QUERES SER ABENÇOADO?

“Se ouvires atentamente a voz do Senhor teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os seus mandamentos que eu hoje te ordeno, o Senhor teu Deus te exaltará sobre todas as nações da terra; e todas estas bênçãos virão sobre ti e te alcançarão, se ouvires a voz do Senhor teu Deus:

Bendito serás na cidade, e bendito serás no campo...”

Dt.28:1-3...

Um dos textos do AT mais conhecidos, apreciados e citados pelos pregadores pós-modernos e ufanistas da teologia da prosperidade é a famosa passagem repleta de promessas apresentadas por Moisés, já no final de sua vida e ministério entre os hebreus. Era a sua despedida, logo após sua morte o povo deveria continuar sua caminhada em direção à terra prometida sob a liderança de Josué. Mas, antes apresentou ao povo maravilhosas promessas de bênçãos como fruto de sua obediência (VV.1-14) e, por outro lado, duras ameaças de maldições caso insistissem em manter-se desobediente seguindo outros deuses e abandonando o Senhor e suas justas leis, que serviam para protegê-los (vv. 15-68).

Existem alguns pregadores que gostam de apropriar-se destas promessas indiscriminadamente, como se elas pudessem ser lidas e aplicadas de qualquer forma aos cristãos de hoje. Algo que, logo de início, chama a atenção é o fato de que, geralmente, a leitura é interrompida no versículo 14, já que do 15 ao final (um trecho ainda maior) não interessa e nem é atraente. Contudo, o grande erro está na hermenêutica imprópria e caduca. Não se leva em consideração o objeto das promessas e o motivo. Para quem foram tais promessas? A quem foi prometido riquezas no campo e na cidade, chuvas torrenciais, famílias prósperas de filhos e bens, vitórias nas guerras e uma nação poderosa por cabeça e não cauda? Com certeza não foi a nenhuma nação atual, ou à igrejas e rebanhos especiais, filhos prediletos.

E por que a nação de Israel recebeu tais promessas? Segundo W. W. Wiersbe o contexto mostra uma nação ainda em formação e em sua infância espiritual, que necessitava de tutores, incentivos e punições assim como nossos filhos recebem, e isso em pleno acordo com os argumentos de Paulo em Gálatas 4:1-7. Portanto, não é exagero afirmar que desejar o mesmo tratamento demonstra infantilidade espiritual. Além disso, essa hermenêutica apressada e superficial não leva em consideração os destinatários originais da Lei. Mas, não é só isso, havia algo a mais nessas promessas direcionadas exclusivamente aos hebreus. Tais promessas estão intimamente relacionadas à missão de Israel. Para uma percepção mais clara desta missão é preciso a observação do versículo 10 “E todos os povos da terra verão que és chamado pelo nome do Senhor e terão medo de ti”. Superficialmente, alguém poderia pensar que a ênfase neste caso recai sobre o povo que seria temido, mas, nada mais enganoso. É óbvio que o ser “chamado pelo nome do Senhor” mostra o verdadeiro propósito de tornar a pequena e nascente nação uma potência sobre outras. O salmista escritor do salmo 67 compreendeu muito bem o motivo das bênçãos serem espalhadas e alcançarem graciosamente a nação: “Seja Deus gracioso para conosco, e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o rosto, para que se conheça na terra o teu caminho e, em todas as nações, a tua salvação. Louvem-te os povos, ó Deus, louvem-te os povos todos” V.1-3. O último versículo é ainda mais esclarecedor: “Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o temerão.” V.7. O salmista veio a compreender claramente o que todo o povo deveria ter compreendido desde o princípio, as bênçãos não eram um fim em si mesmo, as bênçãos condicionadas à obediência à Lei não visavam formar um povo mimado, e privilegiado, como se fosse o filho único de Deus. Engana-se quem acredita que somente os judeus eram amados pelo Senhor. Obviamente, os judeus eram amados e Deus tinha um projeto especial, uma missão especial para a nação, mas, a verdade é que Deus ama e sempre amou a todos os povos do mundo, Ele não faz e nunca fez acepção de pessoas ou povos.

