Santa Maria, Sonex e Ate, rainha da insensatez

Lí, há algum tempo, um livro cujo título é “A marcha da insensatez”, de Barbara W. Tuchman, historiadora americana. A sua tese recebeu o prêmio Pulitzer.

Ela advoga, (em 504 páginas), que as coisas ruins no mundo ocorrem sempre um componente comum: a insensatez.

Vale leitura.

De cara ela cita Joseph Campbell, (1904 – 1987), estudioso americano de mitologia e religião:

“Não vejo razão alguma que possa induzir alguém a supor que, no futuro, os mesmos argumentos já escutados não venham a ressoar ainda, trazidos à luz por homens sensatos para fins sensatos, ou por criaturas ensandecidas, visando o absurdo e o desastre.” ("As faces de Deus").

Bom, né? E hoje é um dia para se pensar a respeito.

A insensatez é um fenômeno observável ao longo da história, e não se atém a lugares, períodos, governos, cultura, etc e tal. É uma estupidez humana comum a todos.

Por que homens com poder de decisão tão freqüentemente agem de forma contrária àquela apontada pela razão?

Razão no sentido de sabedoria, que pode ser definida como exercício de julgamento atuando à base de experiência, senso comum e informações disponíveis.

Por que o ser humano, historicamente, repete sempre os mesmos erros?

Não há explicação.

E para o leitor ter ideia de como o problema é antigo, podemos retroceder a mitologia grega.

Nela aparece Ate, filha de Zeus (pai de todos; deus dos céus) com Éris (deusa da Discórdia), deusa da malícia e da insensatez.

E aqui, volto a Joseph Campbell:

“... o oculto sentido, não devemos esquecer que os deuses (ou Deus, pouco importa) são conceitos nascidos da mente humana, criaturas do homem e não vice-versa. O conceito de divindade acaba necessário para dar senso e propósito ao emaranhado da vida neste planeta, explicar fenômenos estranhos e assimétricos da natureza ou eventos inesperados, mas, acima de tudo, para justificar a conduta irracional dos seres humanos. Deus foi inventado para carregar a carga de atos inadmissíveis, que só podem ser digeridos como intervenção ou desígnio do sobrenatural.”

Ou seja, muito cedo, no início da civilização, já deve ter existido profundo senso de desvalorização da criatura humana, capaz de produzir lendas desse tipo.

Lembrei disso, com muita tristeza, ao ver hoje as notícias de Santa Maria, Rio Grande do Sul.

Participo de uma entidade e há pouco tempo recebemos a fiscalização dos bombeiros. Na vistoria determinaram que fossem feitos alguns ajustes no prédio para a segurança de quem o frequenta: saída de emergência, sinalização especial e muito visível, locais determinados para extintores, comissão de segurança, etc.

E não tem como negociar, porque segurança não se negocia.

Foi quando ouvi falar das placas flexíveis de poliuretano, (Sonex), aprovado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

Sonex é um revestimento acústico não inflamável.

Papelão, bandeja de ovos, feltro, espuma plástica e outras coisas parecidas também são bons revestimentos acústicos e custam baratíssimos.

Mas pegam fogo.

Não sou vidente e nem acho que estou dando palpite antes da hora, por isso não digo que aposto, afirmo:

o revestimento acústico daquela boate não seguia os padrões exigidos pela lei.

Ate, rainha da insensatez fez mais uma das suas maldades, sempre ligadas a morte, (na antiguidade foi a responsável pela guerra de Ílio, que tinha por objetivo “aliviar a população da terra de miríades de hóspedes humanos”).

Foi insensato quem revestiu uma boate que comporta duas mil pessoas com material inflamável;

foi insensato quem aprovou o funcionamento mesmo com essa malícia grave;

foi insensato quem se omitiu;

foi insensato quem acendeu um sinalizador num local fechado, o que é proibido.

O resultado é o horror que a insensatez sempre produz e produzirá.

E ouviremos argumentos já escutados, que ressoam eternamente.

E novamente vamos chorar os mortos da insensatez humana; e a burocracia irá repetir hoje e amanhã o mesmo que repetiu ontem, como um computador idiota, que uma vez admitido o erro, duplica-o eternamente.

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Obrigado pela leitura.

Araçatuba, 27 de janeiro de 2013.