Crimes & criminosos

A dúvida que rima com violência:

Agir ou reagir,

Ação ou reação,

Prevenir ou reprimir,

Prevenção ou repressão.

Eis a questão.

A violência está latente em todo lugar ocupado pelo ser humano, ou se inibe pela prevenção ou ela se manifesta ao menor estímulo. Mesmo assim, a ferocidade humana não é uma atividade plenamente espontânea ainda que esteja sempre em potencial, intangível, mas perceptível, orbitando às mentes, eclodindo quando são alinhados os ingredientes da criminalidade, isto é, decorre do aparecimento de um agente ativo que articula uma ação criminosa, pois não se causa nenhum delito sem os seus ingredientes, formando a cadeia delinquente. Aqui comporta relembrar o conhecido adágio “A ocasião faz o ladrão” e o autor deste aforismo anunciou com muita propriedade e foi muito feliz em criá-lo. Realmente a violência se mostra sempre em estado latente, mas carece de estímulos. Ela nunca se anula, apenas se controla, e quando não se inibe, ela se manifesta, surpreende. Nem sempre esta violência é auto controlável em razão dos impulsos e dos estímulos externos. Não é a violência que cresce, é a atividade de segurança que diminui. Se o controle da violência é necessário, a promoção da segurança é compulsória. Se existe algo complexo em todo o universo é o ser humano em desequilíbrio. Prevenir o delito e prender um agente do crime não são opções da polícia, são obrigações do Estado, sempre priorizando a prevenção.

É preferível evitar o crime do responder com repressão às ocorrências da delinquência. Em outras palavras significa: Evitar um crime é mais construtivo do que reprimir sua prática pela falta de prevenção. Sintetizando seria: A prisão decorre da ausência de uma política de prevenção. A iniciativa de prevenir é ótima para a segurança e se constitui o ideal, gera boa expectativa para a sociedade e é melhor para todos; a hipótese de prisão que ocorre após a prática do crime significa a existência da inércia policial e uma reação compulsória do agente da lei, mas sempre comprometedora sob todos os aspectos. A princípio, qualquer polícia tem que trabalhar pela sua própria iniciativa e não apenas aguardando ser chamada para reagir ou provocada a trabalhar quando a população já não tem como remediar; eis a polícia do depois; se o crime aconteceu, antes, tudo era evitável pela efetiva prevenção policial. A quem interessa a pessoa presa? Ao Estado e à sociedade o preso só causa um grande custo e muita insatisfação. Em alguns casos ajuda a polícia mostrar serviço, engordar os números das estatísticas ou apenas para aumentar a população carcerária, superlotando as cadeias para dar uma falsa eficiência do aparelho repressor e de um governo negligente, distante e omisso de seus deveres? Prender não é tudo. A produtividade de prisão não é um trabalho meritório. Mesmo quando se torna necessária a prisão, sabe-se que isto não tem resolvido a questão da violência, muito menos é solução para quem praticá-la? Já temos muitos elementos presos, existem bandidos soltos e maior é o contingente de criminosos em potencial que pode eclodir a qualquer oportunidade, enquanto isto, a população continua refém do descaso para com a prevenção. Não adianta uma autoridade anunciar publicamente que nos últimos tempos a polícia prendeu um grande número de sequestradores e estranhamente matou outros em “combate”. Isto não tem resolvido. Mesmo assim o sequestro continua afrontando a todos, diversificando e se ramificando. Diante das gravidades dos fatos, a divulgação daqueles números de prisões efetuadas não inspiram um clima de segurança na população, os números até assustaram a tantos e não resolveu os problemas das suas vítimas nem da violência que gera insegurança. Na verdade, no nosso país o número de crime é tão acentuado que até se pode imaginar que se todos os delituosos fossem presos, as cadeias ficariam superlotadas e as vias públicas quase esvaziadas. A poucos interessa o ônus que o crime representa para a nação, pela manutenção onerosa de milhares de elementos confinados inoperantes, sedentários e sem objetivos, transformando o cárcere em bureaux da criminalidade. É um grande investimento para pouco resultado, senão o encarceramento que só tem deturpado ao invés de corrigir. Evidentemente, seria melhor que todos se preocupassem em fazer de tudo para não levar alguém para o cárcere a ter que mantê-lo preso, por um fato que seria previsível, logo, prevenível.

