Ingredientes do crime

Sem agente do crime ou sem arma não haverá vítima de alguns delitos. Para não acontecer o delito é necessário que se quebre em tempo hábil a cadeia delituosa enquanto em formação, pela supressão de pelo menos um ingrediente; decompor essa cadeia é o início da prevenção.

“O crime é o resultado de uma perfeita conexão de componentes que interagem em cadeia, sem que haja interrupção, perpetrando um fato delituoso, casual ou desejado”.

Há uma tese de que a polícia inicia seus trabalhos com o conhecimento da noticia criminis e conclui quando responde ao Heptâmetro de Quintiliano, a saber: Que? Quem? Quando? Como? Onde? Porque? Com que meios? Vejamos: Que, o fato; Quem, os protagonistas; Quando, o tempo, dia e hora; Como, a forma, o modus operandi, o modus faciendi; Onde, o local, o ambiente; Porque, o motivo; Com que meios, os instrumentos do crime. Sem dúvida, a princípio, isto se refere mais especificamente à chamada polícia científica, sobretudo, à investigação criminal, porém, igualmente aplicável noutros setores da segurança pública, visto que aquela assume o patrocínio de desvendar o crime já perpetrado, para que não se consagre a via da impunidade. De um modo geral, às Polícias incumbem a prevenção como missão principal além de outros encargos no campo repressivo, logo, seria difícil entender a existência de qualquer instituição policial apenas para a prática de atos decorrentes dos fatos delituosos, como seria cuidar exclusivamente da apuração, ou se especializando somente em atender aos chamados da população por intermédio de suas centrais telefônicas ou outras mídias eletrônicas, o que hoje está se tornando uma praxe de alguns segmentos policiais. Estes grupos policiais estáticos, alguns deveras paramentados e eficazmente armados para outra guerra, ainda que destinados para o atendimento às ocorrências de rotina, os quais ficam esperando que os fatos delituosos aconteçam para uma oportuna interferência, às vezes tardia, inepta, cujo procedimento inicia só depois da segurança nocauteada, quando pouco resta a fazer, pois, desrespeitos às leis, violências físicas e morais, prejuízos materiais, lesões e mortes já ocorreram, só restando à sociedade assumir o ônus de mais um crime evitável, e as famílias, que estas sofram as perdas e os danos irreparáveis, pela indiferença do Estado. Enquanto isto, o crime permeia pela sociedade, mantendo-a refém da violência dentro de suas próprias casas, fato que compulsoriamente mostra uma falsa redução dos índices das estatísticas das vítimas do crime para o deleite de algumas equivocadas autoridades da segurança pública; sem controle, a delinqüência impõe um clima de medo e de submissão a todos, do que se pode concluir é que as pessoas atemorizadas e em cárcere domiciliar não completam o ciclo da convivência urbana reserva a todos, que se pode definir como sendo: o lar, o lazer e o labor, reservando-se às suas obrigações para se manterem vivas com um mínimo de satisfação, mantendo-se limitadas no exercício do direito de ir e vir excessivamente limitado, contribuindo para diminuir os índices das estatísticas da violência.

Para o Estado e para a população é menos oneroso prescrever os caminhos da prevenção a esperar que as vítimas clamem por socorro policial fantasioso, sempre em vão. Prevenir será sempre o princípio e o fim. Parece-nos que o sentido de polícia nos tempos modernos não é só prender, mas prever e evitar, pois até a justiça já evoluiu na direção de seus julgamentos, conforme o fato, apenando com sentenças, digamos, mais sociais. Ingredientes do Crime podem ser definidos como sendo os componentes de uma fórmula para compor o que podemos chamar de Cadeia do Delito. Estes ingredientes, os quais podemos declinar seus nomes, praticamente encontram-se visíveis na maioria dos ilícitos penais e potencialmente convivem sem sintonia na rotina da convivência humana, em órbita nos ambientes, mas, por um acidente de percurso podem se alinhar causando ilicitudes penais, portanto, eventualmente articuláveis.

