Senhor, eu quero ver de novo {SERMO CLI}

SENHOR, EU QUERO VER DE NOVO!

ANTÔNIO MESQUITA GALVÃO

Doutor em Teologia Moral e Biblista

1. Um cego na porta da cidade...

Em qualquer cidade do mundo, por onde quer que se vá, seja em países ricos ou em localidades mais pobres, sempre é possível encontrar pessoas cegas pedindo esmolas. Embora hoje haja bons programas de aproveitamento de deficientes visuais, nas mais diversas atividades socioeconômicas, uma boa parte dos ce-gos ainda é discriminada, ocasionando, não raro, a ruptura social e a marginalização.

Em mais de uma oportunidade, Jesus restituiu visão aos cegos. No episódio chamado “cura de um cego de nascença” (cf. Jo 9, 1-12), observa-se que a cegueira desde o princípio, não se refere apenas a um homem, mas a toda a humanidade, incapaz de ver a grandeza de Deus em contraste com sua indigência espiritual, e sob o enfoque político, igualmente incapaz de tomar consciência de sua condição de oprimida. Sintomaticamente, a restituição de visão aos cegos nos revela, no mínimo, três coisas: primeiro, Jesus tem poder; depois, ele é “luz do mundo” (cf. Jo 8, 12); por fim, espiritualmente somos todos uns cegos: precisamos que ele abra nossos olhos.

Nesse episódio, observamos a formalidade de certas leis humanas. Além de ter que provar que fora curado, o cego tem que revelar às “autoridades” quem executou o portento. A cura, representada pela ordem de lavar-se na piscina de Siloé representa um ateu que foi tocado, converteu-se e passou a dar testemunho da-quele a quem aderiu. Essa é, mais ou menos, a analogia das curas dos cegos com as conversões de tantos pecadores, descrentes, ateus e adversários. Quem tem os olhos abertos torna-se uma testemunha do amor de Jesus.

No presente trabalho vamos enfocar, com mais ênfase, aquela ocorrência em que Jesus restituiu a vista a um cego, às portas da populosa e cosmopolita cidade de Jericó. O pano de fundo será sempre, alguém carente, necessitando da graça divina, para o corpo e o espírito, que Jesus, generosamente, oferece.

Conforme testes de radiocarbono, cientistas chegaram à conclusão que Jericó é a cidade mais antiga do mundo. Ela é a porta da invasão dos hebreus, que vêm do Egito tomar posse da “terra prometida”. Jericó, yerihô no hebraico, é derivado do semita antigo, usado na Canaã pré-êxodo, onde ya-reah, que quer dizer “cidade da lua”. No Antigo Testamento, a encontramos como a “cidade das palmeiras” (cf. Jz 3, 13; Dt 34, 3).

Jesus fez vários sinais, prodígios, milagres, sempre em favor dos fracos e sofridos, indo ao encontro, socorrendo a necessidade de quem veio pedir sua ajuda. Existe, no Novo Testamento, mais de uma referência à cura de cegos, cujo sentido, como já vimos, é múltiplo.

A respeito da cura levada e efeito em Jericó há um significativo paralelismo. A narrativa é encontrada em Mt 20, 29-34 (neste trecho são dois os cegos), em Mc 10, 46-52 (aí o cego se chama Bartimeu) e em Lc 18, 35-43 (só um cego e anônimo). Por esta razão, e por todas elas representarem o poder curador e libertador de Jesus, vamos fazer uma síntese desses episódios, apropriando a história de Bartimeu.

Dentro do sistema religioso judaico, as doenças eram fruto do pecado. Os doentes, em geral, eram tidos como pecadores públicos, assim como os pobres, que, não tendo recursos para comprar os animais, bois, ovelhas ou pombos, para as oferendas, permaneciam vinculados a seus pecados.

Por esta razão as portas das cidades ficavam cheias dessas pessoas, de uma forma ou de outra marginalizadas pela sociedade. Ali reuniam-se os indigentes, os aleijados, os cegos, os leprosos e também as prostitutas. Dentro dos muros da cidade não lhes era permitido esmolar ou estabelecer qualquer tipo de relação com os “dignos” moradores da cidade, que, por certo, se julgavam cumpridores à risca dos mandamentos divinos. Sempre tivemos dessa gente...

