A Irracionalidade do Medo e a Ignorância Consciente

Rafael Hetti e Nacib Hetti

Num passado recente nosso país passou por suas três maiores tragédias aéreas que vitimaram cerca de 500 brasileiros. Uma decorrente de uma fatalidade sem precedentes (transponder desligado); outra oriunda de uma posição equivocada do manete de reverso e a terceira decorrente de uma “tempestade perfeita” sobre o atlântico que causou o congelamento dos sensores. As três situações absolutamente inéditas e sem repetição até os dias de hoje. Como não poderia deixar de ser, comoveu toda a sociedade. Tragédias dessa magnitude desperta a irracionalidade do medo. Frases como “tá vendo porque eu não viajo de avião?”e “nunca mais voo nessa companhia” são absolutamente comuns. Contudo, ambas são irracionais e não refletem, nem de perto, a realidade da nossa aviação comercial, uma das mais seguras do mundo.

Trazendo o conceito de “tragédia” para o momento sombrio que nosso país atravessa tivemos, nesta semana, pela primeira vez após o início da pandemia, número superior a 200 mortes diárias, ou seja, número parecido com o de vidas ceifadas em cada um dos acidentes acima descritos. A tendência é que este número continue a crescer durante um período para depois iniciar a chamada estabilização da curva de contaminação/letalidade. E mesmo diante desse cenário assustador, o país está dividido entre manter o isolamento total ou passar para o isolamento vertical, aonde apenas os grupos de risco permaneceriam isolados, com o objetivo de salvar a economia e resguardar negócios e empregos.

Está claro que o objetivo do isolamento total não é extirpar o número de óbitos pelo coronavírus ou até mesmo a contaminação em massa. O objetivo principal é evitar o colapso do sistema de saúde público e particular, pois no caso de um aumento exponencial da vertente mais grave da doença, não haverá lugar em unidades apenas para os idosos e para aqueles que apresentem comorbidades, mas também não haverá vaga para o infartado, o vitimado por um AVC ou até mesmo para o acidentado.

Observa-se que pessoas absolutamente inteligentes e esclarecidas optaram por uma ignorância consciente, apenas para fazer frente a uma exclusiva ótica econômica. Não há dúvidas que o fator econômico deve ser levado em consideração, uma vez que poderemos ter consequências catastróficas no caso do prolongamento exagerado do isolamento total, com aumento da pobreza absoluta, doenças psiquiátricas e até mesmo situações de desespero geradoras de atos de violência.

Convivemos com pequenos e médios empresários celetistas, além de autônomos e micro empreendedores que estão completamente desesperados e devastados com o que ocorrerá com suas atividades, situação com as quais a sociedade se solidariza. Entretanto, há uma pergunta feita constantemente por aqueles que defendem o isolamento total, que nos faz refletir: “quem da sua família que você verdadeiramente ama pode morrer para salvar seu negócio/emprego?”

É certo que no encerramento precoce do isolamento total os óbitos aumentarão de maneira vertiginosa e, consequentemente, a chance de termos tragédias próximas a nós aumentará muito. Acreditamos que tudo se resuma a bom senso, mas entre o risco mediato de morte oriunda da devastação econômica e o imediato decorrente da pandemia em si e do colapso do sistema de saúde, optamos pelo primeiro. Assim, para quem defende o fim do isolamento social imediato, cuidado, pois diariamente estamos presenciando tragédias, como as citadas no início da matéria, vitimando pessoas que nunca pisaram em um aeroporto.