A criminalidade que em um determinado momento pode ocorrer nas mais diversas ambiências desencadeia-se num ritmo frenético, às vezes com caráter irreversível em algum território dominado pelo avanço da delinqüência, pela ausência do Estado como um todo, principalmente, a medida em que seus autores não se deparam com barreiras ou não encontram dificuldades suficientes para interromper o desfecho de certos atos de violência ou insegurança, contra qualquer crime, pela necessária quebra da cadeia delinqüente, isto é, algo que estabeleça a fissura do sistema criminoso, quer por razões de renúncia instantânea de cada possível autor em tempo hábil, demovendo-se, quer por um chamamento apelativo de quem sabe tomar iniciativa nas horas difíceis ou por ações e reações policiais relativas a cada tipo de crime, sobretudo, antecipando aos fatos. Se a delinqüência se propagar por não encontrar oposição quanto à sua instalação, seus autores passarão a se constituir uma instransponível barreira contra as atividades da polícia, invertendo os papéis, que, por algum tipo de imposição, a população local passa a aceitar e a acreditar no crime como solução pragmática para os seus problemas do cotidiano, até por falta de opção, ocasionando cumplicidades e precipitações, já que o Estado se posiciona à distância, a exemplo de quem pratica justiça pelas próprias mãos.

Ingredientes do Crime ou Cadeia do Delito ainda é todo aquele conjunto de ingredientes coexistentes no ambiente de qualquer pessoa ou pessoas, e uma vez tudo alinhado em razão de uma omissão policial, e, pelo surgimento de um estímulo ocasional, por um arranjo intelectual ou por uma predisposição inconseqüente, é provável que resulte na consecução de um fato delituoso objetivado ou imprevisto. É a química do delito em via de ebulição, e, como numa reação química que é irreversível, assim também acontece com a prática do crime, portanto, igualmente no delito perpetrado não existe retrocesso muito menos reparo, é como uma flecha lançada, que também não “volta atrás”, só restando o exercício da prática policial para a adoção das medidas legais que cada caso requer, e, uma vez configurado o delito, o estrago é de difícil reparação, pois os danos causados pelos crimes são irremediáveis, depondo contra a qualidade da segurança, visto que o aparelho policial não se mostra eficiente para prevenir o fato-crime, podendo assumir proporções incontroláveis face à letargia policial. Cada delito representa uma seqüela no tecido social. Alguns delitos têm suas cadeias formadas por ingredientes próprios ou específicos, mas sempre guardando relação de afinidade com a prática de outros crimes, facilitando as suas investigações e as iniciativas preventivas. Muitos atos delituosos apresentam semelhantes componentes nas suas cadeias, diferenciando apenas as circunstâncias e os autores, pois a vítima sempre é a mesma, isto é, a sociedade. Todos estes ingredientes ou elementos convivem nos seus espaços próprios, mantendo-se desconexos, latentes, cada qual no seu lugar, conservando-se independentes nos mais diversos ambientes enquanto não incitados, mas, se quaisquer deles venham experimentar um estímulo, é possível o desencadeamento da ocorrência, pois, o fato torna-se potencialmente factível. É como se brotasse um quadro de atração causando o alinhamento de todos, estabelecendo uma Relação Vital. Logo, tudo pode entrar em erupção, aflorando um processo de difícil controle, pois a conexão de todos é sempre muito célere, e já neste estágio, fugindo ao controle policial. Talvez seja como popularmente se diz popularmente: “quando surge uma briga logo aparece uma faca”. Existe um número básico de componentes com citação a seguir, os quais são considerados necessários para ocorrer o delito, tudo decorrente do já referido alinhamento destes ingredientes, cujo crime torna-se quase que inevitável em razão destes componentes terem se posicionados na rota do delito, no entanto, certos ilícitos podem comportar e exigir um arranjo de outros elementos para a formação da cadeia delituosa. Mas, mesmo diante de todos os desfechos dos mais variados tipos de crime, nem tudo está perdido e não há motivo para desespero, a esperança é sempre uma força motriz e ainda é possível que exista uma luz no fim do túnel, indicando uma saída honrosa, ainda que tudo possa ser fruto da inoperância policial, negligência que merece pronta reparação. O importante é que o problema está sendo identificado, pois, na necessidade brota criatividade, enquanto emerge a solução. O que não podemos é ignorar os fatos e nem desanimar, porque o pessimismo é um bloqueio que interfere no resultado. Da mesma forma não é honroso ficar passivamente aguardando que os crimes aconteçam para proceder ao devido atendimento, após uma comunicação por