Algemas, um elo com o retrocesso

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Usando da attribuição conferida pelo art. 102, § 12 da Constituição do Imperio, Ha por bem Decretar o seguinte Regulamento:

(Decreto Imperial 4.824, de 22 de novembro de 1871.)

Da prisão

“Art. 28. Além do que está disposto nos arts. 12 e 13 da Lei, a autoridade que ordenar ou requisitar a prisão e o executor della observarão o seguinte: O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo conductor; e quando não o justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de 10$000 a 50$000 pela autoridade a quem fôr apresentado o mesmo preso. O exemplar do mandado, a que se refere o citado art. 13, equivale á nota constitucional da culpa.”

.......

...“ninguém será submetido a tortura

nem a tratamento desumano ou degradante”; Artigo 5º , inciso iii Constituição/88

Texto na íntegra da Lei no 8.653 de l0.05.93

Dispõe sobre transporte de presos e dá outras providências.

Art. 1o. É proibido o transporte de presos em compartimento de proporções reduzidas, com ventilação deficiente ou ausência de luminosidade.

Art 2o. (Vetado).

Art 3o. Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.

Art 4o. Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, 10 de maio de l993; 172o. da independência e 105o. da República.

Itamar Franco

“Contenção, como ação policial,

é a concordância legal do verbo algemar” Mds

“ No então Brazil Colonia, outrora os grilhões,

Concebidos como castigo da escravidão,

No Brasil República, as algemas de contenção,

Em muitos casos, à revelia da Constituição.”

Algema (Def.) é o equipamento policial de emprego radical, eventualmente utilizado pela justificada necessidade de contenção de pessoas presas enquanto conduzidas sob custódia policial, se indispensável para superar uma força agressiva e limitar movimentos de elementos incautos e perigosos, durante suas translações, minimizando a possibilidade de graves reações e evasões ou resgate de presos os quais tenham praticado algum tipo de delito, imobilizando, convencionalmente, os membros superiores, e, excepcionalmente, os tornozelos e/ou impedindo a verticalização do tórax, assegurando a execução da lei, mediante justificativa.

A ação do verbo algemar tem como sinônimos os significados dos seguintes vocábulos entre muitos: repressão, coerção, coibição, coação, coagir, constranger, violentar, punir, castigar, penitenciar, sobrepujar, abater, reprimir, dominar, humilhar, prender, desacreditar, degradar, desmoralizar, às vezes conter, quaisquer deles, expressando uma grande opressão, um infinito obstáculo moral e um atentado à dignidade humana, uma contradição com o reclamado estado de direito enquanto afronta os princípios de cidadania. Um retrocesso.

A aplicação adequada da algema constitui o método mais eficiente de contenção, excelente medida preventiva, porém, se utilizada de maneira incorreta, pode oferecer perigo tanto para o policial como para o preso, além de causar infinitas repercussões contra todos, legal e moral. O emprego da algema é atentatório à dignidade humana e uma profunda ofensa à moral, é outra violência que remete aos sacrifícios da antiguidade, é degradante e ilegítimo, viola os princípios fundamentais da liberdade, fere, constrange, tortura e deixa sequelas no físico, na alma e na sociedade, confundido o poder de Polícia, apenas justificado nos termos da lei. Como regra geral é um meio substituível.

A qualquer tempo, a algema tem se mostrada uma forma disfarçada de tortura e que se faz às vistas de todas as autoridades e com o mais largo desrespeito às leis e à constituição atual. Virou uma praxe, um protocolo sem esteio. Uma atitude vulgar e inconsequente. Uma ação policial desrespeitosa, uma aberração. Esta espécie mesquinha de tortura agride com extensão e profundidade. Extensão porque fere o físico, tolhe a liberdade sem aplicação de pena anterior, e, profundidade porque maltrata o emocional, a alma, o moral e a sagrada opinião pública. Esta prática vulgar de algemar está sempre em contradição com a lei e causa embaraço para quem quer sempre seguir a legalidade enquanto contraria qualquer princípio de cidadania. É um incremento apelativo de policiais ou de instituições que visam mostrar serviço. Todos têm que se conter. A maioria dos presos não resiste às ordens de prisão, no entanto aqueles indivíduos são tratados como se causassem reação à ação policial, que de pronto imobiliza qualquer que seja o preso ou qualquer que seja a infração. Parece que é bonito desfilar com pessoas algemadas, como se fossem um troféu ou verdadeiros escravos de então, mesmo assim, à época da escravidão, era devidamente condenada pelo estamento legalista, cujas pessoas não se utilizavam diretamente do trabalho escravo.

