraga afirma que, “Ao recusarem a velha disciplina de trabalho, ao afirmarem a liberdade de circular à procura de melhor remuneração e de melhores condições de moradia e, principalmente, rechaçar os castigos físicos, os ex-escravos buscaram alargar as alternativas de sobrevivência”. Sabemos que alguns deles por exemplo, se inseriram no meio urbano, onde as mulheres se concentraram mais no trabalho doméstico e os homens em trabalhos autônomos, entre estes, um dos mais comuns era a profissão de vendedor ambulante.

Em suma, podemos perceber neste contexto histórico que a experiência da escravidão e as expectativas de liberdade foram decisivas para os libertos demarcarem os limites do que julgavam compatíveis com a nova condição de vida. Aí seria o começo de uma luta para os libertos e seus descendentes, na constante busca pela sua afirmação como pessoas livres, e na luta por direitos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRAGA, Walter filho. Mendigos, moleques e vadios na Bahia do século XIX. Edufba. Salvador, 1996.

FRAGA, Walter filho. Encruzilhadas da liberdade. História de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

LUZ PINHEIRO, Maria Cristina. O trabalho de crianças escravas na cidade de Salvador. Ufba, 2005.

HERÁCLITO, Alberto Ferreira filho. “Quem pariu Matheus que balance”,1998.