Com relação ao aspecto “fora da cidade”, há determinadas traduções dessa narrativa, que falam que o cego estava “na estrada” que leva a Jericó, tamanho o tipo de segregação a que eram submetidas essas pessoas, consideradas social, religiosa e moralmente inferiores. Além da doença, tinham que suportar a pecha de pecadores, cujo pecado, deles ou de seus pais (cf. Jo 9, 2) os conduzira àquela dramática situação.

Na Palestina, como de resto em todas as nações daquelas regiões, naquele tempo havia muitos cegos. Primeiro, por causa da excessiva claridade do sol, prin-cipalmente no verão. O clima desértico da maioria daquelas cidades, levantava uma poeira, como uma areia fina, que prejudicava sobremodo os olhos das pessoas. Junto com isso, há que se compulsar a falta de higiene daquelas culturas, assim como a medicina daquele tempo, que era por demais incipiente. Ser míope ou ter “vista cansada” também era sinônimo de ser cego. Não havia óculos de grau nem de sombra. Na região da Laodicéia, na Ásia Menor, em fins do século I de nossa era é que começam a surgir os oftalmósofos, especialistas de olhos, e os primeiros colírios. Pois naquele dia, Jesus chegou a Jericó.

Chegaram a Jericó. Jesus saiu de Jericó, junto com seus

discípulos e uma grande multidão. Na beira do caminho havia

um cego que se chamava Bartimeu, o filho de Timeu; estava

sentado, pedindo esmolas (Mc 10, 46).

A grande multidão que se comprimia para ver o rabi, fazia, por certo, um gritante contraste com a solidão da indigência do cego e mendigo, sentado de forma desolada à beira do caminho. Resta a questão: se o burburinho não tivesse chamado a atenção do pobre homem, será que alguém o teria conduzido ao Mestre para ser curado? Alguma pessoa, familiar ou companheiro de aflição lhe indicaria a passagem do rabi da Galiléia, aquele que curava doentes e fazia reviver os mortos, através de grande sinais?

O cego, sentado no caminho, à porta da cidade, esperava, naquele momento, não mais que a caridade pública, através de algumas moedas, jogadas de longe pelos “fiéis seguidores” da religião judaica. Por certo jogadas de longe, repito, para não se contaminarem com a indigência, a sujeira e o pecado daquele homem. Hoje também vivemos em uma sociedade de cegos.

O materialismo, a sede de poder, a busca do prazer, tudo influi para que as pessoas enxerguem pouco, Milagre, no sentido pleno da palavra, não podemos fazer, mas testemunhar a presença de Deus, isso está a nosso alcance, e esse testemunho pode ajudar a recuperar a visão de alguém. Na vida abundante que Jesus veio trazer a todos (cf. Jo 10, 10), está a recuperação da visão, no que se refere a enxergar os valores autênticos.

Deram a Jesus o livro do profeta Isaías. Abrindo o livro, deu com a passagem onde se lia: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para anunciar a boa-notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos, aos cegos a recuperação da vista, para pôr em liberdade os oprimidos, e para anunciar um ano da graça do Senhor. (Lc 4, 17ss)

Por recuperação da vista entende-se a mudança do enfoque materialista para uma observação mais espiritualizada. Aquele que vê de fato, enxerga o mundo sob todos os aspectos. Vê o material, porque ele faz parte da realidade humana, mas não se limita só às coisas materiais, pois consegue divisar também o transcendente, onde afloram os valores que não passam, como o amor, a partilha, o perdão e a solidariedade.

Em nosso mundo há pessoas que são aprovadas em exames de acuidade visual, que não necessitam óculos, que podem passar nos exames de visão do Detran, para obter habilitação de motorista, por exemplo, mas, no entanto, têm a vi-são dificultada para algumas circunstâncias importantes da vida em comunidade. Esses também são cegos...

Se hoje, passasse um homem público, um governante, um intelectual, um general, um médico de renome, um magistrado, um bispo, ou um grande empresário, será que se revelaria sensível aos clamores de um pobre cego à beira da es-trada? Ou, preso às suas realidades, enxergaria somente suas prioridades?