Indiscutivelmente, a Algema é um instrumento de tortura. Uma vez algemado, a princípio, considera-se o preso ilicitamente dominado, ressalvadas exceções apreciáveis. O emprego da algema é atentatório à dignidade humana e uma profunda ofensa à moral. O uso da algema é outra violência que remete aos sacrifícios da antiguidade, é um despreparo, é degradante e ilegítimo, é um paradoxo, é abusivo, é despótico e insidioso e cruel, viola os princípios fundamentais da liberdade e a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana (Artigo 5.º - “Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento créis, desumanos ou degradantes”.), fere, constrange, tortura e deixa sequelas no físico, na alma e na sociedade, confundido o Poder de Polícia com o exercício arbitrário da lei. Como regra geral a algema é substituível. A despeito destas evidências, paradoxalmente, a algema é um equipamento que eventualmente se faz indispensável para garantir a ordem pública e a aplicação da lei, sempre como um processo de contenção, porém, quando justificável e por quem tenha o poder de aplicá-lo, isto é, praticado por quem legalmente lhe tenha sido delegado o poder de polícia. Também carece urgente de regulamentar o porte, o uso e modelos e suas versões, para legitimar esse instrumento de contenção como equipamento policial.

O ato de algemar não pode ser exercitado à revelia da lei, contrariando-a frontalmente pelo arbítrio policial, para a satisfação de pretensões ou interesses menores e subalternos, como um artifício arquitetado para execrar publicamente alguém de referência ante as lentes da imprensa, como forma de promoção pessoal, para mostrar serviço policial ou como manobra casuística para agradar adversário social ou político do custodiado e propositadamente execrado, desacreditando-o na sociedade, com posterior argumento de presunção de reação do conduzido, atitude policial que desmerece o menor acatamento público e jurídico. Existem pessoas, que pela sua história de vida ou condições físicas jamais irão reagir agressivamente e toda polícia e policiais conhecem esses entes e suas possíveis manifestações diante da ação legal de polícia. Entre dois ou mais policiais sempre se destaca um melhor informado o suficiente para diferenciar as possíveis reações das pessoas, distinguindo-as. O que dever ser observada é a execução da lei e/ou o estrito cumprimento da ordem judicial, jamais, o exercício arbitrário do poder de polícia, a qualquer pretexto. Contenção, como ação policial, é a concordância legal do verbo algemar.

A princípio, o emprego da algema deve restringir-se exclusivamente às prescrições legais, através dos agentes públicos com o poder de polícia na sua acepção, sobretudo, conhecendo todas as restrições de uso, jamais condicionado ao status social do preso ou custodiado, vinculando a isso, o degradante ato de algemá-lo ao não. Observado o aspecto legal, inferem-se, principalmente, as conotações de ordem humana, quanto ao seu abatimento moral e sua incolumidade física; a aplicação vincula-se, sobretudo, quanto ao seu ostensivo comportamento agressivo ou insubmisso da pessoa presa em razão de fortes indícios ou provas de haver cometido ilícito penal, decorrente do flagrante delito ou do mandado de prisão da autoridade judiciária competente nos termos da lei e da Constituição do País, jamais sob o arbítrio de se impor uma qualidade de simples suspeito para algemar alguém, pois, todos são inocentes, até prova em contrário, logo, o ato de algemar carece de critérios legais e humanos. Assim, portanto, não nos parece lícito que se possa algemar todo e qualquer agente de delito, até porque, mesmo em flagrante, entre outros benefícios, entre os crimes de ação pública, alguns são afiançáveis e vários dependem de queixa, e outros, quando decretada uma sentença judicial, não é necessariamente uma pena privativa de liberdade, portanto, todo este conjunto de circunstâncias deve ser levado em consideração na hora de algemar alguém. Finalmente, visto tudo isto, aí abrolha o “poder de polícia” preconizando irrestritamente o exercício legal da prática policial, que se relaciona diretamente com o cumprimento da lei, da ordem, do dever e da prudência profissional. Em alguns casos de prisão e consequente condução, é bom que se discuta com todo conduzido que na hipótese de qualquer reação ameaçadora, logo se administra o equipamento de contenção, as algemas, aliás, esta explicação deveria ser discutida com todo indivíduo logo ao ser preso, mesmo que não tenha esboçado resistência, portanto, enquanto não houver necessidade de conter ânimo eufórico, deve ser alertado sobre as razões do uso de algemas. Outro aspecto que deve ser levado em consideração quanto a necessidade de utilizar ou não as algemas é a própria segurança da autoridade ou do agente policial, a menos que exista contingente suficiente que interfira pronta e eficazmente.