telefone. Em última hipótese até achamos que isto também colabora, mas não vale como procedimento policial que busca o anseio da população que é a tranqüilidade pública. A meta é viver sempre com menos crime. O melhor seria que toda polícia estivesse sempre do outro lado da linha telefônica onde acontecem os problemas, ocupando o espaço, não para flagrar, mas para evitar, isto é, já se encontrasse presente com a bandeira da prevenção, antes da ocupação pela prática delituosa. Quando a capacidade criadora vem à tona, superam-se as dificuldades, sobretudo, se à fértil imaginação policial podemos conciliar a estatística disponível, o campo da pesquisa, as boas técnicas profissionais e a vontade pessoal em resolver as questões; Agindo isoladamente, não se chega a lugar nenhum, senão ao fracasso. A iniciativa com maior criatividade da polícia ainda é a prevenção. Quando a estatística assinala que num determinado local ou num considerado tempo ou ocasião está ocorrendo certo número de delitos de qualquer espécie, é um indicativo de que algo está defasado no destino da segurança pública e que o erro evidenciado com números também está igualmente apontando na direção de uma medida ou iniciativa que possa contrapor as causas e seus agentes. Ao lado de um problema de violência se encontra uma boa resolução, basta interpretar o fato para identificar a solução, tal como acontece com as doenças, cujas vacinas são produzidas a partir dos próprios microrganismos que causam a mesma moléstia, e uma vez inoculadas nos indivíduos sadios, previne-se o mal. Portanto, em alguns casos, a terapia pode ser produto da própria enfermidade. Deste modo, é necessária que se estabeleça esta Relação Vital de causa e efeito para se elaborar procedimentos policiais preventivos confiáveis e exeqüíveis, interferindo na conexão dos seus ingredientes. Exemplificando, digamos que há registro de episódios criminosos cujos agentes tenham praticado com a utilização de arma de fogo, portanto, o que se pode deduzir é que a polícia mostra-se acomodada, e que a ordem pública necessita de ampla assepsia na formação dos seus quadros, e, simultaneamente, que se proceda uma urgente e constante campanha de desarmamento para todos os tipos de arma, de arsenal material ou imaterial, busque a identificação dos motivos de alguém andar armado e que se faça uma avaliação da extensão das conseqüências dos delitos como apelo maior, caso contrário, as estatísticas encerram somente os números e que o registro dos fatos não despertam nenhum interesse, como se os dados estatísticos não fossem uma linguagem de socorro, logo, sem qualquer finalidade esta computação torna-se um trabalho perdido e improdutivo enquanto oneroso, o qual apenas pode colorir os gráficos dos relatórios no final do ano, comparando alguma redução em determinado número selecionado, nem sempre confiável, pois as ações policiais efetivas na suposta redução na curva da violência mostram-se relativamente tímidas.

A polícia, administrativa ou a judiciária ou ambas podem fazer previamente a decomposição de toda e qualquer cadeia delituosa, separando todos os componentes, estudando-os individualmente, de forma a mantê-los sempre desalinhados através de iniciativas eminentemente preventivas, conservando-os aparentemente harmônicos, mediante efetivo controle, mas, sempre eqüidistantes, preferentemente defectível pela supressão de quaisquer deles, quer pelo estado de inércia ou passividade dos presumíveis agentes, inibição por uma forte censura, presença policial ou pela neutralidade. Para prevenir, é necessário que a polícia tenha conhecimento de toda a cadeia e suas circunstâncias; sem informações, o órgão policial não é capaz de prever aquilo que desconhece. Portanto, para a prevenção é cogente conhecer a via que pode levar ao desfecho do delito e à sua compulsória frustração. A polícia não pode deixar de conhecer todas as fases ou estágios que culminam com a prática do crime, podendo simular estágios e prever ingredientes mais evidentes que entram na composição de delitos sazonais ou com prática mais acentuadas no tempo ou no espaço em que se encontra; qualquer estudo pode levar à inibição de potenciais delitos e de outras violências de rotina, o que já é muito meritório. Sabendo percorrer estes caminhos, torna-se mais fácil evitar que um fato delituoso torne-se factível. Isto compreende uma vítima a menos e a preservação da liberdade de mais um, onerando menos os cofres públicos que já estão exauridos por terem que arcar com as altas dívidas da criminalidade entre manutenção de presidiários, cárceres, instituição judiciária além dos órgãos policias e outros que fazem parte do concerto que têm como finalidade a manutenção da ordem e a prática da lei e da cidadania para um melhor equilíbrio da sociedade.

