Polícia de Choque - Parte 3

Arte do Choque

c. Estratégias

13 . Estratagema da Persuasão

O Poder da Persuasão. Persuasão é estratégia, arte, lógica, técnica ou ciência? Persuasão será sempre a faculdade que as pessoas têm em atuar no campo das idéias e do convencimento de outrem de forma direta ou subliminarmente através da eloqüência como fator influente sobre o indivíduo ou a massa humana. A maior estratégia policial depois da informação e do planejamento é a persuasão. Persuadir, palavra que deriva do latim “persuadere”, que significa levar a crer, levar à convicção, levar ou induzir a fazer ou a não praticar, ou aceitar como certo ou errado aquilo que assim não é, etc. Também pode ter os seguintes sinônimos: mover, induzir, comover, aconselhar, converter, sobretudo, convencer. A persuasão é a força do convencimento, sobretudo, pela expressão verbal.

Mas, finalmente, o que é o fenômeno da persuasão que tanta gente fala, referindo-se a um relevante poder que alguém dispõe para levar o convencimento ao ânimo das outras pessoas? De onde virá esta força? Será que todos nós temos essa enigmática capacidade que pode mover os indivíduos a se convencerem daquilo que pretendemos induzi-los a deixar de praticar ou a fazer aquilo para o qual não estavam animados em perpetrar, apenas pela retórica? A isto é o que podemos chamar de “persuasão”. A princípio, todos somos portadores desta virtude congênita, uns mais, outros menos, mas todos a possuem, falta descobri-la. Resta entender onde, quando e para que aplicá-la. Mas este tipo de carisma não é só inato, este dom pode também ser cultural, adquirido e aperfeiçoado, se assim, a pessoa determinar-se, pois todos temos um certo grau de vocação desta graça divina. Liderança, ferramenta que pode se confundir com a persuasão, é um fato que pode se evidenciar em qualquer pessoa, independente do seu grau cultural ou estratificação social, como assim é a sua capacidade persuasiva. O líder é aquele que sabe conduzir as idéias do seu rebanho, muitas vezes aprovando-as como verdadeiras, mormente, sem discuti-las, pois o líder nada contesta, acatando-as como se num processo evidentemente sinérgico. Na persuasão, não obstante a sua semelhança com a liderança, não são necessários seguidores, basta a força do pronto e bom convencimento. A grosso modo, é como se alguém tivesse a capacidade de convencer outrem a comprar gato por lebre, contudo, persuadir não é sinônimo de enganar, apenas apela para o acatamento da lógica, sem precisar ludibriar, pois, a persuasão também é a arte de falar a verdade como premissa fundamental dessa oratória, mas que tenha o total conhecimento daquilo que se propõe a defender e convencer. A persuasão é pragmática, oportuna, hábil, imediata, é o contato, a abordagem e o argumento, tudo dentro de um contexto, pela conquista de resultados instantâneos. À medida que não se exercita este poder, ele vai se minimizando e tende a se anular com o tempo. Certamente o que falta para muitos seja descobrir a real existência desse dom e tentar cristalizar esta dádiva, com a inserção de técnicas obtidas em formação e treinamentos específicos continuados. Entendê-la e exercitá-la são sempre necessárias. Ela é cabível em todos os ramos das atividades humanas, sendo feliz, aquele que já descobriu em si a capacidade de influenciar pessoas para apostar nos negócios de superiores interesses, fazendo adequado uso dos princípios da persuasão, beneficiando a si e a todos.

No caso específico da segurança pública, a persuasão é um desafio a todos na mudança da performance do policiamento preventivo na sua atual modalidade de execução. Ela tem que ser cultivada e exercida não somente pela elite da segurança, mas também por todos seus componentes avançados que se envolvem no cotidiano da população e no processo freqüente da violência humana, na conquista de um comportamento aceitável para uma melhor convivência entre todos.

A persuasão não é uma palavra desconhecida no jargão policial, no entanto, a sua ação, se para alguns ela é encarada como uma importante técnica de polícia, para muitos, a persuasão tem sido pouco concebida, quase nada ensinada e muito menos exercitada, preferindo e priorizando o uso das armas e dos discutíveis atiradores de elite, como técnicas de efeito pragmáticos e violentos, caracterizando o convencimento da força, do cassetete ou do tiro, das granadas de efeito moral, hoje, o spray de pimenta, a”arma de choque”, o jato d’água e o spray coloridos, como se nada disto tivesse conseqüência nem causasse lesões graves às pessoas atingidas, inclusive danos morais, sem dúvida, passivos de pronta reparação. Portanto, a segurança pública e seus problemas pouco ou quase nada se beneficiam dessa significante virtude que poderia influenciar pessoas e grupos ao não cometimento de crimes e outras infrações generalizadas, dando um golpe na tendência da violência humana, apenas com o uso do convencimento das forças que atuam na audição, no moral e nas idéias da população, tudo por um aconselhamento que convence a aderir suas opiniões sem nada impor, mas que espera uma resposta, tudo colocado de forma técnica, sábia e honesta.

Aplicada no exercício policial, a persuasão assume o mesmo significado e a mesma influência da prevenção quando eficiente, talvez até mais influente, pois se trata de uma técnica comprovada em diversas áreas da convivência humana, logo, compatível para aplicação no policiamento preventivo de qualquer organização, portanto, no caso de polícia preventiva, pode-se dá à ação da persuasão os mesmos significados atribuídos ao vocábulo prevenção. Aliás, persuadir é a maior missão policial válida para qualquer tempo, local e circunstâncias, aplicável por qualquer organização de segurança pública ou privada, mesmo no trato da criminalidade pesada, onde, em tempo hábil, a persuasão ainda é capaz de influenciar para interromper a articulação criminosa em andamento, pois ela pode ser conduzida sempre a serviço do bem estar comum. Persuadir é sempre procurar conduzir alguém pelo caminho racional.

No caso peculiar da atividade de segurança publica, se não houver a aplicação da persuasão como uma estratégia de rotina, sempre interagindo com as pessoas isso implica na ineficiência policial, certamente explicando parcela da violência urbana e, na maioria dos casos, para que não se perpetre a impunidade, resta a prática da repressão como um recurso prepotente e uma medida radical, comprometedora, sempre em razão de um delito então evitável, notadamente traumática para a sociedade que vai arcar com todas as conseqüências de um fato delituoso e com um delinqüente a mais, pois, é possível imaginar que o fato anti-social foi deixado acontecer por falta de iniciativa de caráter policial, em alguns casos onde tudo poderia ser evitado ou prevenido pela estratégia da força da persuasão e por outros meios convencionais em conjunto. Com a devida vênia, é possível que possamos estabelecer uma relação dos poderes da persuasão com a interpretação e a leitura que se pode fazer da máxima ou adágio popular muito conhecido: “por falta de um grito se perde uma boiada”.

