Beber faz bem para a saúde? Fatos e controvérsias

Alguns estudos de ampla repercussão sugerem que as bebidas alcoólicas podem desempenhar um papel protetivo no organismo, o que nos permitiria afirmar que beber faz bem para a saúde, desde que seu consumo seja moderado. Entretanto, embora esse argumento seja citado por autoridades da saúde e muitos consumidores o defendam arduamente, novas evidências sugerem que ele não se sustenta.

A Organização Mundial da Saúde determina que o consumo diário de álcool não deve exceder os 25 g, o que equivale, aproximadamente, a duas latinhas de cerveja ou duas doses de destilado, sendo, para as mulheres, a metade desses valores. Mas há controvérsias.

Quero deixar claro que não é o meu objetivo estipular regras de conduta por aqui. Este artigo é apenas uma discussão sobre os principais estudos sobre o assunto (links com as fontes estão espalhados pelo texto).
 
Para adiantar, o fato é que não há um consenso nas pesquisas sobre o que seria um “limite de consumo de álcool seguro ou benéfico”, embora as autoridades adotem referências. As condições variam muito de pessoa para pessoa e os dados obtidos nos monitoramentos podem ser influenciados por vários fatores que nada tem a ver com o alvo dos estudos.

De qualquer forma, é bom conhecer o que já se sabe sobre o assunto para desmistificar velhas lendas de botequim e apreciar a bebida com mais consciência.

Boa leitura!



De onde surgiu a ideia de que beber faz bem para a saúde?

Não é de hoje que receitas à base de álcool são usadas como medicamento para doenças ou como antídotos para picadas de animais peçonhentos e outras moléstias. Durante a pandemia de 1918, por exemplo, a caipirinha preparada com limão e alho fez muito sucesso como “remédio natural” contra a chamada gripe espanhola. 

Foi também no século passado que a ideia de que o álcool faz bem para a saúde ganhou uma roupagem científica, devido, especialmente, a estudos epidemiológicos europeus. Até os anos 1990, a baixa incidência de doenças cardiovasculares na França intrigava médicos e cientistas, tendo em vista que os franceses, há séculos, mantêm uma dieta farta de gorduras saturadas.
A resposta um tanto conveniente dos pesquisadores não poderia ser mais simples: o vinho! 

O hábito de consumir vinho junto às refeições foi entendido como a razão para a inexplicável saúde do povo francês. Flavonoides presentes na bebida lhe confeririam propriedades antioxidantes que beneficiariam o sistema vascular, reduzindo as chances de derrames (AVCs) e ataques cardíacos.

A teoria se fortaleceu nos últimos 10 anos com a publicação de estudos robustos que afirmam, inclusive, que esses benefícios não são restritos ao vinho, mas também são observados em consumidores de cerveja e destilados. Em um desses trabalhos, quase 40 mil pessoas foram monitoradas durante 12 anos.

Até aqui, parece claro que beber faz bem para a saúde, desde que em doses moderadas. Mas o que, afinal, é uma dose moderada?



O que significa beber moderadamente?

A frase que ganhou obrigatoriedade nos comerciais de bebidas alcoólicas ― beba com moderação ― nunca soou muito clara, seja na publicidade, seja na recomendação dos médicos. Será que o seu “consumo moderado” é o mesmo do seu tio beberrão? 

Do ponto de vista empírico, que dá base ao argumento da OMS, considera-se que o limite de 25 gramas de álcool por dia é a quantidade máxima que um ser humano saudável é capaz de metabolizar, sem ter prejuízos em outras funções do organismo. Nas mulheres, porém, esse limite cai pela metade, 12.5 gramas, devido a particularidades no seu processo metabólico.

Nesse contexto, “metabolizar o álcool” significa transformá-lo em outras em substâncias, sendo a principal delas o acetaldeído que, em seguida, é convertido em acetato, que, por sua vez, é eliminado na urina.

O seu corpo faz isso porque o álcool, do ponto de vista metabólico, é tóxico e, por isso, não seria incorreto dizer que o sujeito bêbado debruçado no balcão está “intoxicado”.



O que o álcool faz no seu organismo?

Entendido que o álcool, mais especificamente o etanol, é entendido por seu organismo como um agente tóxico, fica fácil entender porque o seu corpo se esforça para eliminá-lo rapidamente. É um verdadeiro paradoxo: o que a bebida alcoólica faz, afinal: faz bem ou faz mal?

Bem, de maneira geral, o álcool, independentemente da bebida na qual ele se encontra, provoca um efeito de vasodilatação, o que aumenta o fluxo sanguíneo, especialmente nas extremidades do corpo ― não se assuste caso a sua pele fique avermelhada ao longo das doses.