O estudo da Cadeia do Delito objetiva decompô-la para que a polícia possa atuar num ou noutro componente em tempo oportuno, de forma a criar técnicas específicas de prevenção, minimizando esforços e maximizando resultados. Se o estudo revelar um foco capaz de se isolar ou manter separados os componentes, para não definir a rota de alinhamento dos ingredientes, seccionando a cadeia ou tornando-a defectível, aí a polícia projeta-se no ápice da prevenção. A polícia não pode mais imaginar que a prevenção poderá ser efetivada apenas com a simples presença física e insípida de uma fração policial, pois a criminalidade evoluiu, ampliando suas redes de informação globalizada, sofisticou-se em razão da concepção de novas tecnologias disponíveis a todos, inclusive à polícia, portanto, transcende à obediência passiva ao agente da lei, com capacidade de reação ampliada que, em alguns casos, leva ao enfrentamento acintoso e perverso à polícia e à sociedade, plenamente inconsequente contra todos. Portanto, o policial deve ser imaginativo, dedutivo e indutivo, eclético e se encontrar preparado o suficiente para prever continuamente situações que mesmo estando latentes possam eclodir instantaneamente, tendo ele capacidade de conduzir à moderação e à frustração de fatos violentos, ainda nos primeiros estágios de passagem à criminalidade. Mas todo este nível de preparo começa na formação do policial, nos treinamentos constantes, nas suas reciclagens, na cultura de segurança pública, na legislação que regulamenta os procedimentos policiais, no compromisso para com a sociedade, no amadurecimento das manifestações nas suas tarefas de rotina, no aprimoramento das observações do comportamento humano, no conhecimento do modus operandi, no seu grau e aperfeiçoamento no estudo de situação dos fatos, na preparação e discussão de planejamentos escritos e elaboração de planos mentais complementares de pronta aplicação. Tudo isto é justificável e necessário para inverter o crescimento do delito, pois a sociedade já não suporta mais sustentar grandes corjas de criminosos abjetos reclusos, alguns de rara violência, em razão disto, reduzindo o crescimento da educação e da melhoria da saúde para melhor atender a quem padece com os efeitos das doenças, o pior, estes delinqüentes no regime carcerário só têm levado ao desencadeamento de novos delitos, com a reclamação de direitos e regalias que só tendem a ampliar a concessão destes descabidos benefícios, sempre ancorados pela pseudo-recuperação do infrator, que, historicamente, não têm levado a nada, senão às fugas, às rebeliões, aos seqüestros de agentes públicos e à degradação aos estabelecimentos prisionais.

Estruturalmente, a Cadeia do Delito, apesar de complexa é composta de quatro elementos básicos ou ingredientes, embora possa ocorrer episódio com componentes particularizados, mas, com menor grau de importância para a sua prevenção. O fato da Cadeia do Delito comportar limitados ingredientes de maior importância pode facilitar a sua identificação e o seu rompimento no alinhamento ainda em construção, contribuindo para a sua compreensão e oportuna desarticulação, concorrendo para o desempenho satisfatório da polícia, antes que o crime aconteça, caso contrário, até desmistificando a sua consumação com menos esforço, pois o importante é estudar a origem e a formação dos fatos.

São elementos básicos ou Ingredientes do Crime da Cadeia do Delito:

0l. Clima; 03. Protagonistas; e

02. Ânimo; 04. Instrumentos.