2. Seu nome era Bartimeu

A Sagrada Escritura, conforme podemos observar na narrativa do evangelista Lucas, nos revela que o nome do cego esmoler, sentado à porta da cidade de Jericó, era Bartimeu. A descrição dos sinais de Jesus, que tinham por destinatários as pessoas de seu tempo, em geral situavam a pessoa em seu ambiente regio-nal (...”houve um casamento em Caná da Galiléia”) ou na profissão que exerciam (“...chegou-se a ele um funcionário do rei, que tinha o filho doente”). Aqui, o homem era cego e mendigo; só sabiam seu nome:

Na beira do caminho havia um cego que se chamava Bartimeu,

o filho de Timeu; estava sentado, pedindo esmolas (v. 46b).

É curioso observar que Bartimeu não é um nome próprio. O personagem dessa narrativa era tão obscuro que não tinha nome.

BarTimeu quer dizer “filho de Timeu”. Ele era anônimo como os excluídos dos sistemas sociais, econômicos, religiosos e políticos de todos os tempos. Curiosamente, os pobres, humildes e excluídos, em nossas sociedades modernas, também não têm nome. No Fundo de Garantia, no Pis/Pasep, são relacionados, impessoalmente sob um número. O po-bre só tem nome quando vai parar na “crônica policial”, ou algum candidato se lembra dele, para mandar-lhe alguma propaganda eleitoral. No mais, o pobre sem-pre é Zé, mesmo que se chame Airton, Pedro ou João. Outras vezes, é “Zé da esquina”, “Beto louco”, “Kico do pneu”, “Tião da dona Zefa” ou “Chica pepé”, etc. Em geral o nome vem seguido de apêndices depreciativos. O fato é que, privado da

visão, Bartimeu escutou, pela fala das pessoas, que era Jesus que passava por ali. Os cegos, em geral, têm outros sentidos, mais desenvolvidos, normalmente a audição e a percepção...

Quando ouviu dizer que era Jesus Nazareno que estava

passando, o cego começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem

piedade de mim!” (v. 47).

O cego é tomado subitamente como que de uma capacidade profética, pois chama Jesus de “filho de Davi”, confessando publicamente sua condição de Messias, fato até então despercebido pelo povo comum, para quem Jesus era simplesmente o rabi de Nazaré. O evangelista informa que ele deu um pulo. Agora ele dá o primeiro salto: um salto profético. Que condições teria um cego, pobre e ex-cluído, de adivinhar que aquele ali era o Messias esperado? Não que um cego não pudesse dar um pulo, mas um homem abandonado, de alma alquebrada, só daria um salto se fosse movido por uma força muito grande. A força do Espírito de Deus que ilumina os que têm fé.

Eu te louvo Pai, Senhor do céu e da terra, porque

escondeste estas coisas aos sá-bios e inteligentes, e as

revelaste aos pequeninos (Mt 11, 25).

Na revelação da divindade de Jesus, o cego confronta sua indigência humana, em todos os aspectos:

... tem piedade de mim! (v. 47).

Embora não se disponha de um manuseio direto dos textos originais, em al-gumas versões do grego, a expressão usada é eléisson me, que quer dizer “tem compaixão de mim”. Ora, ali está retratada toda a miséria daquele homem obscu-ro, socialmente sem nome, cego e mendicante, que enxerga em Jesus a porta para a vida, para a luz, para o resgate de sua condição humana.

A partir do clamor, que nada mais é que um pedido de socorro e um brado de fé, ele se move, faz história com o homem, caminha com ele e transforma situações caóticas e de desespero, em paz, harmonia e felicidade. Como Jesus não o atende de imediato, ele torna a clamar, com mais força:

Muitos o repreenderam e mandaram que ficasse quieto. Mas

ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!”

(v. 48).

As pessoas não gostam de ser interrompidas. Na “parábola do samaritano” os piedosos iam ao templo, ao culto, à missa, à novena, e por isso, aquele homem caído, inoportunamente caído no chão, era uma interrupção em seu desejo de se encontrar com Deus, para orar, refletir e estabelecer bons propósitos de vida. No caso de Bartimeu, era necessário que ele se calasse, pois sua gritaria impedia que muitos dos que ali estavam escutassem as palavras do Mestre. E, afinal, ele vieram ali para escutar Jesus...