Além disso, o composto também exerce um efeito inibidor no organismo, retardando a resposta dos seus órgãos internos, com destaque para o cérebro. O córtex pré-frontal, a região do sistema nervoso central localizada logo atrás da testa, é uma das áreas mais afetadas, e é ela que controla nossas decisões, julgamentos e impulsos. É, por isso, que você corre o sério risco de tomar decisões ruins quando exagera na bebida.

Vários fatores, porém, podem influenciar a metabolização do álcool e a embriaguez, como o consumo de água ou alimentos entre as doses, o estilo de vida do indivíduo, o uso de medicamentos, entre outros.



Qual é o problema das recomendações diárias de consumo?

O consumo moderado estipulado pelos cientistas certamente não agrada a maioria dos consumidores e, como era de se esperar, o que não faltam são “jeitinhos” de driblar as orientações de saúde. Muitos, por exemplo, acham mais conveniente consumir todas as doses diárias de uma única vez no fim de semana.

Na prática, sabemos que a demanda das sextas, sábados e domingos, por vezes, excede (e muito) a soma das doses moderadas. Mas, de qualquer forma, esse comportamento resgata a seguinte questão: é melhor beber um pouquinho todos os dias ou beber com folga nos fins de semana?

No primeiro caso, ainda que moderado, existe risco de dependência, uma vez que os efeitos prazerosos da bebida são atenuados com a ingestão constante e o consumidor pode se sentir cada vez mais tentado a aumentar as doses diárias. 

No segundo caso, está claro que ao ultrapassar o limite estipulado para uma “boa metabolização”, os danos à saúde são inevitáveis e bem perceptíveis no curto prazo: sensação de cansaço, indisposição, vômito e os demais males da ressaca. Além disso, a manutenção do consumo exagerado ao longo de anos pode acarretar vários problemas de saúde. 

Sendo assim, o consumo de bebidas alcoólicas parece uma faca de dois gumes, não é mesmo? Pois é exatamente isso que os mais recentes estudos sugerem.



Existe um nível seguro para o consumo de álcool?

Inconformados com as teorias vigentes, pesquisadores chineses acompanharam 500 mil adultos durante 10 anos para verificar os impactos positivos e negativos do consumo frequente de bebidas alcoólicas. Essa é a maior amostragem encontrada atualmente em estudos sobre o tema.

Diferentemente dos trabalhos citados anteriormente, esse estudo deixou claro que não há limite seguro para a ingestão de álcool. Até mesmo aqueles que consumiam menos do que uma dose moderada apresentaram risco aumentado de problemas cardíacos e acidentes vasculares cerebrais em relação aos abstêmios.

Um trabalho mais amplo sobre o assunto foi apresentado por pesquisadores da Universidade de Washington. Nele, mais de 100 mil pessoas de 195 países foram avaliadas, e o resultado foi unânime: não existe uma dosagem segura para o consumo de bebidas alcoólicas. Os benefícios citados ao tomar uma taça de vinho diariamente, por exemplo, não compensam os malefícios do hábito, como o aumento do risco de câncer.

Para a infelicidade dos “médicos de botequim”, a ciência parece estar se virando contra os fabricantes de bebidas que insistem em ignorar esses dados. No entanto, a decisão final continua sendo sua.



E se não fizer bem, devo parar de beber?

Verdade seja dita, o ser humano é fascinado por drogas, mas os tabus sociais são tamanhos que chega a ser cômico as satisfações criadas para justificar esse fato. As bebidas alcoólicas, em especial, acompanham a humanidade desde os seus primórdios, elas são, indiscutivelmente, um elemento da nossa cultura.

A questão é que estamos na era da ciência e da informação, e nesse cenário onde tudo é discutido, criticado e avaliado, as pessoas esperam que você tenha bons argumentos para cada decisão tomada em sua vida, principalmente no que se refere à saúde.

Dessa forma, o que não vale é apelar para a hipocrisia. Mesmo que, supostamente, a bebida alcoólica não tenha nada a oferecer para o organismo e para a longevidade, é muito pouco provável que a maioria dos seus consumidores se preocupe tanto com isso a ponto de abrir mão dos prazeres que ela proporciona.

As pessoas estão dispostas a correr riscos para fazer aquilo que gostam, e quando se trata de bebida alcoólica, há todo um contexto social que também pesa bastante e que os estudos não contemplaram. Essas descobertas certamente são mais um item a pesar contra na balança, mas cabe a cada um avaliar as implicações da sua escolha individualmente.

Se beber faz bem para a saúde ou não, é difícil responder, o debate está aberto. O que podemos afirmar é que, independentemente da resposta, as pessoas não vão parar de consumir cervejas, vinhos, chopes e destilados. Na realidade, o papel de todas essas informações é nos lembrar de um fato frequentemente esquecido pelos consumidores: beber requer responsabilidade.
Leandro Abreu
Enviado por Leandro Abreu em 24/08/2021
Reeditado em 24/08/2021
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