As polícias precisam se conscientizar de que persuadir, assim como prevenir, é muito mais do que a ação de um verbo, podendo a persuasão ser usada como um meio ou técnica adotada pelos policiais nas suas mais simples ou extremas situações, para alcançar o equilíbrio da segurança pública, a partir do momento em que se leva o convencimento a alguém de fazer ou não fazer algo que pode gerar uma violação à ordem e às leis, com sérios prejuízos ao patrimônio, às pessoas e à sociedade. Para alcançar este estado de ânimo, é necessário que os policiais sejam treinados especificamente para uma abordagem junto ao público, fazendo colocar as expressões certas nos momentos oportunos, entender e diferenciar atitudes e comportamentos, em fim, que aprendam a se comunicar com as pessoas e com os grupos dos mais variados estilos de vida, os quais possam se encontrar em situações de risco, à beira da prática de qualquer delito, inclusive em estado de profunda rebeldia. É cenário comum do cotidiano, encontrar policiais em serviço nas vias públicas com relativa apatia em relação à sociabilidade junto às pessoas do meio, até mesmo, deixam de cumprimentá-las ou de responder as saudações verbais que é uma das mais simples convenções sociais, tudo por lhes faltar treinamento de um diálogo de interesse da segurança, digamos, persuasivo amistoso que é um diálogo saudável, portanto, permanecem sempre isolados em si mesmos, distantes, só fazendo contatos quando da ocorrência de fatos reprováveis, às vezes até induzidos por outrem, conseqüentemente, expressando uma atitude repressiva que é uma complexa e negativa oportunidade de comunicação. Uma persuasão amistosa é sempre uma forma indireta de prevenção mais proveitosa, pois vai forjando em muitos entes, uma consciência sólida quanto ao afastamento das práticas e atitudes que encurtam os caminhos que levam ao crime, acreditando na parceria com a polícia. Portanto, persuadir, também é prevenir, constituindo-se na maior técnica de policiamento ostensivo, digamos, cogente. Um rápido treinamento para os policiais que já se encontram em plena atividade ainda será capaz de habilitá-los em saber convencer ao delinqüente em potencial a mover-se na direção de acreditar que aquele seu gesto ou caminho não levará a nenhuma solução, até pelo contrário, a sua possível ação só contribuirá para engordar as estatísticas da violência e da criminalidade, e mais do que isto, prejudicará sensivelmente à pessoa do autor, sua família e às pessoas das suas vítimas. No caso de novos policiais, a técnica da persuasão deve ser parte integrante na grade curricular. Em algumas oportunidades é necessário explicar que o crime é indelével, pois, sendo duradouras, suas marcas conseguem manter o autor afastado para sempre da sociedade, pois, ainda que haja absolvição, não haverá perdão público, sendo discriminado severamente, uma vez que a identidade delituosa do criminoso vai continuar sendo irreversível, inesquecível, mesmo depois de cumpridas todas as penas e outros tristes e

Por outro lado, o exercício da persuasão não pode ser entendido como a simples colocação de uma fração policial, um destacamento, de uma patrulha ou de uma dupla de policiais num ponto qualquer de uma via, de uma praça ou de uma quadra qualquer e lá se instalarem inteiramente à vontade, braços cruzados, estabelecendo a simples presença física, vendendo sorriso ou mostrando cara fechada, com uso do celular compulsivamente, isto é, somente de corpo presente, com a alma profissional fora de si, olhando a esmo, conversando interminavelmente entre si, voltados para o lado que lhe interessa a curiosidade, indiferente aos fatos, afastado do epicentro dos possíveis episódios, portanto, distanciados de todos, inclusive, digamos, fora de si e do mundo que lhes cerca. A arte da persuasão assim como é a própria prevenção não reside só na presença física dos agentes policiais, pois isto pouco influencia no contexto, senão, num raio que pode ser alcançado pela envergadura dos braços, ela exige ação, dinamismo, pesquisa e muito conhecimento dos fatos e das suas circunstâncias. Ela tem que ser propagada pelo tom de voz audível e sem arrogância, pelo campo visual amplificado em extensão e profundidade que se infiltra no consciente dos indivíduos presentes, pelo conteúdo expresso e compatível com o fato, pelo fácil entendimento e interpretação pelo público que se torna expectador, e, com a credibilidade e harmonia povo-polícia. A comunicação pode ser dirigida aos indivíduos só pelo som da voz ou pela utilização de alto falante, estacionário ou móvel, até aproveitando a própria viatura que estiver fazendo uso. A persuasão dispõe de princípios próprios que precisam ser conhecidos e praticados, portanto, persuadir é uma atividade técnica, dinâmica, ativa e dominante, que exige uma constante observação geral sobre as pessoas e todos os fatos, interpretando-os e relacionando tudo com a segurança local em função do momento e do contexto, daí, o policial conclui pelo potencial de perigo ou não, e se for o caso, determinando-se à prática de um contato e uma abordagem persuasiva, individual ou coletiva, tomando a iniciativa de convencer aos possíveis autores dos fatos a não praticarem ou a não se omitirem quando for o caso, passando a adotar procedimento diverso incontinente, redimindo-se, o qual pode ser induzido pelo poder de uma técnica de persuasão, cujo dom, o policial também é detentor por herança e pelo saber. Em conclusão, a persuasão não existe por si só, e sendo uma atividade técnica carece de bom conhecimento, treinamento e do exercício constante na realidade dos fatos. Também é necessária a consciência profissional de que a persuasão não é tornar as pessoas voluntariamente obrigadas a cometer aquilo que não pode, não deve ou não quer fazer em razão de uma imposição, pois isto configura uma atitude arbitrária e reprovável da polícia. A persuasão é a conquista da consciência de uma pessoa ou de um grupo para torná-lo convencido pelas emanações do agente, acatando espontaneamente as idéias de quem esteja persuadindo a fazer ou a deixar de fazer algo bastante proveitoso.

Saber persuadir é uma necessidade policial do dia-a-dia. Depois de algum tempo de sua prática eficiente e de se alcançar um certo estágio confiável, não por um só policial, mas pela disseminação ampla dentro da organização, talvez, doravante para muitos episódios considerados extremos seja possível abolir ou minimizar o uso das armas de fogo e dos chamados atiradores de elite, tornando-os superados para a resolução dos problemas do cotidiano, sendo tudo solucionável pela palavra tecnicamente colocada e previamente preparada. É evidente que a polícia deve estar continuamente aparelhada para combater os mais diversos crimes hediondos que sazonalmente eclodem produzindo insegurança de largo espectro, no entanto, jamais poderá perder de vista os pequenos delitos de características urbanas e outros domésticos, muitos evitáveis por uma forma efetiva de prevenção, os quais sempre serão praticados em escala de grande proporção e talvez por um maior contingente, até mesmo em situações deveras amistosas de qualquer segmento, provavelmente, em razão da ausência de uma forma de prevenção amistosa, em que a persuasão se coloca como meio.