Ao mandar o cego calar, fica retratada uma feição atual e cruel da dureza de coração de algumas pessoas, que tentam privatizar para si a religião, o sacramentos, o padre, o confessor, o direito de fazer a leitura, etc. A multidão revelou-se, naquele momento, totalmente intolerante e distante do problema do cego, filho de Timeu. Que ele esperasse para depois, amanhã, quem sabe. Agora Jesus era só deles, e eles precisavam escutá-lo para se espiritualizarem... Como ocorre ainda hoje: o excesso de “espiritualismo” oblitera a visão da alteridade. Olhamos para cima e nos esquecer de contemplar o que ocorre a nosso lado.

Filho de Davi, tem piedade de mim! (v. 48).

Jesus parou de pregar. Por certo fez-se um silêncio profundo. Olhou para os lados a procura de quem o chamava assim, de forma tão insistente. Parou de pre-gar porque alguém precisava dele. A solidariedade ali seria a mulher pregação do Reino de Deus que se instaurava entre os homens. Deus ouviu o clamor do pobre e decidiu “descer” para libertá-lo:

Então Jesus parou e disse: “Chamem o cego”. Eles chamaram o

cego e disseram: “Coragem, levante-se, porque Jesus está

chamando você”. (v. 49).

Estava interrompida a “conferência”. A espiritualidade do “retiro” fora adia-da. Jesus tinha coisas mais sérias e urgentes com que se preocupar: um cego pobre e anônimo. As mesmas pessoas que o mandaram calar, agora o incentivavam a levantar-se e a atender o chamado de Jesus. Assim é a vida. Quem é obscuro permanece na exclusão, mas quando a sociedade vislumbra alguém com capacidade utilitária, esse logo passa ser bajulado: é amigo do homem! Pode nos ser útil no futuro!

3. A doença do pecado

Se, de um lado, o amor nos vincula ao mistério de Deus, de outro, pela ruptura que provoca, o pecado destroça o ser humano, rebaixando-o a níveis inferio-res, de onde ele, sem a graça divina, dificilmente pode se libertar. Jesus, nesse particular é médico e remédio contra a terrível e mortal doença do pecado. Todo o sofrimento do ser humano e suas seqüelas tem origem na ruptura que o homem desencadeou, ao rebelar-se contra Deus. Foi através do pecado que a morte entrou no mundo.

A presença do pecado, como força histórica e destruidora, se manifesta atra-vés dos suplícios que uns homens infligem aos outros. Nesse particular, há mi-lhões de pessoas, diariamente, que são vítimas da exclusão, originária nos pecados de seus semelhantes. O pecado avilta o ser humano e o distancia de Deus. Quando o filho da parábola deixa a casa do pai (idéia de ruptura) e vai para um país estrangeiros, onde há fome (idéia de solidão), ele é obrigado a cuidar de porcos e até cobiçar a comida deles (idéia de total indigência).

Hoje, muitos falam em pecado, mas a idéia real dessa ruptura anda muito secularizada. Há quem, embora mergulhado nele, negue sua existência. Outros, atribuem seus desvios a problemas de desajustes psicológicos. O pecado é uma opção pessoal do ser humano.

Deus criou o homem e o deixou livre, ao sabor de suas

decisões (Eclo 15, 14).

O pecado, em sua desordem intrínseca, traz consigo o desvirtuamento dos valores naturais e sobrenaturais, como conseqüência da perda da visão desses va-lores. quem rompe com Deus, afasta-se do próximo, rompe consigo mesmo e com a natureza. Esse afastamento sempre ocorre em direções múltiplas. A partir do pecado desencadeiam-se na sociedade, forças e estruturas que invertem o destino e a finalidade da vida humana, desagregando-a e pervertendo-a.

Quem comete pecado, torna-se escravo do pecado (Jo 8, 34).