Em quaisquer dos componentes relacionados a um grupo de delitos, é possível que se trabalhe em cada um dos quatro de forma independente, apesar de se saber que um ou outro Ingrediente isoladamente possa ser mais fácil de ser trabalhado para efeito de prevenção deste ou daquele ilícito penal, o que já é suficiente, pois, a cadeia só fecha ou só se completa pela presença unânime de seus quatro ingredientes e estando incompleta, não haverá delito. Se o trabalho da polícia for pelo menos dirigido a manter separado apenas um dos componentes do elenco, é possível reduzir a probabilidade da prática de infinitos crimes similares. Digamos, se houver apreensão de arma de fogo, é certeza que não ocorram vítimas por disparo daquela arma, nem disparo em via pública, onde a vítima é sempre a sociedade como um todo, minimizando até as possíveis balas perdidas.

Estes ingredientes podem até ser considerados como os princípios basilares para o controle eficiente da violência e da prevenção criminal, para efeito de tornar a prática da segurança pública em qualquer espaço urbano, cultural ou social, um trabalho de mérito, por se tratar de um procedimento policial que obedece às regras e protocolos essencialmente técnicos, afastando-se de métodos convencionais eminentemente empíricos, que só desgastam e não funcionam, princípios pelos quais podem se orientar os policiais para a prática das atividades ostensivas preventivas ou veladas visando a consecução da tranqüilidade pública, com menos crime e mais satisfação, a partir da adoção de estratégias e métodos de emprego de policiais no campo da prevenção homologada por convenções de polícia científica.

Didaticamente, podemos até fazer uma singular comparação dos citados ingredientes básicos da Cadeia do Delito com os elementos constituintes do Tetraedro do Fogo, que são: 1) Material Oxidável (combustível), 2) Material Oxidante (comburente), 3) Fonte de Ignição (energia) e 4) Reação em Cadeia. Que também, como tetra, apresenta quatro componentes como na Cadeia do Delito. Na verdade, na falta de um único indivíduo da combustão, certamente não haverá ou logo deixará de haver fogo, e, em alguns casos, não existirá incêndio, cujo sinistro podemos defini-lo como uma fonte de fogo sem controle, capaz de causar prejuízos, podendo ter origem casual, espontânea ou criminosa, além das causas naturais. Tudo isto se assemelha muito com a prática delituosa, pois a prevenção é como a bondade, cabe em todo lugar, inclusive contra o fogo. Só para recapitular, é bom que se saiba que até pouco tempo o fogo era estudado sob o ponto de vista de três elementos, constituindo o Triângulo do Fogo, a saber: a) material combustível, b) calor (temperatura de ignição) e c) oxigênio (comburente), os quais, basicamente, continuam sendo os principais constituintes de qualquer chama. Estudos mais recentes incluíram mais um item ao trio chamado-o de “Reação em Cadeia”, deixando de ser Triângulo, passando a chamar-se Tetraedro. Assim como na hipótese de fogo já existente, se alguém conseguir suprimir um só elemento do Tetraedro do fogo, certamente não existirá mais este fenômeno ou não podendo se alastrar em razão de uma interrupção da reação em cadeia. É bom que saibamos que o fogo é um dos quatro elementos da natureza, a saber: ar, terra, água e fogo. Digamos por exemplo, se for colocada uma vela acesa dentro de um recipiente, a exemplo de um copo, e logo for posicionada uma tampa sobre a boca desse copo, abafando-o, imediatamente o fogo se extinguirá, tudo em razão da ausência do oxigênio que é o comburente, o qual faz parte na formação do fogo. Nos incêndios, quando os bombeiros logo comparecem, após estudo da situação, uma das preliminares e básicas providências como ataque é o lançamento de jatos de água sobre aquilo que se encontrar em chamas, observada a classe do incêndio. É um procedimento que visa, inicialmente, abafar o material que arde para diminuir o percentual do elemento químico oxigênio (O2) como principal comburente, para que fique abaixo de 16% no ambiente, logo, afastando um dos componentes deste Tetraedro, e, conseqüentemente, produzir o resfriamento para eliminar outro participante do fogo, o calor, como Fonte de Ignição, cessando a combustão. Para que o fogo não se propague por outros segmentos, os bombeiros passam então a estabelecer um resfriamento das superfícies contíguas, portanto, interrompendo e afastando o calor necessário à propagação da mesma combustão em cadeia, minimizando as conseqüências.