Agora, persuadir para influenciar ânimos radicais e inflamados de uma massa humana organizada a se modificar, é um campo que exige uma abordagem de caráter técnico, devendo ser tarefa exclusiva de profissionais com dimensões de ilibado conhecimento, treinamento e determinação, com qualidade para perceber, avaliar e entender as idéias hostis dos supostos oponentes, portanto, sem qualquer característica amadorista, pois, no campo policial, sobretudo em se tratando de massa organizada, toda palavra tem um significado e uma ação, da qual, só se poderá esperar uma pronta reação, no mínimo passiva e indiferente de muitos indivíduos, isto é, um quadro inalterado, pois, além de não se convencerem ou mostrarem-se provocantes, podem surgir o descrédito, a anarquia e um quadro de violência em cadeia, fortalecendo posturas e posições contrárias à polícia. Em nenhum momento a polícia poderá cometer o menor erro e nem ações amadoristas.

No caso específico da persuasão junto aos militantes de qualquer manifestação, ela começa ainda no campo amistoso, fora do teatro operacional e antes do emprego das táticas e procedimentos na via pública, isto é, pode iniciar quando a liderança do movimento procurar o órgão de segurança para comunicar ou solicitar o necessário apoio para garantir o desenvolvimento das suas atividades paredistas. Ali, as autoridades podem dar início ao processo persuasivo, sendo de elevado proveito.

Outro grande momento oportuno para se praticar a persuasão será quando a polícia preventiva, uma vez instalada como precursora da tropa de choque, passe a perceber que os manifestantes podem extrapolar suas prerrogativas constitucionais, passando a comprometer a ordem pública. Nesta ocasião, um porta-voz pode dirigir-se à multidão, comunicando que a polícia ali se encontra em nome da lei para dar garantia à prática de um ato público e o faz também com amparo na mesma Carta Maior que confere que todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, desempenhando com todo o profissionalismo policial, no entanto, torna-se necessário identificar o momento oportuno de relativa prudência pelos manifestantes, ato contínuo, fazendo referência à prática dos erros contundentes que os manifestantes estão incidindo, procurando converter os elementos de maior oposição pela palavra dirigida a todos, qualificando o comportamento como abusivo, prejudicial e ilegítimo, o qual fere os direitos de outrem, enquanto pode configurar um delito penal definido como crime tal, e que compete à polícia adotar as providências judiciárias compulsoriamente. Esta mensagem pode ser feita de improviso por quem tenha o devido domínio dos fatos a argumentar, preferentemente, que seja em forma de mensagem escrita de uma autoridade responsável pelo desencadeamento da operação, e que deve ser lida uma única vez. Daí, há de se solicitar para que os líderes e outros de significada importância para o desenvolvimento do movimento, que façam a revisão das suas posições e posturas, podendo, inclusive, pronunciar o nome da liderança para que esta saiba que não se encontra anônima na multidão, para manter-se na fronteira da constitucionalidade, convencendo-os que aquele gesto empreendido por alguns pode comprometer o interesse da maioria, portanto, que se movam na direção de fazer as devidas correções, enquanto remediável, e como exercício que a democracia confere a todos. Ao final da abordagem, agradecer a atenção dispensada, afirmando que as colocações foram feitas a juízo ou em nome do Sr Azambuja (citando posto, nome e função), Comandante da Operação ou quem for, e, se for lida, ao final, anunciar que foi assinada pela autoridade tal. Pela persuasão, a palavra vira uma arma, a arma atinge o objetivo, e assim, não fere o alvo.

Novamente, aqui voltamos a dizer que a simples presença da polícia por si só não será suficiente para persuadir, pois, empregada também como tropa de choque enquanto persuasão, a sua responsabilidade cresce e exige que esteja mais alinhada com a disciplina, com a postura, com a correção de atitudes, com a prudência, com a discrição, com a unidade de comando, com a iniciativa e com o planejamento, jamais se sentindo à vontade, ainda que os manifestantes lhes pareçam aparentemente simpáticos e passivos. A verdade é que cada policial sempre assume sozinho a responsabilidade pelos seus atos e omissões, e, também, até pelos gestos de imprudência dos manifestantes, aparecendo para a sociedade, como co-autor das conseqüências danosas, que é tão grave quanto ao exercício da arbitrariedade. Polícia boa é a polícia que faz, e faz certo. A atividade de persuasão deve ser previamente discutida, planejada, treinadas as sentenças e cada palavra que possam fazer parte das colocações, com uma avaliação da oportunidade de emprego desta estratégia.

Por fim, para que se promova o desenvolvimento da estratégia da persuasão é necessário que a tropa de policiamento preventivo seja suficientemente treinada para o exercício de uma das atividades de rotina que é uma abordagem persuasiva, cuja falta, há muito tempo se ressente a segurança como um todo, atitude que já deveria ter sido implementada como formação policial, para alguns como reciclagem, e, para todos, como especialidade, até para tornar legítima uma ação mais enérgica, a exemplo do “emprego necessário da força” e de outros métodos que tenham amparo pelo estrito cumprimento do dever legal, sobretudo, quando a boa persuasão falhar ou mesmo que tenha sido pouco suficiente e tenha que tomar uma iniciativa policial equivalente à delinqüência praticada. Uma boa persuasão é uma iniciativa que pode sustentar o equilíbrio da segurança entre indivíduos de alguns segmentos, inspirando tranqüilidade a todos. No caso dos movimentos classistas, a prática desta persuasão exige uma formação mais específica, pois além de ter que alcançar o ânimo de cada militante, desarmando-o mentalmente, movendo concepções nefastas pré-concebidas, advertindo para as conseqüências e suas responsabilidades, noutro campo ainda tem que conquistar a população contígua para ficar ao lado da polícia, contudo, sem imprimir esta conotação, isto é, fazendo de forma subliminar. Persuadir sempre será necessário.

14. Estratagema da Dissuasão

“É aconselhável a força do convencimento, do que o convencimento da força”. Antes da dissuasão, que prevaleça a persuasão que é a força do convencimento. A dissuasão não pode e nem deve ser a primeira medida policial a ser posta em prática diante de uma massa humana mesmo oponente, isto seria um pragmatismo desnecessário e demasiado precipitado; se houver premente necessidade, esta medida deve ser refratária, depois de avaliar todos possíveis benefícios e os impactos negativos e outros episódios impresumíveis advindos de uma ação de dissuasão, ressalve-se, enquanto as adversidades não comprometerem gravemente a ordem pública. No controle de distúrbios, dissuadir é saber chegar à vitória com todas as possibilidades, sem massacrar os adversários, sem torturas, sem baixas e sem ódio. É apenas o bom manejo dos meios e o uso das forças suficientes e necessárias, empregados com equivalência, no tempo certo e enquanto oportunas.