Para socorrer um homem em perigo, no caso um cego, Jesus interrompe um “sermão”. Ele faz parar o cortejo glorioso para

dedicarse a um pobre miserável. Os que querem exclusividade de Jesus, são tão cegos como o pobre homem que cla-mava à beira do caminho... Cientes de sua fraqueza, outros, com algum vislumbre da luz divina, oram como o cego de Jericó:

Senhor, eu quero ver de novo! (v. 51c)

Assim, vemos uma notável relação entre os verbos que refletem as práticas de Jesus. Em sua atividade messiânica, perdoar, curar e libertar são palavras que têm um mesmo sentido: reintegrar o homem, excluído por causa do pecado; seu ou da sociedade onde ele vive. Depois de afirmar que o pecador torna-se escravo do pecado, Jesus acena com a cura, que é a Verdade, e que nada mais é que ele próprio:

Vocês de fato serão meus discípulos, conhecerão a

Verdade, e essa Verdade liber-tará vocês (Jo 8, 31s)

4. Que queres que eu faça?

No tópico anterior, estabelecemos como que uma analogia entre a situação de pecado e a cegueira. O homem quando tem sua vista obliterada pelos valores do mundo, fator capaz de determinar a existência de um estado de pecado, ele rompe com Deus. Rompendo com Deus as outras rupturas são meras conseqüências...

Assim como o cérebro de um cego sofre pela falta de imagens, condicionan-do-se às trevas, também a alma de um empedernido pecador padece o distanciamento da visão afetiva e paterna de Deus. Para que Jesus nos ofereça sua mão, sua regeneração e seu perdão, é preciso que se dê o primeiro passo na direção dele. Na parábola, conhecida como “O filho pródigo” (eu prefiro “O pai misericordioso”), o pai corre ao encontro do filho que retorna após longa e sofrida ausência, depois que viu nele o desejo de voltar... Jesus escuta seu clamor de libertação e o chama. Os outros, subitamente transformados pela atenção com que Jesus distingue Bartimeu, incentivam o cego a conversar com o rabi. Nisso, começa a ocorrer um gesto de libertação:

O cego largou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. (v. 50).

O manto jogado para o lado traz consigo um rico simbolismo. Primeiro exprime a alegria, como que uma antecipação de fé, da cura que ele tem certeza que vai ocorrer. Fé é isso: é agradecer uma graça mesmo antes de ela chegar até nós. Em segundo lugar, o significado do manto, que devia ser um abrigo para suas jor-nadas de mendicância, sob o qual até, quem sabe, ele dormia.

Agora curado, o homem vai poder retornar à sua casa, trabalhar, deixar de pedir esmola. Ele já pode se libertar de seu manto de mendigo. Jesus cura sua en-fermidade física e, mais que isso, restitui sua identidade de ser humano, destroça-do pela doença e pela exclusão social. Além de jogar longe o manto, nosso personagem deu um pulo e precipitou-se na direção de Jesus. Ambos os gestos revelam a seqüência do processo de libertação. Jogando o manto ele se liberta das limitações da vida de cego e de mendigo. Dando um salto, ele se livra do torpor, da inér-cia que fazia parte de sua vida até então. É como que o salto de sua alma, na direção de Deus.

Então Jesus lhe perguntou: “O que você quer que eu faça

por você?” (v. 51a).

Esta pergunta de Jesus é a chave para a compreensão deste trabalho. Nossa vida humana, material e espiritual, sempre precisa de “um toque”, um reajuste, uma retomada; um “reaperto”, quem sabe? Jesus chega e pergunta por nossas ne-cessidades:

O que você quer que eu faça por você?

Ele sabe bem quais são nossas carências e dificuldades, mas deseja escutar de nossos lábios a definição a respeito de prioridades. É como aquela pessoa, bem pobre, que não sabe determinar as prioridades de sua vida. Um dia ela ganhou um prêmio na loteria. Não era muito dinheiro, mas dava para fazer uma boa reforma na casa, comprar alguns utensílios domésticos. Sabem o que fez a pessoa?

Comprou um automóvel. Meses depois, perdeu o veículo, pois sem saber dirigir bem, causou um acidente, e não teve recurso para mandar fazer o conserto. Não aproveitou o dinheiro em prioridades, desperdiçou-o em futilidades, e perdeu o pouco que tinha.

