UMA PENSADORA POPOZUDA

UMA PENSADORA POPUZUDA

Causou constrangimentos entre os “intelectuais” de plantão a inclusão que um professor de Brasília fez da funkeira Walesca Popozuda no rol dos pensadores nacionais. Para muitos da elite brasileira foi um acinte, um ato de lesa-pátria incluir a artista entre a classe dos que se julgam com a cabeça privilegiada dos intelectuais. “Onde se viu – afirmou um intelectual desconhecido na tevê – incluir uma funkeira entre os pensadores nacionais”. Como tem gente pretenciosa!

Há vários séculos o filósofo Descartes († 1650) afirmou o clássico cogito (Penso logo existo) estabelecendo uma estreita relação entre o existir e o pensar. Ora, se o ser humano existe porque pensa, também é verdadeiro que pensa porque existe. Logo, a união entre o pensar e o existir torna a todos, independente da hierarquia cultural, pensadores.

Numa conferência que assisti, há uns dez anos, escutei a palestrante, uma doutora em Comunicação, para chilique de segmentos da plateia, chamar de “filósofos” ao Kleber Bam-Bam (egresso do Big Brother, com o bordão “faz parte!”), ao Marcos Mion e ao Luciano Huck, que na época apadrinhava a Tiazinha num programa da BAND. Também já escutei alguém atribuir a Caetano Veloso, com suas enroladas verbais, o título de “pensador”.

Eu já elenquei, inclusive em um livro de filosofia que escrevi, o cantor Lulu Santos no rol dos filósofos populares, com seu trabalho na linha dos estoicos, em “Como uma onda no mar” (tudo passa, tudo sempre passará...).

Desse jeito, nada demais em apontar a “popozuda” como uma pensadora. Ela canta, se comunica, compõe e produz e expõe ideias, ora isso caracteriza uma pessoa que pensa. Quando canta o hit nacional “Beijinho do ombro” ela coloca no campo das ideias suas teses de pensamento. Ora, quem pensa é pensador!

O problema é que os que se chocaram com a afirmação do professor do DF se acostumaram, em seus pruridos elitistas, a ver o filósofo com a imagem antiga de um velho, envolto em uma larga bata branca, até os pés, como um Sócrates redivivo, ou na imagem moderna, um homem de barba em desalinho, usando óculos e posando com pose na frente de um armário cheio de livros que, em sua maioria, ele nunca leu. É assim que grande parte dos brasileiros imagina um “pensador”.

Como a “popuzuda” não faz parte do grupo de mulheres nacionalmente famosas, que escrevem livros, proferem conferências e dão entrevistas em programas temáticos na tevê, tidas como intelectuais, ela foi reprovada pelo preconceito natural que não aceita uma ingerência popular desse jaez.

Eu não vejo nada demais o fato de o professor de Brasília haver classificado Walesca como “grande pensadora contemporânea”. A polêmica faz parte da contextualização do debate filosófico em qualquer nível.

Escritor e filósofo