Se não existe mais o que persuadir e se presumivelmente já se esgotaram todas as formas e canais de negociação, portanto, completamente fechadas todas as possibilidades de diálogo e, à medida que o movimento cresce os manifestantes avançam na direção de uma ação mais antagônica, insidiosa, comprometendo a ordem pública, mesmo assim, a polícia ainda pode apostar numa retomada da situação, adiando qualquer medida repressiva radical enquanto a segurança permitir. Logo o porta-voz deve lançar mais um ultimato à rendição dos ânimos daqueles mais exaltados, mostrando que o comportamento de alguns militantes já transcende às fronteiras da aceitabilidade, e, se configurado um delito penal, é dever da polícia adotar as medidas policiais repressivas e judiciárias cabíveis. Na hipótese de perdurar o mesmo estado de transição de comprometimento à ordem pública, compete ao comandante da operação fazer os contatos com o escalão superior estratégico, circunstanciando a evolução do quadro, solicitando instruções. Insistir na paz é um procedimento necessário. Enquanto isso, ninguém pode perder a calma e nem tomar iniciativa apressada para não se deparar com o risco de um grave erro. Não se pode deixar de reconhecer que a missão é a mais difícil no serviço policial, embora todas sejam complexas e tenham seu grau de risco. Conhecidas as tentativas de negociações políticas que não avançaram ou fracassaram e não havendo restabelecimento da ordem pelo espírito espontâneo dos manifestantes, por último a dissuasão será o próximo encaminhamento, que deverá ser elaborada por fases gradativas. E será que isso resolve? – Não. Sem sombra de dúvida não é a solução, mas algo tem que ser feito a tempo e quando não há mais nenhuma medida clínica a se administrar, a situação exige um tratamento final protocolar eficaz que pelo menos estacione o avanço do quadro de violência instalada, mesmo que a medida seja radical e futuramente criticada. Mas dissuadir não é sinônimo de massacrar e nem de uma atitude de violência extrema, avocando só prerrogativas legais para justificá-la, desprezando as situações de fato que também se mostram relevantes e que pesarão quando da apuração dos resultados. Deve-se ordenar uma escala crescente de atos dissuasivos, pelo menos, utilizando dez práticas dissuasivas elementares, especialmente, no campo tático e de influência psicológica, antes de partir para uma ação radical e eficaz. Diante de uma grave situação em que a persuasão não se mostrou eficiente apesar de bem colocada, o que não se pode é deixar de se tomar uma atitude adequada, ainda que pouco convencional, mas que não seja paliativa. Antes de iniciar qualquer medida radical, a iniciativa deve ser precedida por inúmeros contatos com escalões superiores, inclusive, para dividir responsabilidades futuras.

Dissuadir – Palavra que deriva do latim “dissuadere”, e pelo dicionário, o termo significa fazer mudar de opinião, tirar de um propósito; desaconselhar; despersuadir; é o antônimo de Persuadir. Dissuadir pelo medo: fazer temer as conseqüências de cometer um ato que possa gerar represália muito violenta.

Enquanto a persuasão se faz pelo convencimento, a dissuasão pode ser alcançada até pelo emprego da força, isto é, coercitivamente, portanto, por uma imposição. Enquanto a persuasão visa induzir a um juízo, a dissuasão procura fazer mudar um juízo já instalado.

A dissuasão policial é uma ação estratégica consciente e conseqüente, representada por um conjunto de ações repressivas para desaconselhar incisivamente e desencorajar um eventual adversário inconseqüente a não empreender uma ação de força contra segmentos da sociedade, inclusive, praticada contra a ordem pública e/ou o aparelho policial, sob pena de sofrer represália eficaz. Quando necessária, ter sempre o cuidado de fazer uso moderado das forças e dos meios, pois, a toda ação, corresponde a uma reação equivalente, para que o efeito não seja o contrário e mais comprometedor para todos. Mesmo que uma autoridade tenha recomendado a aplicação de uma força dissuasória para conter excesso de uma multidão, isso não implica na utilização de uma atitude arbitrária, até porque quem fez a indicação da tropa de choque para conter as manifestações, embora não descarte uma eventual ocorrência de arbitrariedade, presume e imagina que esteja indicando um contingente profissional, formado e treinado na arte de tratar com turbas de comportamento radical, e que também se mantém consciente da possibilidade de assumir parte dos resultados como cúmplice da operação, mas que aposta na profissionalização de seus policiais. O que resta a quem comanda uma operação em que se imagina a necessidade de uma atitude dissuasiva é avaliar o quadro e as suas repercussões; agora, se necessária, solicitar melhores instruções, fazer a opção pelas técnicas mais adequadas à situação e administrar a posologia certa, para que as conseqüências não sejam mais drásticas do que as provocações. Em qualquer situação, a prudência traduz melhores resultados. Porém, é bom que se tenha consciência de que a tropa de choque policial não é exclusivamente dissuasiva, para que igualmente não possa ferir os mesmos princípios constitucionais e legais presumivelmente contrariados pelos manifestantes, para que facilmente os policiais não possam ser levados às barras dos Tribunais de Justiça e às condenações com duras penas e às reprovações de toda sorte. A sociedade não acata nenhum procedimento abusivo ou violento da sua força policial, mesmo que argumente a defesa das instituições. Há um tempo para tudo, para contemplar, ensaiar, aguardar, contemporizar, conquistar, ouvir, pensar melhor, ser refratário, aconselhar-se, decidir e até para recuar estrategicamente, sempre antes de agir drasticamente. O que não se pode, como Comandante, é submeter a tropa à uma ação arbitrária pois sempre levará policiais bem intencionados aos procedimentos judiciais constrangedores e condenações de toda sorte, inclusive, demissões e reclusões, definindo um futuro nefasto prematuramente, sem que ninguém se interesse pela causa de quem se envolveu por ter sido indicado para compor uma tropa de dissuasão e que sem discutir deveria cumprir ordens. Certo que eventualmente alguns policiais no exercício de suas atividades cometem atos censuráveis, no entanto são obrigados ou induzidos a cometer excessos em razão do tipo da missão, pois os desafios são ainda maiores e a situação mostra-se de difícil controle, no entanto poucos se convencem disto e fazem julgamentos precipitados e sempre contra subordinados. Neste mesmo diapasão, como resultado de uma ação incongruente e precipitada da chefia poderá ocorrer um derramamento de sangue e lesões graves de toda ordem, correspondendo às vítimas de um massacre, às vezes, praticadas sob a afirmativa duvidosa de controle de multidão exacerbada. Portanto, toda ação dissuasória tem que ser muito criteriosa, bastante pensada, confabulada, sobretudo, inserida em protocolo de procedimento policial.