Por essa razão, mesmo conhecendo as necessidades humanas, Deus quer escutar de nossa boca, quais são as prioridades que elegemos. No caso do cego, sua necessidade era óbvia. A pergunta de Jesus, no entanto, não foi uma mera formalidade. Sua pedagogia libertadora respeita a liberdade do homem. Jamais iria corrigir uma situação de cegueira, se a prioridade do homem fosse, por exem-plo, permanecer cego mas ficar rico ou, quem sabe, livrar-se de seus inimigos. São Paulo, personificando a conversão e o sentido missionário da Igreja, após uma queda, às portas de Damasco, perguntou a Jesus:

Senhor, que queres que eu faça? (At 9, 6)

A missão que é universal, confiada à Igreja e aos batizados, consiste em a-nunciar (Mc 16, 15), batizar (Mt 28, 19), perdoar (Mt 6, 14s), testemunhar (At 1, 8) e ser solidário ( Mt 9, 41). Enfim, converter-se (cf. Mt 18, 3). É obrigação, de amor filial e zelo missionário, do cristão, depois de curado da cegueira da indiferença e da falta de fé, repetir a pergunta:

Senhor, que queres que eu faça ?

4. Aquele que é e está

As Sagradas Escrituras, após a teofania da “sarça ardente” (Ex 3, 1-18), re-velam que os hebreus, escravizados no Egito, deixam de reverenciar o Deus semita EL, para adorar Javé, ou Yeaowah ou, ainda YHWH, conforme ele se manifestou a Moisés e ao povo. A palavra Yahweh = Javé, é um qualificativo de Deus, que quer dizer “Aquele que é”, ou “Aquele que está contigo”.

O nome de Deus sempre foi honrado e respeitado. Nas Escrituras do Antigo Testamento vemos a vocação histórica do povo, adorando Aquele que criou todas as coisas. Sendo alguém que está aí, Deus se comunica conosco. ele desce e intervém na história dos homens. Sendo livre por excelência, ele quer estabelecer comunhão com homens que se proponham a se libertar. Ele está aí para, através de sua Palavra e de seus sinais (Jesus Cristo é o sinal visível do Pai), conduzir-nos a caminhos retos, por amor de seu nome.

A condição, porém, é que você obedeça a Javé seu Deus,

observando-lhe os mandamentos e estatutos escritos neste

livro da Lei, e que você se converta com todo o coração e

com toda a alma para Javé seu Deus. Este mandamento que

hoje lhe ordeno não é muito difícil, nem está fora do seu

alcance (Dt 30, 10s).

Quando alguém pleiteia um emprego ou um cargo, geralmente costuma ela-borar seu currículo, para traçar seu perfil. Na Bíblia, podemos encontrar o perfil de Deus-Javé, “aquele que é”. Vamos tentar?

• Ele consola e tem piedade dos pobres (cf. Is 49, 13);

• defende a causa dos humildes (cf. Sl 74, 19);

• salva os filhos do indigente (Sl 72, 4);

• é grande, valente e temível (cf. Dt 10, 17);

• ele é rocha e sua obra é perfeita (cf. Dt 32, 4);

• capaz de curar nossas feridas (Jr 3, 22);

• é rico em misericórdia (cf. Ef 2, 4);

• é amor (1Jo 4, 8.16).

A verdade é que, por que está aí, Javé, o Pai de Jesus Cristo, liberta do pe-cado e da miséria, cura e quer que os homens se libertem de todas as servidões, a partir da quebra dos vínculos com o pecado. As atitudes libertadoras de Javé são prefigurações das práticas curativas de Cristo, o libertador definitivo do gênero humano. Assim como Javé o foi para o povo hebreu, Jesus é e será sempre para nós.

Deus é a fonte da libertação radical de quaisquer formas de idolatria e servi-dão ao pecado. Ele cura os corações alquebrados, e seu poder torna capaz a liber-tação do homem na história, desde os tempos do Egito até hoje, na preparação pa-ra a parusia de Jesus.

A história da salvação é toda uma narrativa de resgate, de perdão, de enca-minhamento ao que é reto, e de cura interior. A relação de Deus com o homem sempre foi caracterizada por uma aliança. Essa aliança, que no Sinai foi celebrada com sangue de novilhos (cf. Ex 24, 5-8), seria firmada, posterior e definitivamente com o novo povo de Deus, com o sangue de Jesus, o novo cordeiro (cf. Lc 22,20; Hb 10, 14-18).

A história da salvação é rica em fidelidade e misericórdia, e, em função disto, ela vai desembocar em Jesus, que vem manifestar o amor do Pai, para transformar os homens, curando-os de seus desvios e enfermidades da alma. Para esse resga-te, só um amor muito grande, o amor daquele que “está aí conosco” seria capaz de elaborar um projeto tão cuidadoso e perfeito:

Deus de tal modo amou o mundo, que deu seu filho único,

para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a

vida eterna (Jo 3, 16).