Não se podem aplicar algemas indistintamente em qualquer pessoa conduzida ou presa, mesmo sob a acusação da prática de crime quando não se vislumbre uma justificativa inquestionável. Sua parcial imobilização deve sempre se relacionar com a efetiva possibilidade de imprimir fuga ou manifestar reação adversa e resistência ativa à ordem de prisão e sua condução. Quem empregar algemas fica sujeito a um ônus elevado, portanto, sempre que possível, é prudente e indicada uma prévia solicitação de instruções específicas a um escalão superior, para que a censura e consequências finais sejam compartilhadas com quem ajuizar e autorizar. A Súmula Vinculante nº 11/08 do STF limita o uso de algemas a casos excepcionais (texto ao final).

Sempre que possível, independentemente de qualquer circunstância, o emprego da algema deve ser suprimido, devendo ser substituída por outros métodos que garantam o domínio sobre a pessoa presa e mantida sob custódia, o pleno controle e sua consequente condução, mas tudo isto vincula-se a uma possibilidade efetiva de empreender ou não fuga, reação ativa ou ser resgatado por grupos criminosos, porém não se admitindo a presunção da resistência.

Podem funcionar na direção de evitar o emprego das algemas: o tipo de delito praticado, a obediência e o caráter passivo da pessoa do preso, a solicitação de comportamento passivo para evitar emprego de algemas, o número de indivíduos, a presença de dois ou mais policiais, o uso de técnicas de força física condicionada por treinamento, o porte físico do policial em função da compleição física da pessoa do preso, a viatura xadrez da patrulha local, um ambiente fechado com acesso de fácil controle enquanto aguarda apoio entre outros mecanismos e equipamentos que podem ser implementados, tudo conforme as circunstâncias do local, do tempo e das peculiaridades sociais onde o fato tenha ocorrido; esta atitude cidadã do policial não tem espaço quando o indivíduo de pronto se mostra agressivo, tenta uma fuga, não obediente ou muito irreverente ou apresentou uma forte reação à polícia antes de efetuar a prisão do elemento; mesmo assim, o emprego da algema deve ser feito com moderação, sem arbitrariedade e sem sadismo, sempre adstrito aos limites da legalidade, da impessoalidade e da moralidade. Como matéria jurídica, o emprego ou uso da algema, inclusive seu porte, ao longo dos tempos tem se mostrado uma concepção refratária pelos poderes do governo, pois as inúmeras propostas não ultrapassam a esfera de anteprojeto, ficando o assunto disperso apenas implicitamente em algumas legislações, exceto no Código Penal Militar que faz referência vagamente. Ao final, seguem algumas legislações relacionadas com esta matéria. Na verdade o uso da algema é um tema muito delicado, aliás, também muito controvertido nas figuras dos seus defensores e críticos, mas, todos igualmente merecem ser respeitados, pois na verdade, quando o assunto é algemar alguém, a lei é vacante.

É sempre contra indicado conduzir presos algemados a pé através de longos percursos, desfilando pelas ruas, pois o visual e muito degradante e humilhante e a cena é por toda reprovada pela censura pública, pela sua característica retrógrada que logo remete ao tempo medieval, e, se assim for, no mínimo pode-se chamar de espetáculo macabro. A população reprova, repudia e considera uma selvageria inexplicável que retrata uma época de uma polícia então desequipada e ainda despreparada. Algemar alguém é uma tortura com perfil medievo que retrocede à retórica da truculência policial de um passado longínquo e contrasta com os altos investimentos na área de segurança e com a propalada formação em academias policiais, sobretudo, confrontando com as concepções modernas como o radar, a computação, a máquina e com a época das comunicações, tudo como tecnologia de ponta a serviço da segurança pública, portanto, sem justificativa. Igualmente não é aceitável o fato de se algemar pessoas aos postes, às árvores, e outros obstáculos, mesmo sob a alegativa enquanto aguarda reforço.

