NEGRINHO

Adolescente eu tinha um amigo que era negro.

Ainda tenho amigos negros, mas não sou mais adolescente.

Esse amigo vivia com o pai viúvo e dois irmãos, trabalhavam como "boias-frias" .

Negros e pobres.

Na adolescência começamos a tomar consciência de nossa posição na sociedade e creio que meu despertar e do meu amigo não foi bom, nem para ele, nem para mim.

Todos o chamavam de "Negrinho".

Levado pelas ondas da vida, nunca mais soube dele.

Também não recordo o seu verdadeiro nome.

Ele não tinha nome próprio, substantivo.

Era um "adjetivo": negrinho.

E pelo modo de falar das pessoas, um adjetivo depreciativo.

No período da escravidão, Negro não era tratada como gente, pessoa.

Estava relacionado no código de direito civil com um "patrimônio", no "direito das coisas".

Mais especificamente como "um bem semovente", ou seja, que se locomove por si próprio, como uma mula, cavalo, burro ou macaco.

Tratar o negro como uma "coisa" é herança cultural.

Como se vê, o demônio mora nos detalhes.

Essa inversão de valores até hoje faz toda a diferença.

Esses questionamentos vem à minha mente por causa do goleiro santista "Aranha", que num jogo de futebol no sul foi chamado de "macaco".

Sou velho frequentador de estádios e sei que em todos os jogos escolhem um negro para ser xingado de "macaco".

Como justificam, não são racistas, "vão na onda".

Conheço muitos negros para saber com segurança, que eles ficam tristes com essas estupidez.

Como Negrinho ficava na minha juventude.

A mocinha o goleiro de macaco e está a pagar as conseqüências.

Pediu desculpas ao ofendido e não foi perdoada.

Perdoem-me, acho que o goleiro Aranha fez muito bem em não perdoar.

Por essa decisão, alguns sentiram-se seguros para inverterem novamente a ordem dos valores.

Um soberbo jogador de futebol do passado falou algumas bobagens como "chamar de macaco é normal".

Essa mesma pessoa num passado recente negou um abraço à filha ilegitima que pediu esse carinho no leito da morte.

Ele é negro, mas nem parece.

O soberbo treinador do time penalizado pelas agressões verbais duvidou da sinceridade do goleiro Aranha em sentir a dor da ofensa:

"Ora ele fora promovido de inseto, Aranha, para um mamífero, macaco; do que está reclamando?"

Essa mesma pessoa de braços cruzados assistiu ao jogo em que sua seleção levava um cascudo de sete a um e ele tomava aquilo como ofensa pessoal, e não como falha sua. Eximiu-se de responsabilidade e deixou ao sabor dos reservas a tarefa de orientar o time perdido em campo.

Ato de extrema irresponsabilidade que está registrado nas imagens da internet, para a prosperidade.

E assim, fazendo de conta que é tudo "brincadeira", vamos que vamos, concretizando um preconceito nefasto, mesquinho, cruel e impune.

Minha avó paterna era negra, só tenho fotos dela porque não a conheci; rezo sempre por ela e por meu amigo Negrinho e peço penitência pelos nossos pecados.

Porque é assim, somos todos da mesma argamassa, ligados apenas por sentimento de humanidade.

Humanidade que alguns negam com seus comportamentos.

Mesmo assim consolado, não consigo me livrar do gosto acre na boca e do nojo que sinto de certas pessoas!

Por isso, desculpe.

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Obrigado pela leitura.

Sajob, setembro de 2014