Então por que a nação foi escolhida dentre muitas? Primeiramente, porque Deus a amou e decidiu por sua livre e soberana vontade, e porque a nação tinha uma missão: Atrair todos os povos a Deus. Em termos missiológicos esta missão é chamada de missão centrípeta, o objetivo claro era ser um centro de atração, Israel foi chamada para ser luz para as nações, como mostra o v. 10 de Dt. 28 e o salmo 67, Além destes textos, encontramos o profeta Isaías afirmando de forma ainda mais inequívoca esta verdade incontestável (42:6 e 49:6). Israel foi uma nação formada com o único e claro propósito de ser Luz para os povos “...a minha salvação até à extremidade da terra” (Is.49:6).

Nos tempos do rei Salomão encontramos uma nação forte e próspera ao ponto da rainha de Sabá sair de sua nação rica e civilizada no sudoeste da Arábia para provar Salomão com perguntas e conhecer o esplendor de seu reino, em I Rs. 10:9 o texto diz que ela exaltou ao Deus de Salomão, afirmando que só podia ver ali o amor de Deus sobre a nação, o v. 23 afirma claramente que ele veio a ser o mais rico entre os reis e muitos iam até ele para ouvir sua sabedoria e lhe enchiam de presentes. Infelizmente, logo no capítulo a seguir (11) o texto nos mostra como este rei afastou-se de Deus por influência de suas muitas mulheres que não temiam a Deus. Salomão veio a desobedecer totalmente a Deus e a seus mandamentos, após a sua morte, seu filho acabou por dividir o reino e nunca mais a nação foi unida, a decadência levou os reinos divididos a sofrerem as consequências de sua desobediência. Especificamente a parte das maldiçoes de Dt. 28:49 ao final do capítulo alcançaram os judeus e transtornaram o povo desobediente. Percebe-se que toda a segunda parte de Dt. 28, do versículo 15 em diante, foi profética e realizou-se cabalmente.

Contudo, as profecias de Isaías 42 e 49 também eram proféticas. Entretanto, sua realização não se relacionava à nação como um todo, mas ao seu Descendente: Jesus. O Messias veio para cumprir o chamado que seria de Israel, pois, este falhou completamente em sua missão, era necessário que Jesus viesse para, como o servo de Is.49:6 restaurar as tribos, alcançar os remanescentes e, finalmente, ser a verdadeira luz para às nações. A nação de Israel não foi capaz de cumprir a Lei que Jesus cumpriu cabalmente. As bênçãos prometidas em Deuteronômio não necessitavam vir sobre aquele que alcançou o nome que está sobre todo nome (Fl.2:9), sendo Ele aquele que possui toda a plenitude de Deus e em quem tudo subsiste (Cl.1:17-19).

Alguns podem ainda crer que existe razão para a igreja ser herdeira das promessas de Deuteronômio 28, como muitos têm pregado ufanisticamente, acreditando que ser próspero é um meio de mostrar sua verdadeira fé e “atrair” outros. Uma aplicação um tanto duvidosa e mal interpretada. Não apenas as leis do AT eram sombras do que haveria de vir, pois a realidade é Cristo (Cl. 2:17), mas aquelas promessas também não foram e nem podem ser direcionadas a nós e não passam de sombras. Tais promessas de bênçãos, inclusive, são extremamente inferiores às verdadeiras e reais bênçãos que a nós já foram ordenadas. Precisamente, ordenadas, decretadas, não prometidas, não condicionadas.