Na necessidade de se conduzir a pé uma pessoa algemada, pelos mesmos motivos depreciativos acima relatados, o preso não pode ser colocado muito à frente dos policiais, distanciados para evidenciar a pessoa algemada, numa demonstração de humilhação pré-concebida. O preso deve ser colocado sempre entre policiais e quando se tratar de um único agente da lei, o conduzido será colocado no lado esquerdo ou direito do policial, cujo flanco não exista revólver ou qualquer outra arma, segurando-o pelo braço.

O emprego e a manutenção das algemas em preso só se justificam enquanto por outros meios não se torne possível dominar a situação para não caracterizar uma arbitrariedade, e, tão logo aconteça a superação, o preso deve ser liberado do sacrifício das algemas, portanto, cessadas as causas, cessam os efeitos.

A algema não deve se constituir um processo vulgar, discricionário, arbitrário, mediévico e humilhante de se tratar com indivíduos presos; em nenhuma circunstância justifica uma pessoa presa ter que prestar depoimento sob o efeito e pressão das algemas, mesmo que se mostre eventualmente agressivo, para que não se configure constrangimento ilegal e abuso de autoridade que preside o ato, pois pode caracterizar coação, constrangimento e cessação de defesa plena; nesta ocasião é preferível que se interrompa a lavratura do auto, justificando o motivo e de tudo lavrando termo circunstanciado, interrompendo a sessão, enquanto o elemento volta à calma, mudando de humor, passando a raciocinar com lógica, até porque a imprudência das partes gera clima pesado, podendo contrariar as figuras da ampla defesa e do contraditório, quando for o caso e anular até julgamentos, nos termos da Súmula Vinculante nº 11/2008 do STF. Para isto é que existem a ciência da psicologia e as técnicas de persuasão. É bom que se saiba que quando alguém é submetido ao vexame da algema não pode se mostrar calmo, satisfeito, emocionalmente controlado e reagir com toda passividade; isto cria uma indignação, uma mágoa, externando-as diante da inquirição detalhada, sobretudo, pela opressão das algemas que o revolta. Não são os pulsos que doem, é a sensibilidade ferida que sangra. Prestar depoimento algemado, repito, é outra violência que remete aos sacrifícios de uma era muito antiga, em que o acusado era que tinha que se acusar. Algemado diante de uma inquirição, a melhor opção é ser réu confesso para logo sentir-se livre, pois a liberdade tem a mesma dimensão da vida. Quem se encontra algemado não pode se defender, este direito fica cerceado, tolhido mesmo. O fato da autoridade mostrar-se ofendida pela revolta de um preso nestas circunstâncias e se determinar em autuá-lo em flagrante, isto é apenas querer complicar a situação; isto são apenas pequenos incidentes de rotina que devem ser relevados e convenientemente superados, para isto é que o Estado investe e exige boa formação para assumir importantes e difíceis cargos na justiça e na polícia, para a delegação de poderes.

É bom que se saiba que todo ato de prisão é traumático, gerando conflito pessoal e de identidade, talvez, nesses momentos o elemento faça uma análise de todo seu passado em frações de segundo, reprovando-se e migrando seu pensamento para o melhor futuro por ele antes nunca imaginado ao longo do tempo e tudo isso lhe causa questionamento, revoltando-se, até porque muitos sonhos ali serão esvaziados e, prontamente conscientiza-se das reprovações da família e daqueles que lhe são caros, portanto, reagindo inoportunamente, sobretudo, ante a aplicação das algemas, às vezes, sem o amparo da lei. Antes de se tomar uma medida radical contra quem se manifeste desequilibrado emocionalmente por ocasião de um ato processual, é bom que se coloque no lugar dele. Não se trata de omitir-se, mas de reconhecer o difícil momento e conduzir-se com humanismo e elevação, prudência e harmonia, além de externar sempre um gesto superior, mesmo que não se arrede dos parâmetros legais.