Infelizmente, no caso do estudo da Cadeia dos delitos acima referida, após deflagrado um ilícito penal, ainda que retirado algum de seus componentes na fase pós-crime nada mais será minimizado, pois os fatos já estão consumados de forma irreversível, caracterizando a figura delituosa, só cabendo a indispensável ação policial, a princípio, administrando o socorro à vítima quando necessário. Em alguns casos, uma saturação policial no sítio do crime apenas poderá prevenir o desencadeamento de novos fatos igualmente delituosos envolvendo componentes relacionados ou não com o episódio inicial. Tudo que se pode fazer para que o delito não seja deflagrado é trabalhar preventivamente a Cadeia do Delito para que esta permaneça desalinhada, digamos, defasada, pelo afastamento prévio de quaisquer dos seus componentes ou ingredientes principais, e, enquanto há tempo, tudo fazendo para que o crime não se alastre e nem assuma proporções incontroláveis, antes que a polícia perca a noção de prevenção e tenha que assumir exclusivamente uma postura de combate extremo, com princípios de guerra ofensiva, em razão de uma histórica negligência.

Clima – da mesma forma que todo crime tem seu modus operandi, cada delito tem espaço quase que próprio, portanto, a natureza e a frequência do ilícito têm relação com o local. Por Clima podemos compreender os horários noturno ou diurno, a visibilidade e luminosidade, a visão pública, a ocupação urbana, a freqüência popular, a ausência de vigilância, o tempo, o ambiente e a ambiência (física, social, lazer e labor, financeira, urbana ou rural, geográfica, esportiva, política, promíscua, religiosa, intelectual, etc.), assim como o próprio sítio do crime, os locais fechados, abertos e os relacionados, as áreas internas e externas, os pontos de apoio e de suprimento, os depósitos e os arquivos, portanto, tornando o recinto favorável para a sua ocorrência. Tudo isto pode ser estudado como sendo um clima potencialmente propício a um delito, cada qual com suas características próprias, porém, suscetível a um controle eficiente no sentido de prevenir episódios delituosos de qualquer ordem.

Ânimo – é a vontade deliberada ou não de cometer o delito, mesmo que a pretexto de defesa. É a reação quando submetido à uma ação. É o motivo ou o desejo, às vezes manifestado publicamente; é o dolo; é a culpa; é a preterintencionalidade. É a disposição, por ação ou omissão de torná-lo factível. Pode ser de fácil identificação, quer o elemento demonstre essa vontade por movimentos e comportamentos suspeitos ou manifestando-se extremamente exaltado com conduta provocante ou maldosa, digamos, até vingativa.

Protagonistas – são as partes, são as pessoas envolvidas ou que possam ser partícipes numa atividade criminosa, podendo ou não ser antagonistas, parceiras, amigas, adversárias, desconhecidas ou inimigas, dependentes ou não entre si, com ou sem vínculo familiar, sentimental ou social. Em alguns delitos, poderá existir exclusivamente a pessoa do autor, enquanto noutros, a vítima pode ser resultado de sua própria opção, face ao clima ou ao motivo. Esta vítima em potencial deverá ser acompanhada, abordada, corrigida e conscientizada ou retirada do ambiente, antes que sugira ou provoque alguém o suficiente a praticar um ilícito penal. Cada tipo de delito pode ter agente bem caracterizado, o qual, igualmente pode ser seguido e trabalhado. Portanto, o policial deve estar sempre com um “olho no gato e outro no peixe”, como assim diz um adágio popular.