Quais são as bênçãos direcionadas à igreja, agora formada por judeus e povos de todas as nações que creem em Cristo (Ef. 2:11-22)? Nesta mesma carta no capítulo 1:3-14, o apóstolo Paulo nos mostra em uma única e extensa frase, um dos trechos mais famosos, belos, teológicos e complexos do NT, como afirma William Hendriksen: vai se formando uma bola de neve e se avolumando palavra após palavra, cheias de tanta profundidade e graça sem igual, à medida que lemos sobre “toda sorte de bênção espiritual”. Já de início pode-se perceber claramente a superioridade dessas bênçãos, elas não são as migalhas das bênçãos materiais, hoje tão fervorosamente e ansiosamente buscadas por milhões de pessoas. Não, essas bênçãos são espirituais, são aquelas que a traça e a ferrugem não podem corroer, nem os ladrões roubarem (Mt.6:19). Infelizmente, muitos preferem as migalhas e correm aos pés de lobos vorazes com suas promessas vãs e enganosas. Contudo, os que de fato são filhos de Deus já foram alcançados com bênçãos superiores. Além dessa superioridade essencial há ainda outras razões que tornam estas bênçãos de Efésios extremamente superiores às de Deuteronômio, elas não são promessas futuras, mas, são bênçãos já realizadas, já confirmadas. O tempo verbal no original ainda deixa isso mais claro, os verbos: escolher, predestinar, conceder, derramar, estão todos no aoristo, um tempo verbal do grego que é mais perfeito que o nosso tempo perfeito do português, significa algo que já foi realizado e não tem volta, não tem possibilidade de ser revogado. Outro detalhe? Essas bênçãos não são condicionadas à nossa obediência, até porque se fossem jamais as alcançaríamos, pois não somos diferentes dos judeus, somos falhos e jamais conseguiríamos cumprir a Lei, mas estas bênçãos foram conquistadas por Cristo, e isso antes da fundação do mundo (v.4). Portanto, inteiramente imerecidas, mas garantidas por sua maravilhosa graça. E, por fim, encontramos a razão de sermos abençoados com tais bênçãos: “...para sermos santos e irrepreensíveis perante ele” (v.4). Tais bênçãos não foram nos dadas para que delas gozássemos despreocupadamente e descomprometidamente.

A igreja também tem uma missão, mas, a sua missão é completamente diferente da missão de Israel, enquanto a missão deles era centrípeta, um movimento de atração para o centro, para atrair para si mesmos a atenção dos povos para que vissem a glória e o poder de Deus ali manifestado, e assim o temessem e o adorassem. A igreja não foi chamada para atrair, ainda que, obviamente, não deve nunca repelir os de fora, mas repelir os de dentro, lançá-los para longe, para que possam alcançar outros. Em termos missiológicos chama-se: missão centrífuga. O próprio nome deixa claro, uma fuga do centro, é um movimento de espalhar-se a partir do centro, de sair, de repelir e não de atrair. Somos um só corpo com uma missão específica, fomos reunidos por obra do Espírito Santo para ser sal, o sal só pode salgar se for espalhado, somos chamados para ser luz, a luz só pode iluminar se estiver em meio às trevas. Ou seja, sal não faz diferença no saleiro, nem luz faz diferença onde tudo está iluminado.

CONCLUINDO:

A relação com as bênçãos revelam muito a respeito da nossa fé. Alguém que vive buscando desenfreadamente e ansiosamente bênçãos materiais e passageiras demonstra: infantilidade espiritual, incapacidade de compreender o Evangelho, desprezo pelas bênçãos espirituais já decretadas e concedidas. Por outro lado, cristãos sinceros e convertidos reconhecem a maravilhosa graça divina, são gratos pelas bênçãos espirituais e não se consomem em busca do inferior, buscam em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, sabendo que as demais e (necessárias) coisas serão acrescentadas (Mt.6:33), por sua gratidão, reconhecem também que as bênçãos da salvação, como dom de Deus devem levá-los a servir e realizar as obras a que foram chamados (Ef.2:10).

Que deixemos de ser como as filhas da sanguessuga a exigir: dá, dá! (Pv.30:15) Já fomos extremamente abençoados, não vá à igreja para buscar uma bênção, SEJA UMA BÊNÇÃO NA VIDA DE OUTROS!

REV. EJF ÁZARA

Edson Ázara
Enviado por Edson Ázara em 31/01/2017
Código do texto: T5898449
Classificação de conteúdo: seguro