Nenhum crime não é só um crime e nem apenas um fato isolado, ele só é considerado um delito porque fere ou lesa direitos de outrem, portanto a lei penal define como tal, isto é, causa uma vítima, dá-se um fato delituoso, além de resultar um oceano de conseqüências drásticas que se arrastam por dezenas de anos, comprometendo a sociedade e o erário. Alguns têm visto o delito pelo aspecto da degradação do seu agente ativo, portanto, a vítima, cada vez mais esquecida e não existe dentro do Estado nenhuma estrutura de apoio às pessoas que tenham sofrido violações em quaisquer dos seus patrimônios jurídicos, nem mesmo diante d’uma violência fulminante (fatal), sendo esquecida até mesmo sua condição humana, mesmo que venha a sobreviver. Ao contrário, o criminoso prontamente passa à tutela do Estado e a sociedade logo o acolhe colocando todos os esforços e meios para sua proteção e sobrevivência e muito dinheiro é investido na segurança do criminoso que a seguir passa a ser chamado de interno para que não se sinta hostilizado, nem discriminado, muito menos pode ser estigmatizado. Logo surgem seus defensores, jurídicos e humanos. Se for considerado “pobre” na forma da lei, mesmo perigoso na sua forma desumana, prontamente o Estado patrocina sua defesa. A vítima que se defenda, nem a sociedade acolhe-a e vai ter que provar a autoria do delito praticado contra si. Um batalhão de policiais cerca o presidiário como forma de protege-lo e os agentes penitenciários fazem os contatos mais próximos. Toda estrutura carcerária coloca-se à sua disposição para o seu bem estar e para tornar a prisão o mais aceitável e agradável possíveis para que se evitem levantes protestando pelo tratamento recebido quando não o agradar, sempre agilizando mais atenção, pelo acompanhamento jurídico, apoio social e aos finais de semana uma visita íntima lhe fará companhia e o satisfaça a altura. O encarceramento de criminosos deixou de ser uma simples atividade do Estado e virou “Política Carcerária” sob o signo do pseudo recuperação. Mesmo com tanta teoria, discussões e grandes orçamentos, sequer o calabouço tem se mostrado eficiente. Embora os estudos no Brasil se aprofundem embasados em práticas dispersas pelo universo das experiências carcerárias de países desenvolvidos e da valorização do lado humano do pouco que ainda resta em alguns presos mesmo perniciosos querendo valorizá-los, os méritos e os resultados continuam deveras insignificantes, para ser mais prático, sem nenhum resultado alcançado, sobretudo, porque o crime organizado foi permitido instalar-se nas cadeias, razão de negligência. Para o funcionamento dessa mega estrutura prisional criam-se funções que vão do faxineiro ao Secretário dos dois principais planos do Estado e da República, afora uma série de organizações que se agregam na defesa dos direitos dos encarcerados, muitas das quais afrontam à sociedade pelo excesso de zelo. A vítima, se estiver viva, deve se esforçar o suficiente para provar que foi realmente aquele elemento que lhe causou dano, pois o ônus da prova compete a quem acusa e a confissão não é objeto de prova, e, se a polícia não conseguir comprovar a acusação, a justiça compulsoriamente libertará o acusado em qualquer fase do processo, até absolvendo, ainda que demore, e o Estado ainda pode ser acionado a pagar uma indenização por danos morais ao acusado, podendo a vítima ser processada, no mínimo por calúnia, se os papeis não forem invertidos, isto é, de vítima a criminoso. Portanto, durante todo este tempo, a vítima torna-se anônima e desprotegida. A própria Constituição da República é enfática quando afirma que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. O presídio representa um elevado custo para todos, e, ao final, a prisão não corresponde à correção desejada. Aliás, em muitos casos, o bureaux da criminalidade muda-se para proteger-se atrás das grades com a chegada de um bandido-chefe, de onde passa a comandar o crime que se inicia entre os internos, envolvendo familiares e amigos visitantes. Em razão de tudo isto e por outros valores é preferível investir suficientemente na motivação da segurança, numa política de prevenção, sobretudo, num programa de antiviolência, pela real e objetiva vigilância, à medida que os indicadores sociais não responderem ou não forem suficientes ou se mostrarem de concepção refratária. Em qualquer situação, prevenir é o verdadeiro papel da polícia.

É necessário saber que a existência do criminoso não se elimina e nem se extingue, pois ele sempre existiu e existirá, mesmo que se possa reprimir, agora, o crime, este se previne, pois está sempre a eclodir. Prevenir mais ou prender muito é apenas uma questão de querer optar mais ou menos a favor dos interesses da segurança pública. Os criminosos sempre existirão em potencial, portanto, sempre se renovam. A despeito de qualquer idéia de uma sociedade mais segura, o crime sempre existirá em oposição à segurança, em qualquer ambiente social, entre os mais e entre os menos favorecidos, a qualquer tempo e lugar.