Instrumentos – são os meios materiais, ativos ou não, virtuais, tangíveis ou intangíveis que concorrem ou são necessários para a efetiva execução de um delito. Todo crime tem seus meios materiais ou suas armas próprias que o tornam efetivo. Se alguém for encontrado com um instrumento eficiente para a prática de um delito, é necessário que se estabeleça uma relação com o desencadeamento de algum fato presente ou passado ou indícios que possam ter relações com episódios que podiam ser desencadeados no futuro, com qualquer outro crime, inclusive, quanto à sua origem. Se um indivíduo porta uma arma sem a devida autorização, é possível estabelecer uma conexão, além do porte ilegal, com o comércio e tráfico de arma, identificação de sua origem, se é objeto de locação, se há relação com um assalto ou latrocínio, com um homicídio ou lesão e com vários outros atos anti-sociais. O que não se pode é liberá-lo sem investigá-lo; isto impõe uma ordem e um exemplo, e ainda institui um protocolo a ser observado e seguido noutros fatos similares, além de se mostrar uma prática de polícia moderna. Se alguém for encontrado armado tem que ser investigado, podendo até preencher um formulário próprio sobre a arma, estabelecendo seu histórico, aquisição, suas características, sua procedência, seu registro, qualidade da munição, motivo do porte e outros dados, disparos recentes, independente da formalização dos demais autos.

Trabalhar com a hipótese de quebrar a Cadeia do Delito, mantendo seus elementos fora de rota, desalinhados, é uma atividade meritória de qualquer polícia. Este trabalho é a pronta desestruturação da composição dos elementos pré-delituosos. Entre os constituintes, dois deles se destacam para maior sucesso da prevenção ao crime: a supressão de instrumentos e a atuação diligente no clima. Estes dois itens oferecem maiores oportunidades para a polícia desempenhar suas medidas preventivas e outras iniciativas com bastante proveito; sem subestimar nenhum elemento, em muitos casos, os outros dois ingredientes tornam-se tão eficientes no alinhamento dos demais, que merecem uma pronta interferência de ordem policial.

A necessidade de supressão dos instrumentos implica numa atividade permanente de apreensão dos diversos meios materiais que sejam ou possam se tornar objeto do delito. A propósito e graças à televisão e à imprensa como um todo, em certas épocas, algumas polícias apreendem determinados brinquedos ingênuos tipo pipas, papagaios ou arraias que são empinados com linhas contendo cerol, que é uma substância composta de pó de vidro e cola untados às linhas de coser, inclusive, com registro de vítimas fatais; esta citação é apenas um exemplo de ocorrência com prática sazonal, em que a polícia pode suprimir o tal meio ou divertimento perigoso que vem sempre com as férias escolares fora do período chuvoso; trata-se de uma prevenção. As polícias não podem ficar a reboque das reclamações feitas pela imprensa nem pelas pessoas; elas devem tomar iniciativa, assumir sua missão de prevenção, portanto, prever a possibilidade de ocorrências de fatos, esforçando-se para suprimir as idéias, as vontades e os meios, além de saturar os espaços, cujos elementos possam levar ao crime. É uma boa prática a feitura de calendário sazonal de eventos com a possibilidade de desencadear delitos de qualquer ordem, para que sejam programadas periodicamente e com a devida antecedência as atuações policiais de natureza preventiva em diversos territórios e períodos, pela supressão de ingredientes que possam se alinhar e desencadear o fato-crime. Especialmente, constituem objetos materiais mais comuns, as armas de fogo, instrumentos pérfuro-cortantes, os veículos motorizados, as substâncias tóxicas ilícitas ou lícitas, os produtos já de outros crimes, entre outros que merecem iguais atenções da polícia. No caso de qualquer arma, uma operação de desarmamento é exatamente a atuação eficiente, além de uma boa campanha educativa envolvendo segmentos importantes da população, para se manter a inércia na Cadeia do Crime, pois além da retirada de um instrumento, também o seu condutor pode ficar distanciado da sociedade e sob a tutela da justiça, até porque já caracteriza o delito de porte ilegal de arma. Nada melhor como trabalho preventivo do que a notícia da existência de um segmento policial atuante em qualquer localidade. A sociedade sabe agradecer.

Mais fácil do que uma operação de desarmamento propriamente dita é a atuação no contexto do clima ou ambiente, desarmando as mentes, onde um policial diligente é capaz de influenciar nos diversos segmentos, abstratos, pessoais e materiais.