DO JESUS DA HISTÓRIA AO CRISTO DA FÉ (Antônio Estêvão Allgayer)

Milan Machovec, marxista e professor em Praga até 1970, autor de um livro intitulado Jesus für die Atheisten, lança esta interrogação:

"Como foram capazes os seguidores de Jesus, em particular o grupo de Pedro, de superar a terrível desilusão, o escândalo da cruz, chegando mesmo a iniciativas vitoriosas? Como pôde um profeta, cujas predições não se tinham verificado, tornar-se ponto de partida da maior religião do mundo? Gerações inteiras de historiadores fizeram a si próprios esta pergunta e continuarão a fazê-la" (MACHOVEC, op. cit., p. 156 e 157).

A ponte que liga o Jesus da história ao Cristo da fé jamais será transposta pelos que lhe negam a divindade e consideram miragem a gesta salvadora. A resposta vem de Paulo, ele próprio perseguidor dos seguidores de Jesus antes que o fulminasse a luz que o transformou de Saulo em Paulo.

O testemunho desse fariseu convertido é indesmentível. Foi um combatente infatigável do Evangelho. Sofreu prisões, torturas, naufrágios, degredos e afrontas pela fé no Cristo. Tamanha entrega a uma causa não poderia ter por fundamento mero capricho da fantasia ou adesão à sombra de um homem desaparecido após morte aviltante.

Possuidor de notável cultura, Paulo tinha razões que justificavam o seu radical procedimento: Segundo a crítica unânime, já antes do ano 57 depois da morte de Jesus, Paulo havia redigido o relato da ressurreição, a ele transmitido por testemunhas ainda vivas, como Pedro e quase todos os apóstolos.

Eis que na primeira carta aos coríntios Paulo diz: "Transmiti-vos em primeiro lugar aquilo que eu mesmo recebi". Depois deste breve intróito, refere os fatos: "Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, a maioria dos quais ainda vive, enquanto alguns já adormeceram. Posteriormente, apareceu a Tiago, e, depois, a todos os apóstolos. Em último lugar, apareceu também a mim, um abortivo" (ICor 15,3-9).

Somente a ressurreição oferece resposta aceitável a um fato anterior que Guignebert assim comenta:

"A crucifixão infame e, para o sentimento comum, escandalosa, lançou os discípulos do entusiasmo à mais profunda prostração".

Se a prostração a que alude Guignebert tivesse dominado as primeiras comunidades cristãs e a certeza da ressurreição não as movesse à ação missionária, não teriam elas florescido apesar da hostilidade de membros do Sinédrio, de Herodes Agripa I e das violentas perseguições que lhes moveram imperadores pagãos, a ponto de tornar-se, a frágil Igreja construída sobre a pedra angular do Cristo, a expressão de fé mais robusta de todos os tempos.