Dúvida sem fim

A dúvida é um criatório de pulgas em nossas cabeças. O ninho geralmente fica atrás da orelha. Essas pulgas convivem com minhocas e caraminholas, que às vezes se transmutam em cobras e lagartos, cuspidos quando não cabem mais na caixola.

Ela é como bicho-de-pé, penetra e se reproduz. Pode até causar feridas ou virar coisa mais grave. Sabemos que é preciso tirá-lo, mas nos acostumamos com aquela coceirinha e vamos deixando dar cria.

A dúvida nos acompanha desde o nascimento, ou mesmo antes. Já ouvi histórias de fetos gêmeos debatendo sobre vida após o parto. Quando nascemos, a primeira coisa que vemos são mascarados, sob uma luz cegante, nos dando tapinhas no bumbum para tirarem a dúvida de que estamos vivos.

À medida que vamos crescendo e interagindo com o mundo que nos cerca, aprendemos uma palavrinha mágica que nos ajuda a lidar com a dúvida: por queeeeee??? Para surtir efeito, é preciso que do outro lado esteja alguém paciente e disposto a responder numa linguagem que entendamos e, o mais importante, que tenha consciência de que “porque não não é resposta”.

Algumas pessoas, com dúvida, não sabem se casam ou se compram uma bicicleta. Casando-se, dividirão sua dúvida com o cônjuge, correndo o risco de multiplicá-la. Comprando uma bicicleta, passearão de vez em quando no entorno da lagoa, observando a paisagem, espairecendo e tentando esquecer um pouco a dúvida.

Apesar de onipresente, a dúvida habita em lugar incerto e não sabido. Quando achamos que temos certeza de alguma coisa, qualquer coisa, ela aparece e desmorona nossas convicções. Surge como uma brisa suave que nos desperta, e duvidamos que já esteja na hora de levantar, ou na tempestade de ideias que nos tira o sono, e duvidamos até se trancamos o portão.

Ninguém duvida de que é impossível viver sem dúvida. Mas, bem administrada, é até saudável. Duvidando, saímos do lugar comum, afastamo-nos da zona de conforto, aventuramo-nos no desconhecido, colocamos nossos convencimentos à prova, ultrapassamos a própria dúvida, numa estrada infinita, já que a vida não tem fim. Ainda que alguém duvide.