Ao estabelecer-se e ocupar suas posições conforme o planejamento e a iniciativa do Comandante, é prudente que a tropa passe a desempenhar uma “Demonstração de Poder” que difere da “Demonstração de Força”, até aproveitando a energia e maneabilidade da tropa enquanto suas frações estarão se posicionando no terreno, e, após a disposição de cada grupo ou pelotão, sempre haverá tempo para promover uma série de movimentos dentro do capítulo da ordem unida a pé firme, no contexto daquilo que se pode denominar de Demonstração de Poder, que significa apresentar o grau de treinamento, disciplina e o nível dos equipamentos e armamento da tropa. Isto exige muito treinamento. A demonstração de poder antecipa-se a uma demonstração de força ou dissuasão; a demonstração de poder é uma estratégia policial pacífica que sugere uma mensagem aos manifestantes e a toda multidão, ainda atuando no campo da persuasão, dando conhecimento do seu preparo técnico, do império da profissionalização, sua disciplina, seu treinamento, sua formação, sua articulação e sua eficiência, a sua energia e vigor físico, ao mesmo tempo em que apresenta seus equipamentos e armamentos que farão uso se a situação exigir. A Demonstração de Poder muito difere da demonstração de força. Na demonstração de força, a polícia pode sair da sua simples e atuante presença ostensiva a uma atuação repressiva, ou mesmo da persuasão a uma ação coercitiva, progredindo por todas as fronteiras da legalidade, onde e quando o uso da força necessária é sempre compatível e reclamado pela sociedade, para a preservação da segurança de todos, diante de uma grave ameaça à ordem, para preservá-la ou, por último, restabelecê-la, pronta e eficazmente, promovida por segmentos adversos e inconseqüentes que se escondem no manto do anonimato no âmbito de uma turba, multidão ou aglomeração, ou escudando-se na impunidade presumida. Se for justo e direito uma reunião para defender pacificamente a causa de uns e com acatamento constitucional, é sempre perigoso afrontar as instituições, inclusive a ordem pública, contudo, é compulsório às forças policiais defenderem a segurança de todos, sobretudo, diante de uma ameaçada iminente.

Finalmente, não se pode esperar de uma tropa de choque um procedimento excessivamente generoso ao substituir uma força de policiamento preventivo regular que não tenha sido acatada na sua prática maleável de policiamento que se antecipou ao segmento de ação repressiva. A atividade dominante do choque alinha-se pelo campo da dissuasão, ainda que necessariamente moderada, mas suficiente para manter o equilíbrio da ordem pública. Mesmo assim, ainda há de se entender que qualquer ramo da polícia pode praticar o seu poder de persuasão equivalente à situação oposta, portanto, antes que a tropa possa ensaiar qualquer prática dissuasória, que outro porta-voz se antecipe, e, novamente em nome de quem comanda a operação, procurando convencer e influenciar para que os sensatos militantes e até os mais radicais conscientizem-se da necessidade de uma urgente avaliação das suas posturas comprometedoras e que encaminhem suas atitudes dentro de uma abordagem mais compatível para a segurança pública, visando o bem estar de todos, pois a própria Constituição do País assegura que a segurança pública é dever do Estado, mas também é responsabilidade de todos. Ao final, o porta-voz agradece a atenção dispensada, enquanto a tropa aguarda que os rebeldes rendam-se a um novo juízo de valores. Não se conhece história de que uma tropa de choque tenha retornado sem cumprir sua árdua missão, mesmo que os manifestantes frontalmente tenham desrespeitado o permissivo constitucional de reunir-se pacificamente, e por conta, desafiando a polícia, como se esta pudesse se render aos seus criminosos caprichos; este desafio não a intimida, até porque a polícia representa a lei, e a lei pode até ser flexibilizada, mas não admite rompimento. Dura lex,sed lex.

15. Comando Estratégico

Com o atual estágio da tecnologia, em especial das comunicações e de outras técnicas afins, hoje já é possível que se estabeleça uma interação entre níveis horizontais diversos no comando de uma operação policial de choque, todos aplicados para conter ânimos de militantes adversos à ordem pública, mantendo todos os escalões, contingentes ou destacamentos instantaneamente harmônicos e interagindo entre si, ainda que em locais eqüidistantes, e, ao mesmo tempo com estas diversas frações operacionais devidamente coordenadas e integradas à liderança de um Comando Estratégico Único ou Comando Central Maior. Por seus membros, este Comando Estratégico gerencia questões atuais de elevado interesse da ordem pública local, avaliando e redefinindo estratégias e adequando padrões operacionais adicionais e com caráter emergencial, superando carências do planejamento, adotando medidas e iniciativas complementares inadiáveis, sobretudo, estabelecendo bom nível de entendimento recíproco e confiável com as frações policiais estrategicamente subordinadas. Eis que se sugere e edita o Comando Estratégico apresentado como uma fórmula capaz de redesenhar o planejamento em tempo real se necessário, diante da volubilidade e agilidade das ações de grupos oponentes, adequando-o às situações surgidas e não alcançadas na fase da planificação, quando então tudo se posicionava no plano da presunção, em razão do documento não se mostrar muito abrangente, a princípio, articulando negociações em composição com a cúpula do movimento e outros interessados dos segmentos hostis. A concepção do comando Estratégico exprime o grau de tecnologia jurídica concebida pela corporação policial, a síntese em obediência funcional a uma coordenação operacional superior e a proeminência dos princípios democráticos indiscutíveis e de cidadania que regem o Estado de Direito, no qual se insere a polícia, na busca de soluções aceitáveis e pacíficas, mesmo diante de um quadro com grave crise social pontual. Pela utilização dos modernos meios de comunicação com circuito fechado, as frações da tropa ao interagirem com o Comando Central, podem receber orientações básicas e complementares, clarear dúvidas, expor situações iminentes, dividindo responsabilidades e com melhores condições para atuar dentro do princípio da oportunidade, pois toda a coordenação será feita por autoridades incorporadas que estão sendo comunicadas instantaneamente das atitudes dos manifestantes e do estado de ânimo da própria tropa. Assim, o Comando Estratégico não tendo envolvimento emocional direto com os componentes do evento, tropa e manifestantes, pois se encontra situado fora do teatro tático, portanto, sem qualquer forma de envolvimento advindo do calor das energias em possível conflito, mostra-se mais imparcial e com a necessária legitimidade, configurando a síntese do serviço da segurança pública. Mesmo fora do terreno das operações, digamos, lá nos bastidores, mas vigilante da legalidade, este comando está sempre integrado às atividades de interesse, constantemente reunido e confinado em um lugar mais próximo possível, preferentemente, de onde possa visualizar ações e reações, e que prontamente tudo possa ser repassado através de rádios transceptores, celulares, circuitos de TV numa composição móvel e tantos outros meios disponibilizados e com acesso facilitado, comungando tecnologia das comunicações com o fator economia, oportunidade e com maximização de resultados imaginados para se obter nas diversas fases da operação. Comandante de uma tropa no palco tático não pode ser o comandante do plano estratégico.