A legislação se torna necessária não para legalizar um ato de tortura, pois o emprego da algema assim o é, mesmo que legal, no entanto a lei também existe para conter os abusos policiais ou de qualquer agente do Estado, para reprimir arbitrariedade, responsabilizar infratores, exigir formalidades anteriores e posteriores visto que o uso deste equipamento de contenção é tão danoso aos sentimentos humanos quanto é a maioria dos crimes contra a pessoa, sendo todos igualmente da competência do Estado. Ninguém discorda que a algema além de ferir os pulsos e o físico como um todo, deixa mágoas emocionais, enquanto enseja sequelas no tecido social, causando uma chaga incurável. Portanto, a algema, que é um instrumento de contenção e ao mesmo tempo também uma forma de castigo, é um grande desrespeito físico e moral também a qualquer presidiário, custodiado ou detento como pessoa humana, sobretudo, de quem apenas ainda não foi sequer acusado formalmente por quaisquer crimes, e, que digam aquelas pessoas contra as quais, maldosamente insurgem-se argumentos insubsistentes de apenas “elementos suspeitas”. Prender alguém como suspeito vem se tornando uma prática habitual, um fato de rotina, mas ilegal, praticada sob o manto da impunidade e com o beneplácito de certas autoridades, inclusive, certos policiais utilizam este humilhante gesto, numa atividade para ingressar na mídia, em busca de notoriedade artificial, aplicando o chamado “mostrar serviço”, sobretudo, quando na frente das câmeras.

A algema não é um presídio, mas é uma forma de prisão em um cárcere que se faz em público, portanto, expondo a pessoa ao ridículo e até a um grande sacrifício físico em potencial, ferindo o princípio constitucional e o sagrado direito de ir e vir que se fundamenta, que constitui e configura a liberdade do cidadão, muitas das vezes ocorrendo a contenção sem qualquer mandado judicial e sua necessidade não se caracteriza pela figura do flagrante de uma prática delituosa, mas sim, pelo comportamento de reação do indivíduo, logo a contenção não poderá ocorrer por livre arbítrio e comodidade de quem pratica uma prisão. A algema não pode ser empregada para atender as conveniências do policial, mas para impor o acatamento à lei, quando fizer necessária.

A lei deve, além de regular o emprego, logo responsabilizar os incautos que utilizam este instrumento como usurpação do poder, às vezes para uma estranha satisfação pessoal. Considerando que o ato de algemar deve decorrer de uma necessidade para garantir a aplicação da lei, jamais, uma faculdade que pode ou não fazer uso, que, ao final, deve sempre ser justificado formalmente e consequentemente avaliado. A despeito de todas as evidências paradoxais e da conjuntura humana, a algema é um equipamento que se faz indispensável a qualquer instante, para assegurar, eventualmente, a tranquilidade pública e todo exercício que decorra da lei e da ordem judicial, ante às reações que conflitem.

No Brasil, onde se reclama muito o exercício do Estado de Direito, as pessoas que cometem pequenos crimes logo podem sofrer as condenações abusivas pelo ato de serem algemadas a partir do momento de qualquer prisão, sobretudo, contra aquelas de parcos recursos. Em muitas dessas prisões nas vias públicas, as pessoas são prontamente algemadas, até pela prática de pequenos delitos afiançáveis e outras apenas por terem sido estigmatizadas como elementos suspeitos, indicadas por erro ou por maldade do agente da prisão ou por outros acusadores, ainda que quaisquer delas não tenham condições físicas ou a convicção de empreender fuga ou reagir ativamente e tenham acatado passivamente a ordem de prisão. A imprensa tem mostrado pessoas reconhecidamente passivas sendo conduzidas algemadas pelas polícias. Nestas circunstâncias, algemar é um procedimento abusivo que contraria disposições constitucionais e outras de ordem legal. Antagonicamente, o emprego destas algemas ocorre contra acusado preso processual até durante seu interrogatório, talvez como forma de obrigar uma “confissão de livre e espontânea vontade” ou “talvez” para não “renunciar” às garantias de ampla defesa a que tem direito. Para completar o quadro de humilhação, ainda são submetidas a toda sorte de execração pública, sem o menor disciplinamento da matéria, sendo comum, ante à televisão, ao fundo do quadro, a exposição de um distintivo contendo o nome da polícia autora da façanha. O medo é que especialmente o emprego da algema seja inoculado no campo do direito adjetivo com recomendação para todas as ocasiões, sem fazer exceção, nivelando todos por baixo, legalizando uma prática prematura de condenação, retrocedendo à era da Idade Média, como forma de mostrar um procedimento processual enérgico, discricionário, discutível e repressivo exemplar, tudo de cunho legal, porém, ilegítimo, ainda que isso plausivelmente seja contraditório, vexatório, humilhante, traumático e precipitado, apenas porque o Estado, modernamente, através de seus sistemas de segurança, esteja perdendo o controle da violência, chegando às barras da insegurança, mas que precisa de alguém para servir de cobaia. A algema não pode ter seu emprego generalizado para todos os tipos de ocorrência, senão, quando justificável pela contenção. O emprego da algema como instrumento de retenção de ânimos é uma questão aberta e que exige uma legislação madura, urgente, compatível com a decantada cidadania, adequada ao sentimento e à integridade física e moral da pessoa humana, equivalente ao próprio delito praticado e justificável pela capacidade de resistência ativa, além de prevenir o exercício abusivo de poder. A algema é um instrumento de humilhação, quando não é usado como justificada contenção.

