SAVARANOLA MORA NO SEU CORAÇÃO

“Conoscersi é Il miglior modo per capirsi – capirsi é Il solo modo

per amarsi.”

(“Conhecer uns aos outros é a melhor maneira de nos compreendermos; e compreender uns aos outros é a única maneira de nos amarmos.”)

No afresco “Juízo final” da Capela Sistina, (hoje ao acesso de qualquer pessoa através da internet), Michelangelo retratou Girolamo Savaranola um dominicano fanático, inimigo das artes, da beleza , do hedonismo e de tudo o que fosse liberal.

Embora no início em Florença, (chamada por ele de “Meretriz da Babilônia”), fosse apenas encarado como um pregador fanático sem importância, um palhaço a dizer asneira, Savaranova foi aos poucos conquistando adeptos.

Em especial, odiava o amor entre pessoas do mesmo sexo.

Por esse tempo Michelangelo esculpia “Vitória”, estátua em que foi modelo o belo jovem Tommaso dei Cavalieri.

Aproveitava a folga para escrever-lhe poemas:

“Se vint’e e pres’i’debb esser beato/

Maraviglia no é ser, nud’e solo/

resto prigion d’um Cavalier armato”

(“Se cair preso é ser bem-aventurado,/

Maravilha seria se eu, desnudo e só,/

Cativo fosse de um Cavaleiro armado.”).

Notem que, na versão italiana a primeira frase termina com “to” (beaTO); a segunda inicia-se com “Ma”, de “MAraviglia” e termina com “so” de ”SOlo”, formando o nome TO-MA-SO.

“Cavalier armato” dispensa explicação.

Parece coisa de adolescente apaixonado.

Michelangelo tinha 57 e Tommaso 23 anos.

O amor era platônico, mas suficiente para atrair a ira de Savaranola.

Por esta e outras razões Michelangelo escapuliu para Roma pintar a Sistina, (coisa que ele escultor não desejava fazer por ser tarefa de pintor), aceitando com relutância a requisição do papa Sisto IV.

Savaranola ficou por ali, na terra dos Médices, e passou a se apresentar como “a voz de Deus” e a destruir na fogueira inúmeras obras de artes, inclusive algumas de Michelangelo.

Como o ditado “quem brinca com fogo acaba se queimando”, já velho por aqueles tempos, um dia os seguidores do fanático dominicano se encheram dele e do ódio que espalhava.

Imbuídos da mesma intolerância que o profeta do caos lhes havia ensinado, enforcaram-no e queimaram-no até que não restasse nem cinzas, para que não sobrasse resto nem relíquia.

Como disse, Michelangelo retratou Savaranola no afresco “Juízo final”, do modo que o amalucado gostava de se apresentar fisicamente, (uma pessoa feia, fedorenta e mal vestida).

Está representado de maneira dúbia.

O espectador pode entender que ele está a sair do chão em direção à recompensa celestial; ou entender que ele está a afundar no inferno em busca das suas idéias odiosas; ou simplesmente emporcalhando-se na sujeira.

O bom observador verá que ele está só; não há almas ou anjos para ajudá-lo, como é costume haver nas pinturas antigas em que se retratam mortos dignos.

Homofobia, preconceito, ódio, intolerância, ou seja lá o nome que se dê, é velha parte sombria da alma humana.

E está sepultado no coração de todos.

Há pouco, um caricato Fidelix expressou-o publicamente.

O coração do homem pode ser um cemitério maldito, onde as coisas ruins nunca ficam enterradas e esquecidas.

De vez em quando, estimulado pelas más idéias e maus pensamentos, Savaranola coloca sua horrorosa cabeça para fora do nosso corpo.

Utiliza nossa boca para dizer asneiras que ofende ao próximo,

e as nossas mãos para praticar agressões.

É dever de cada um cuidar para que ele não volte nunca à luz do dia. E isso só se faz pela tolerância, amor e bons pensamentos.

Uma lição que Michelangelo deixa no afresco: não importe o tempo que passe, mal sempre existirá e reviverá.

E por mais que nos guardemos com nosso anjo do Senhor, sempre existirá um idiota para ressuscitá-lo, como o fez o Zé Fidelis da emporcalhada política.

Ao morrer Michelangelo estava cercado por poucos amigos, entre eles o amor da sua vida, Tommaso dei Cavalieri, já casado e com muitos filhos.

Foi em paz e deixou-nos uma obra imortal para a glória do ser humano.

Num momento em que assisto estarrecido pelos meios de comunicação ganhar força o preconceito, a intolerância, a homofobia, e outros horrores que custo acreditar, fui reler essa história em busca de um pouco de sanidade num mundo de loucura.

Conhecer o próximo, como diz o ditado no inicio deste texto, é o primeiro passo para amá-lo.

Antes de odiar, procure conhecer o seu semelhante, na pessoa do seu vizinho, companheiro de ônibus, colega de trabalho...

E se você leitor torceu o seu nariz pela minha mensagem de paz e é pessoa preocupada com a vida particular dos outros, (inclusive a sexual), vou indicar o mesmo que o Dr. Dráuzio Varela receita em uma das últimas mensagens pela internet:

“Tá na hora de você buscar auxilio médico.”

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A fonte de consulta é o livro "Os segredos da Capela Sistina", dos rabinos, professores e historiadores americanos Benjamin Blech e Roy Doliner. Editora Ponto de Leitura; edição de 2008.

Bom e barato é leitura obrigatória.

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Obrigado pela leitura.

Sajob, outubro de 2014.

Jornal "O Globo" de 16 de março de 2015 - "O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o ex-candidato do PRTB à presidência da República Levy Fidelix ao pagamento de R$ 1 milhão, em indenização por danos morais, a movimentos ligados à população LGBT (sigla para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros)."

Portanto homofóbicos, preconceituosos e intolerantes, as besteiras que vocês dizem pode pesar no bolso. Com Justiça!