Quem comanda a operação só poderá iniciar seus trabalhos mediante a recomendação de outra autoridade que se encontra em outro patamar e noutra dimensão funcional e que está sempre avaliando a evolução do quadro sob todos os aspectos, no caso, o Comando Estratégico, à medida que recebe informes da rede de inteligência, inclusive, do plano político, como políticos são todos os movimentos populares e tudo articulando sempre conforme uma estratégia oriunda de um consenso diretriz de maior nível. Nenhuma medida, atitude ou mudança de procedimento será tomada ao acaso e sem uma avaliação com o grupo de comando. O comandante estratégico também dimensiona todas as possíveis conseqüências locais, refratárias ou imediatas de uma ação eficaz da polícia, sobretudo, o ordenamento do tipo de embate policial dissuasório que poderá ser levado a cabo nos termos do planejamento, e, ainda, o oportuno momento do recuo da tropa ou a sua redução ou ampliação em cada fase ou ação articulada. A tropa não só avança, também recua como tática e prática estratégica. Acima do Comando Estratégico se encontra a cúpula política na mobilização da tropa que pode ter como chefe, o próprio Governador do Estado ou pessoa por ele acreditada, se o móvel da questão não envolver espaço reservado às instituições federais. Na hipótese de envolver massa antagônica ocupando patrimônio da administração federal, a ação da polícia estadual deverá ser requisitada diretamente ao Chefe do Poder Executivo por autoridade competente para fazê-la, a quem compete decidir quanto ao envio da sua Tropa de Ação, estabelecendo padrões de entendimentos recíprocos e limitações operacionais, além de exigir indicação de autoridade federal para assessorar o comando das ações de antitumulto na fase de planejamento e depois, no plano tático, antes, avaliando previamente, se a medida policial dissuasória é realmente necessária nos termos solicitada. Esta cúpula política e o Comando Estratégico também são uma forma de dividir responsabilidade, sendo mais segmentos para pensar a operação e o seu desencadeamento, ou quem sabe, dirigir as inevitáveis conseqüências para o endereço certo, ao surgirem as repercussões futuras, quando muitos buscam o anonimato ou negam o envolvimento com o desfecho, sobretudo, quanto a indicação da tropa de choque como procedimento dissuasório contra os manifestantes.

O Comando Cstratégico pode se constituir de autoridades das diversas polícias, preferentemente com conhecimento em gerenciamento de crise e planejamento, devendo ainda marcar presença efetiva as pessoas acreditadas diretamente pelo governo do Estado, em particular a chefia desse órgão estratégico, desde que todas acompanhem previamente a evolução dos diversos movimentos, suas medidas policiais preliminares até o pleno desencadeamento da operação de dissuasão. Uma vez deflagrado o movimento nas ruas ou em qualquer lugar que for e alguma tropa se faça presente, a todo tempo, o Comando Estratégico analisa as informações recebidas, provoca a recepção das informações desejadas, de modo que o cruzamento de todas possa produzir uma medida sensata, que possa ser plenamente praticada por quem se encontra postado à frente da multidão ou frontispício ao sítio ocupado. Para que não gere confusão nem contra-ordem, o Estratégico só se dirige àquele que detém o poder de comando das diversas frações da tropa, quaisquer que sejam os encargos, com missões avançadas ou recuadas. Além de comunicações diretas com todos os comandantes dos diversos encargos, com aqueles dos contingentes de inteligência distribuídos por todos os pontos definidos como importantes sob o ponto de vista da operação, o comando estratégico ainda pode manter contato, inclusive, com possíveis lideranças do movimento, sobretudo, com as elites políticas e com o próprio Chefe do Poder Executivo do Estado. É até desnecessário acentuar que todas as medidas e iniciativas adotadas no âmbito do Comando Estratégico devem ser necessariamente registradas em livro específico, inclusive, todos os informes advindos durante o desencadeamento da operação, sem expressar nenhuma conclusão ao final, senão, as circunstâncias do encerramento dos trabalhos.

16. Dispositivo de Inteligência

Independentemente da presença de qualquer policiamento preventivo ou repressivo ou de dissuasão que tenha de ser montado ou que já esteja na sua efetiva prática, isto é, antes, durante e até mesmo após as atividades dos manifestantes e da ação de um tipo de polícia ostensiva qualquer, dissuasória ou não, haverá de ser montado um constante dispositivo de inteligência que será infiltrado no meio da massa manifestante. Para que não se caracterize a falsidade ideológica e mais tarde não possa ser indicado como responsável pelo início do ciclo das arbitrariedades, por se apresentar com dupla identidade, além de correr risco de vida O agente infiltrado não se camufla com as cores nem com os uniformes dos manifestantes. Estes agentes não se envolvem, não condenam e nem apóiam as ações dos manifestantes para poderem de certo modo sobreviver no núcleo e nas orbitais das manifestações sem a menor possibilidade de serem identificados como agentes velados. Esses policiais velados comportam-se exclusivamente como elementos neutros, enquanto tudo observa e difunde. Esta atividade é de elevado risco e exige sempre a mudança de estratégia, inclusive, recuando quando julgar necessário.

A missão dos agentes da força de inteligência será um constante levantamento da evolução do quadro, das mudanças nos planos atuais da liderança, possível estoque ou armazenamento de material para arremesso contra a tropa ou de arma, as palavras de ordem, a logística, suas linhas de suprimento, também toma conhecimento da presença de outra liderança que tenha cooptado ao movimento; observa o comportamento da tropa, seu estado emocional e qual o impacto que causou aos manifestantes; avalia as atitudes individuais da militância e sua predisposição de enfrentar a polícia ou provocá-la, além de presumir o contingente da massa e seu crescimento ou esvaziamento vertical, com indicação do possível motivo e se há registro de inconformismo e dissidência dentro da militância. De tudo fará comunicar ao Comando Estratégico.