Nos idos de 1986, tramitou no Congresso Nacional, um projeto de lei do Senado da República de no 241, disciplinando o emprego da algema; está na hora de rever aquele projeto para conhecer os avanços de então e adequar à realidade e à Carta Magna presentes. Até que o emprego da algema seja devidamente disciplinado, sugere-se conhecer com profundidade a seguinte legislação: Código Penal – art. 146, 345 e 350; Código Penal Militar: art. 222; Código de Processo Penal: art. 284 e 295; Código de Processo Penal Militar: art. 234 § 1o e art. 242; Lei de execução Penal no 7210/84, art. 199, e, o inciso III do art. 5o da Carta Magna do País. Na verdade, a sociedade brasileira não pode pagar por este descaso público, como também não acata esta condenação sumária, prematura, hedionda, gratuita, com tratamento desumano e degradante, até porque qualquer um poderá estar sujeito a este tipo de constrangimento, ao praticar delito até como legítima defesa, sendo prontamente algemado, inclusive, execrado publicamente, mesmo estando ao lado de sua família, tendo sua imagem veiculada na imprensa, sem que ainda tenha iniciada qualquer apuração da acusação que lhe é imputada, às vezes sem a menor prova. A propósito, é bom lembrar que ainda no tempo do Segundo Império, durante o século XIX, mesmo enquanto a vigência do escravismo legal, quando então usavam grilhetas, pelourinho, troncos e outros meios bárbaros de retenção e castigo, portanto, uma época muito aquém do atual “progresso” e concepções humanitárias modernas, paradoxalmente, ali foi editado Decreto nº. 4.824 de 22 de novembro de 1871, Art. 28 que mitiga o então código Criminal, dispondo que presos não podiam ser conduzidos com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso de extrema segurança, o que tinha de ser justificado pelo condutor, sob pena de multa. Modernamente, em matéria de algema como direito processual, quantas ilações desperdiçadas sobre o uso e aplicação deste malfado instrumento de injúria que afronta a memória das gerações conservadoras, ultraja a sociedade, deprime o indivíduo, confronta com os princípios que regem a Declaração Universal dos Direitos Humanos, enquanto os defensores da legalidade calam e silenciam diante de uma ilegalidade e um despotismo, sobretudo, pela falta de iniciativa de quem tem a competência da guarda da Carta Magna, em fazer prevalecer os parâmetros constitucionais.

Emprego da algema: não existe uma regra, mas na sua ausência, o discernimento policial fala mais alto, portanto, alguns casos são legítimos, vejamos:

a. conduzir delinquentes presos que ofereçam resistência ou tentem fugir;

b. conduzir elementos que ponham em risco a integridade física ou moral própria e de outrem;

c. conduzir elementos agressivos ou presos exaltados, cujo estado de ânimo torne indispensável o uso da força discricionária;

d. transladar infratores já custodiados, entre uma e outra localidade ou entre dependências ou para apresenta-los às autoridades, prevenindo evasão ou resgate em potencial, se o emprego for justificável;

e. Imobilizar e conter forças físicas agressivas.