A violência é uma qualidade inerente à espécie humana e, sabiamente, a sociedade para defender e conter os excessos, continuamente formaliza certos procedimentos humanos como crimes, de forma que alguns reflexos não tornem a convivência num sacrifício pessoal. A figura criminosa não se extingue, pois é um estado latente instalado em todas as pessoas e sem distinção, apenas os mais precavidos vão exercitando como se defenderem, enquanto os mais ajustados compreendem que o crime não compensa; também, o criminoso não se elimina, mas se reprime. Aqui vale repetir a máxima em que se afirma: “A ocasião faz o ladrão”

O crime está latente em todos, mas não é congênito. A sua maior ou menor possibilidade de manifestação decorrerá das convicções de cada um e de uma série de fatos culturais, religiosos, sociais, ambientais, herança, formação ética, religiosidade e outras circunstâncias acumuladas ao longo dos tempos e de acordo com a fidelidade que a pessoa expressa por cada um dos valores adquiridos e formadores do seu caráter , advindo a sua prática, sobretudo, quando o elemento perde o poder de auto censura por quaisquer dos mecanismos de pressão pessoal, invertendo os valores, desequilibrando-se, que poderá culminar, principalmente, quando se sente excluído da vigilância do Estado, portanto, a figura delituosa pode-se tornar dominante, cabendo à polícia sempre manter-se vigilante.

A natureza do crime que poderá perpetrar em cada um decorrerá do ambiente em que o indivíduo foi desenvolvido ou que convive, ou ainda que eventualmente esteja presente. Digamos, o elemento que tenha sido criado num ambiente essencialmente burocrata tem muita possibilidade de dominar e desenvolver toda a cadeia de um delito relacionado com o gênero que busca usurpar bens materiais, como o chamado crime do colarinho branco, a fraude, o peculato, sonegação de impostos, etc; enquanto outro que tenha evoluído num ambiente de pura promiscuidade tende a se envolver na criminalidade como lenocínio, tráfico de drogas, o furto, o roubo, jogos de azar, agora, se um elemento trabalha com o manuseio ou comércio de armas, fatalmente poderá migrar para o campo do tráfego de armas se lhe sobrarem excesso amorais, pois, na verdade, estes foram os encaminhamentos de cada um, e, assim por diante. Em muitos casos, falta-lhes a oportunidade ou um forte estímulo que instantaneamente supere todos os seus conceitos comportamentais adquiridos, fazendo eclodir uma ação ilícita, passional ou materialista. É por isso que ocorrem certas violências envolvendo pessoas aparentemente comportadas a toda prova, mas que surpreende a todos e em muitos casos, passada a fase aguda, chocando o próprio agente do fato, em muitos, esboçando arrependimento. Esta oportunidade que falta em muitos tem que ser conhecida pela polícia e deveras trabalhada para que se mostre sempre ausente na pessoa e no grupo, pela constante vigilância não só da polícia, sobretudo, pela presença do Estado, edificada por quaisquer de seus equipamentos de oferta e de controle, inclusive, a judicial. Em razão desse ou daquele delito, é bom que se tenha em mente que o crime é globalizado e ainda que não pareça, existe uma farta conexão entre os diversos crimes, isto é, o cometimento de um ingênuo ilícito pode levar seu agente à prática de qualquer um de grandes repercussões, pois o mundo criminal é realmente globalizado. O crime é sempre uma forma de preencher um imaginário ou efetivo vazio na vida de alguém, mesmo que sempre resulte defasagem para outrem. O difícil para se prevenir é saber o vazio de cada um, sendo que hoje, o fato assume proporções mais complexas pois se torna necessário delinear o vazio de grupos, das gangues, devendo ir mais além, deve penetrar na cultura criminal que se corporifica.

Diante desses fatos de natureza tão antagônica, a expressão policial é simplesmente um aparato externo mínimo e que apenas é um componente que se estabelece ou se localiza no fim da meada dos agregados de valores humanos e que somente entra em ação ou se torna necessária quando algum elemento entra em plena defasagem ou já está em reta de colisão interna, vive um drama consigo próprio, um dilema entre a razão e o legal, portanto o efeito policial ocupa os vazios das pessoas ou do ambiente, preferentemente, antecipando-se à consumação do delito para que isso não aconteça ou, em última hipótese, para reprimir o crime perpetrado de forma que não se estabeleça a chamada impunidade que também faz gerar o desequilíbrio dos fatores, sobretudo, quanto aos aspectos que formam a censura moral.