Em resumo, sem informação ninguém sobrevive a nenhum antagonismo, e que não haverá informação sem agente infiltrado. Há de se ter consciência, que no campo oposto, os manifestantes também buscam a todo tempo conhecer seus possíveis adversários ou opositores de seus intentos, sobretudo a polícia, bem assim, quer saber muito sobre aquilo que poderá ser praticado contra as suas pretensões em qualquer fase das suas atividades paredistas, quer conhecendo o movimento da polícia e a sua capacidade de ação, quer acompanhando as discussões políticas e as concepções do governo como um todo. O conhecimento mútuo entre as partes é provável que possa estabelecer um equilíbrio entre as forças eqüidistantes, quer pela utilização da informação, quer pela própria história das partes em embates anteriores, portanto, a polícia nunca poderá se encontrar em desvantagem e nem desconhecer o adversário, para evitar o crescimento de opositores como um todo. Esta premissa deriva do entendimento do aforismo latino Si vis pacem, para bellum, cuja tradição é: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.

17. Apoio Essencial, Social e Emergencial

Conforme os tipos de movimentos e de seus manifestantes, a própria polícia pode desenvolver uma ação social e de outros apoios iminentes e pertinentes, com a participação da Defesa Civil, de órgãos municipais, das secretarias de saúde e de outros setores estatais, de forma que possam influenciar para a inversão de todas as possíveis reações, estabelecendo ali, a presença do Estado que se manteve ausente daquele segmento, inclusive logo cadastrando jovens e desempregados em idade produtiva para treinamento profissional, buscando corrigir em parte a possível falta dos chamados indicadores sociais, pois afinal, todo e qualquer movimento de classe popular tem seu fundo de verdade e que sempre se fundamenta, via de regra, numa causa, ainda que existam aproveitadores e oportunistas.

Digamos que um serviço de ambulância seja sempre necessário, pois, todavia, são registradas baixas com ocorrências em ambos os lados, mesmo sem ação policial eficaz, ainda que o serviço para-médico não se instale na área imediata onde as ações estão sendo desenvolvidas. Reboques, bombeiros e tantos outros serviços ou equipamentos sociais públicos podem ser previstos, ainda que poucas sejam as possibilidades de emprego ou de atuação, até porque algumas pessoas rejeitam este antagonismo do Estado, o qual está sempre a contrariá-las, de um lado com a ação policial drástica, de outro a oferta de um serviço público que chega tardiamente, quando todo desespero já foi consumado. Prevenir no seu sentido amplo é sempre menos oneroso e menos drástico do que remediar. A inócua presença do Estado só tem complicado a situação das comunidades menos favorecidas, ainda que as pessoas das demais classes sociais se viram como podem, pois a assistência tende a zero, a despeito de um arsenal de propaganda.

Se a atividade de polícia vai ser em razão de uma desocupação de propriedade com diversos ocupantes, portanto, o contingente populacional alvo é constituído de famílias, portanto, temos, aproximadamente, cinqüenta por cento de mulheres na área, com a presença de senhoras grávidas e pós-parto, anciões, anciãs, adolescente, crianças, recém-nascidos, pessoas doentes, acamadas, pacientes pós-operatório e outros ocupantes sem mobilidades, enfim, um quadro todo próprio de qualquer sociedade e da espécie humana, além dos seus bens materiais móveis que devem ser preservadas suas integridades, além dos pequenos animais domésticos e de estimação que merecem o integral apoio. Nada disso é suficiente para impedir o fiel cumprimento da missão, inclusive, com a prisão dos recalcitrantes, porém, não se pode ignorar que o fator humano merece a inteira proteção do Estado e de todas as pessoas, sobretudo, dos policiais. Para aquele local não irá apenas um destacamento de uma força policial, ali estará a presença do Estado e da lei pela imagem do homem de polícia e, não do arbítrio, da prepotência ou de uma força inconseqüente, colocando-se acima de tudo. Afinal de conta, a polícia é do povo.

Em se tratando de missão relativa à reintegração ou imissão de posse, à medida que a tropa avança quer no terreno das negociações, quer no espaço físico ou terreno, desocupando propriedades públicas ou privadas, qualquer que seja a área de conflito, tudo leva a crer que de fato houve uma efetiva ocupação policial e que pode ser traduzida e entendida como um pleno domínio físico das instalações ou da área antes dominada criminosamente, portanto, cada palmo do terreno e a cada espaço policialmente ocupado, logo tem que ser dominado, isto é, tem que ser designado efetivo ou quem for para ocupar administrativamente a área, podendo ser proprietários, moradores, bombeiros, serviços de saúde, serviço social, comerciantes, legítimos ocupantes ou quem for, contudo, sempre com a forte e determinante presença policial pois se não houver uma ocupação iminente formalizada e executada por agente ou autoridade que possa dar posse, logo os anarquistas e outros vândalos voltam a dominar, caracterizando um ciclo vicioso, gerando um conflito sem fim, recorrente. Nestes casos, a polícia preventiva manter-se-á no local enquanto perdurar a possibilidade de desobediência.

18. O tempo é senhor da razão

Em muitos tipos de movimentos populares sem maiores atividades antagônicas, em nome da prudência, uma grande tática policial de ordem mais pacífica é o emprego de ganhar tempo sob os olhares dos manifestantes, pela simples presença de policiais com posturas preventivas, inclusive, filmando tudo que se passa, pois todos sabem o poder da filmagem e da fotografia para efeito de responsabilidade posteriormente, portanto, dividindo atenções para seus interesses e para o papel da polícia. Como o tempo é senhor da razão, talvez essa ação ostensiva possa traduzir cansaço aos manifestantes, desinteressando-se por seus objetivos ou controlando mais seus impulsos, mostrando-se mais passivos quanto necessários, pela apelação da razão individual e coletiva. Nestes momentos, uma palavra de persuasão calha muito bem aos ouvidos e sentimentos da massa, sobretudo, com a utilização de alto falante.

19. Reserva da tropa de choque

Toda tropa engajada em missão de choque ou outra atividade que exija pleno esforço deverá ter sua reserva na caserna, que difere da tropa de reforço. A tropa reserva se destina a fazer as substituições, quando decorridas horas de atividade dos contingentes que se encontram em atividade. Preferentemente, a reserva poderá permanecer na sua unidade, onde deverá receber instruções específicas, revezando com momentos de repouso. Nenhuma tropa de choque poderá trabalhar sem uma reserva, pois nenhum ser humano é infalível, as forças fenecem e o cansaço leva ao fracasso, com solução de continuidade e com péssimas conseqüências para todos, além de males físicos e emocionais de toda ordem, inclusive a eclosão da violência. Se esta tropa for empregada continuamente, após as primeiras doze horas seguidas, mesmo sem qualquer embate, o abalo emocional dominará a todos e os resultados de qualquer ação serão exclusivamente comprometedores. Ainda não existe policial de ferro. Qualquer um sente fome, sede, calor, frio, cansaço, medo, estresse, adoecem, portanto, ninguém é superior ao tempo e precisam de um bom período para recompor as energias, pois os desgastes são verdadeiramente grandiosos e atingem os segmentos familiares de cada um, com superação e recuperação em longo prazo. Ao contrário da tropa-reserva, o reforço que é de menor efetivo deve estar instalado numa área imediata ao local do evento e pronto para atuar completamente a qualquer momento se a situação exigir a sua participação ao lado da tropa de primeira linha de atuação, em qualquer atividade principal ou de apoio, até para uma eventual substituição que por razões pessoais ou operacionais alguns policiais tenham que se afastar. A tropa reforço não é um contingente de substituição, mas de complementação de esforço, podendo atuar a qualquer tempo quando necessário, em qualquer área de atuação. A tropa reserva deve ter o mesmo efetivo e o mesmo preparo, inclusive emocional que cada missão requer, integrada ao contexto, portanto não pode desconhecer os fatos, para que haja uma substituição satisfatória.