Uso desaconselhável da algema:

a. mulheres, quaisquer que sejam, sobretudo, grávidas e idosas na forma da lei;

b. crianças e adolescentes;

c. anciões;

d. deficientes visuais e deficientes físicos aparentes, sobretudo, tetra ou paraplégicos;

e. deficientes mentais pacíficos;

f. religiosos representantes de igreja, sobretudo, paramentados;

g. aqueles que estejam utilizando algum tipo de uniforme, de qualquer organização;

h. portadores de doenças e moléstias aparentes que se presuma debilitados;

i. pessoas que tenham algum membro amputado ou esteja provisoriamente imobilizado;

j. pessoas conhecidas que a população as considere como extremamente pacíficas;

k. pessoas que a sociedade as tenha como seu patrimônio pela prestação de relevantes serviços;

l. pessoas que mesmo tenham cometido algum crime, mostrem-se pacíficas;

m. pessoas em avançado estado de embriaguez ou com quaisquer formas de inconsciência.

n. aqueles que ainda estejam convalescendo de intervenções cirúrgicas;

o. as pessoas referidas na legislação processual com direito a prisão especial;

p. aquele que voluntariamente clame ou implore para não algemá-lo sob compromisso de não reagir.

Mulher = “Algemar uma mulher famosa, formosa, bela ou desprovida de beleza, idosa ou jovem, ébria ou lúcida, instruída ou analfabeta, grávida ou qualquer que seja o seu estado, a princípio, é um grande e desrespeitoso acinte, um grave deboche a quem nos deu origem em seu ventre, mais do que isto, é um flagrante despreparo profissional e um desrespeito às convicções que todas as pessoas têm, historicamente, sobre o ser feminino, à sua graça, à sua meiguice, à sua fragilidade física e à sua força de mãe. Atenta contra o espírito materno, a tudo que o mundo se rende perante a presença da mulher e a tudo o que o universo feminino representa para o crescimento não só de qualquer nação, mas também para todas as pessoas, filhos, pais, irmãos, maridos, patrões. Igualmente atenta contra Maria, a mãe de Jesus Cristo e para toda e qualquer mulher como ser humano e social, independentemente do clichê de “sexo frágil”, pois verdadeiramente, as mulheres são muito mais resistentes que a concepção do homem, como assim se refere o poeta francês Victor Hugo em seu belo poema “O homem e a Mulher” e são mais obstinadas que qualquer policial despreparado para as missões, pois têm discernimento instantâneo e capacidade de iniciativa diante de qualquer fato”.

Qualquer quadro ou espetáculo triste na via pública, formado por uma ou mais pessoas algemadas, estabelece um hiato entre a vontade de crescimento da sociedade moderna e o penoso ato de contenção em que o Estado é o autor. Quando se tratam de dois ou mais indivíduos algemados, se não se versar de um ato abusivo da polícia, pelo menos, a sociedade pode presumir, ainda que não seja e quase sempre não o é, que envolve grupos eivados de vício, com elementos de preocupante periculosidade, os quais podem estar constituindo quadrilhas com o propósito de causar grandes males às pessoas, pela prática de quaisquer crimes, fato que pode legitimar a aplicação de ferros pela polícia como dispositivos para conter possíveis recalcitrantes.

Agora, quando a prática de algemar é aplicada apenas sobre uma pessoa, o fato é visto com certa desconfiança por aqueles que presenciaram o humilhante quadro e a degradante cena pública, pois, em se tratando de uma só pessoa, há de compreender que a aplicação de força física pelos policiais poderia ser mais eficiente e condigna com o desejado respeito ao ser humano, portanto, utilizando práticas mais convincentes. Na verdade, a aplicação deste retrógrado método de contenção policial, pode ser até eficiente, mas leva às aspirações medievais, portanto, convém que a própria sociedade, por seus representantes, se mobilize no sentido de buscar argumentos e práticas policiais mais técnicas que possam suficientemente substituir as algemas com toda equivalência, mesmo que tenha que pesquisar na ficção e na utopia, na hipótese da eletrônica e da cibernética se ainda não encontrarem respostas atuais. Talvez isto possa explicar o comportamento refratário das autoridades federais em não terem dado cumprimento o que está preconizado no art no. 199 da Lei de Execução Penal, Lei no 7.210 – de 11.07.1984, que assim se refere no seu texto: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”. Como o art. no. 199 da LEP não foi regulamentado em tempo hábil, caducando em relação a atual Carta Maior, agora, que o novo processo legislativo constitucional não admite a aprovação de decretos, compete ao poder legislativo federal regulamentar o dito artigo 199, e como o assunto é muito delicado e controvertido, acredita-se que esta indefinição vai perdurar por outro longo período. A aplicação de algemas não maltrata só pelo visual que inflama as opiniões dividindo as concepções, degradando e estigmatizando a pessoa do algemado, mas também por deixar marcas indeléveis no âmago e na alma dessas pessoas, ferindo brios e sensibilidade, mesmo que se trate de um elemento que esteja sub-judice.

Em se tratando de algemar uma única pessoa, onde o quadro sempre se mostra repudiado, em razão de se entender que o processo poderia ser substituído, portanto, antes de aplicar as algemas, o policial reflita quais as suas implicações de toda ordem, principalmente o impacto que pode causar na sociedade. Não se pode imaginar como sendo uma medida coerente a aplicação de algemas nos pulsos de uma pessoa presa, quando esteja ladeado por seu defensor, trajando formalmente, acompanhado por seus familiares e por um bom contingente de policiais bem armados e equipados com viaturas e aeronaves, principalmente, quando preso, ainda que tenha cometido um crime punível pela justiça, mas se trata de uma pessoa passiva, incapaz de esboçar uma reação física, portanto, por si só, já se mostra contido. Com referência a aplicação de algema numa pessoa, ela pode ser assim analisada: quando seus braços são dispostos para trás, isto impõe ao indivíduo um curvamento corporal para frente, transparecendo um abatimento moral, uma submissão, uma postura física degradada, sugerindo aparência indigna; quando o indivíduo foi algemado com os braços para a frente, isto sugere que a intensão pode ser de tornar mais ostensiva a situação de preso e algemado, para que a imprensa tudo focalize e que todos tomem conhecimento do seu abatimento moral. A algema não pode se tornar uma forma de pena ou prévio castigo aplicado pela polícia, antes de qualquer julgamento e sentença judicial. Nisso, a polícia brasileira precisa evoluir, sem deixar de cumprir seu papel e continuar algemando quando amparada pela lei.

Quando a iniciativa de utilizar as algemas para conter o elemento preso não tenha sido exclusiva do policial que tenha efetuada a prisão, mesmo com resistência, também deverão ser consignados o motivo, o nome e o cargo da autoridade que determinou a utilização de força ou outro constrangimento permitido em lei.

Legislação pertinente:

“Decreto Imperial:

Decreto 4824/1871 | Decreto nº. 4.824, de 22 de novembro de 1871.

Regula a execução da Lei nº 2033 de 24 de Setembro do corrente anno, que alterou differentes disposições da Legislação Judiciária. Citado por 11

A Princeza Imperial Regente, em Nome de Sua Magestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, Usando da attribuição conferida pelo art. 102, § 12 da Constituição do Imperio, Ha por bem Decretar o seguinte Regulamento:

CAPITULO I

CAPITULO III

Do Processo Criminal

SECÇÃO I

Da prisão

“Art. 28. Além do que está disposto nos arts. 12 e 13 da Lei, a autoridade que ordenar ou requisitar a prisão e o executor della observarão o seguinte: O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo conductor; e quando não o justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de 10$000 a 50$000 pela autoridade a quem fôr apresentado o mesmo preso. O exemplar do mandado, a que se refere o citado art. 13, equivale á nota constitucional da culpa.”

11ª Súmula Vinculante do STF limita o uso de algemas a casos excepcionais.

STF Súmula Vinculante nº 11 –

Sessão Plenária de 13/08/2008 - DJe nº 157/2008, p. 1, em 22/8/2008 - DO de 22/8/2008, p. 1

Uso de Algemas - Restrições - Responsabilidades do Agente e do Estado – Nulidades.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal aprovou, nessa quarta-feira (13), a 11ª Súmula Vinculante, consolidando jurisprudência da Corte no sentido de que o uso de algemas somente é lícito em casos excepcionais e prevendo a aplicação de penalidades pelo abuso nesta forma de constrangimento físico e moral do preso. O Tribunal decidiu, também, dar a esta e às demais Súmulas Vinculantes um caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas com base nesse entendimento do STF não caberá recurso.

É a seguinte a íntegra do texto aprovado:

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”.

Diante de qualquer questionamento ou ilação sobre o emprego do equipamento algema, que prevaleça o sentido da lei no seu legítimo entendimento.