20. Defesa da tropa

Quaisquer que sejam a tática e a estratégia adotadas com posturas presenciais ou ofensivas, quaisquer que sejam a formação da tropa, o apoio central, cerrado ou lateral comandados, quaisquer que sejam os armamentos utilizados, os equipamentos e apetrechos para controle, quaisquer que sejam os movimentos do armamento ou do cassetete, quaisquer que sejam as granadas químicas de controle e os meios de comunicação e transportes disponíveis, apenas duas cousas são igualmente importantes prontamente – o cumprimento inquestionável e não arbitrário da missão e, a segurança dos flancos e da retaguarda da tropa aplicada. Quem tem retaguarda protegida, articula-se com suficiente segurança, inclusive, válido para o policiamento ostensivo comum quando em certas atividades. É procedimento visível no cotidiano da segurança, observar uma fração policial adentrar num estabelecimento para proceder diligências, enquanto nenhuma fração fica lá fora protegendo a retaguarda de quem se encontra avançado, portanto, com a possibilidade de serem sitiados por possíveis bandidos que surpreenderão o policiamento. Como sujeitas a uma segurança da retaguarda e dos flancos da tropa como um todo, entendem-se: as formações atuantes na linha de frente, a tropa de policiais durante seus diversos deslocamentos a pé ou motorizados durante os acessos previstos para escoamentos e nos seus necessários altos; os equipamentos e/ou viaturas que se dirigem ou que saem da área de conflito; segurança também carece nos locais de estacionamento de viaturas e oficinas, de cães e solípedes e outros semoventes; nos locais e depósitos de material bélico, viatura arsenal, vias de grandes escoamentos, os meios de comunicação, combustíveis, rancho ou refeitório, gêneros alimentícios e outros suprimentos afins, os quais fazem parte da missão; instalações tais como acampamento, acantonamento, baias, canil, ranchos ou refeitórios e outras que possam ser utilizadas pela tropa; locais para detenção de pessoas presas inclusive nas delegacias, hospitais e enfermarias indicados para receber feridos, além de incluir uma série de pontos críticos e instalações essenciais que mantenham relação com a missão, com os interesses da população local ou outros dispositivos que possam ser alvos de certos manifestantes inconseqüentes. Todos os pontos críticos e capitais devem ter seus esquemas de segurança previamente estabelecidos.

A tropa quando já se encontra em ação ou mesmo enquanto adota um dispositivo tático ou estratégico no terreno, ou permanece aguardando desfecho ou qualquer ordem ou já instalada, inequivocadamente tem que ter sua retaguarda eficientemente protegida, pois sua atenção está sempre voltada para o front ou seja para aquilo que é alvo de sua atuação que é a amplitude do foco gerador de sua mobilização e ação policial de dissuasão ou o que for. Sem retardar, a tropa de proteção logo deve entrar em cena, caso contrário haverá maiores desgastes para dominar a situação. Esta tropa de proteção da retaguarda caminha com a mesma velocidade de progressão da tropa protegida e obrigatoriamente com a mesma simetria (extensão) da testa da tropa em Ação, independente de qualquer formação e cadência, devendo permanecer o mais próximo da retaguarda da tropa em combate. A tropa de proteção da retaguarda terá efetivo dimensionado e compatível com a demanda das atividades e as proporções do terreno onde se desenvolve a ação policial, evitando saturação para não confundir com a tropa de primeira linha, preferentemente com fardamento distinto, de praxe, com frações motorizadas e com a utilização de viaturas especiais, próprias para suportar velocidade baixíssima pois a tropa tem progressão lenta e com paradas prolongadas, tendo todo seu efetivo armado e próprios para variados tipos de disparo, inclusive, balas de borracha, filmadoras, munição de festim e granadas defensivas, espargidores de elementos voláteis incluindo viatura para lançamento de gás e água e também para recolher o perigoso lixo da turba ou material descartado pela tropa ou acessórios desprendidos, além de poder participar da logística da missão ou acolher militares exaustos. A proteção deve abranger toda a largura da via ou o espaço em ocupação pela disposição da tropa de choque.

21. A força não erra

O erro de qualquer pessoa pública é imperdoável. A polícia não pode errar. A tropa de choque jamais poderá cometer erros e nem falhas, nem mesmo por omissão. Qualquer erro pode ter conseqüências desastrosas e severas, até fatais, para quaisquer dos lados, principalmente, para a sociedade. O menor erro pode implicar na falência da presença do choque; se o erro for pela violência, os números são efetivamente comprometedores e se equiparam aos da reação de uma turba insidiosa. A polícia não pode assumir uma postura arbitrária, nem mesmo para conter violações mais radicais. Também, a omissão é um erro silencioso que se escuta o eco pelas graves conseqüências danosas. Em nenhuma hipótese a tropa não pode se omitir, pois é a caracterização de um ato de covardia praticado contra a sociedade. Agora, se a violência da turba se generaliza em todos os campos, como se fosse uma sociedade sem lei, nada se compara a uma força policial que erra por extrapolar na dose aplicada, pois como braço armado da sociedade é capaz de instalar a prepotência, deixando rastro de pura truculência; errando, o controle foge das mãos do Estado e não há mais espaço para aquela polícia. A ação de legalidade da tropa e de todos deve estar acima de qualquer interesse. A violência generalizada de uma tropa de choque é provável que não caracterize a figura legal da Exclusão de Ilicitude definida como “estrito cumprimento do dever legal”, como assim muitos gostariam de caracterizar uma turbulência policial quando a praticam. A força não pode errar. Em qualquer situação, sobretudo, para conter ânimos extremados, a polícia deve continuar mantendo a calma, uma redobrada prudência e agir sempre sem emoção e sem nenhuma precipitação, cultivando os princípios de disciplina operacional, pois a missão é desafiadora e sempre de elevada complexidade, além de um grande potencial de risco e está sempre a exigir cautela.

(Ver continuação com o mesmo título - Parte 4) (Também Parte 2 e 1)