6. A cura interior

Voltando à história de Bartimeu, após Jesus perguntar o que ele queira que fosse feito em seu favor, e o cego respondido que queria ver de novo, o milagre, so-licitado e há tanto tempo esperado pelo pobre homem, finalmente acontece:

Jesus disse: “Pode ir, a sua fé curou você”. No mesmo

instante o cego começou a ver de novo e seguia Jesus pelo

caminho (v. 52).

A expressão no mesmo instante revela que a intervenção de Jesus foi imedia-ta, sem delongas nem adiamentos, e que ocorre diversas vezes no Evangelho de Marcos, para caracterizar a celeridade com que Jesus atendia o clamor dos opri-midos. Nesse sinal de cura, percebe-se, mais uma vez, que a fé é um agregado in-dispensável à realização do milagre. Ao dizer

Pode ir, a sua fé curou você!

Aquele pobre homem, que naquela manhã, por certo, acordara com a certeza que viveria mais um dia cego e pedinte, foi tocado pela medicina de Deus, pelo po-der curador de Jesus, e a luz divina, antes que caísse a noite, havia invadido sua vida, e curado seus males físicos e espirituais. Que diferença faz um único dia, quando apelamos para que Jesus nos auxilie!

Todo aquele que é tocado ou que percebe um sinal de Jesus, torna-se um dos seus, multiplicador de sua luz, emissário do Evangelho. Por isso, diziam os antigos místicos do oriente, que é impossível conhecer Jesus sem anunciá-lo. Curado e reintegrado, o cego unia-se agora à caravana dos discípulos de Jesus, rumo a Jerusalém, rumos aos confins da terra, anunciando a boa notícia da cura interior e da salvação.

Vencidos, cegueira, medo e inércia, o cego torna-se outra pessoa. A ele não interessava mais a mediocridade da vida anterior. Jesus havia passado por sua vida, e ele queria ser um homem novo. Por isso o cego seguia Jesus pelo caminho...

Esse ato de seguir a Jesus ocorre como, primeiro uma gratidão, e depois como o reconhecimento de quem viu no Messias o verdadeiro sentido de sua vida. Pelos tempos afora temos visto pessoas que, diante do perigo ou adversidade imi-nente têm recorrido a Deus, não tanto como aquele que tudo pode, o go’el, o que é capaz de ajudar, como um irmão mais velho. Tanto recorrer à proteção divina, mas logo depois, atendidos ou não, esquecem o que prometeram, abandonam os pro-pósitos e voltam à vida anterior. É incrível a semelhança entre a cegueira de um cego de nascença e aqueles que não se convertem... Em alguns casos, as pessoas sofrem porque ficaram distantes do poder de Deus. Jesus critica essa apatia (que não deixa de ser uma falta de fé):

Até agora vocês nada pediram em meu nome. Peçam e

receberão, para que a ale-gria de vocês seja completa(Jo 16,

24).

No Evangelho de Lucas, a narrativa é mais completa, no que se refere à ati-tude-resposta do cego:

No mesmo instante o cego começou a ver e seguia Jesus,

glorificando a Deus. Vendo isto, todo o povo louvou a Deus

(Lc 18, 43).

O cego decide, não só seguir a Jesus, como também louvar e glorificar publi-camente a Deus. Esse testemunho da ação de Jesus, do poder de Deus e da fé humana, leva o povo, que presenciou o sinal, a igualmente, louvar a Deus. O título deste tópico nos fala em “cura interior”. Ora, se existe a possibilidade de uma cura interior é porque, sem dúvidas, há uma “doença interior”. Que doença é essa? A doença do espírito é a falta de fé que assalta os pagãos, os hereges ou as pessoas de fraca persistência nas coisas de Deus. O ato de enxergar do cego de Jericó, res-soa como um compreender o mistério de Deus.

Curado interiormente, o cego glorifica a Deus, pois o “filho de Davi” é o Rei que vai restaurar a justiça, inclusive para ele. O cego é curado e passa a participar da vida divina, louvando e bendizendo a Deus. Ao curar o cego, Jesus abre-lhe também o coração. A pior de todas as cegueiras que enfrentamos hoje é o indivi-dualismo que faz que a pessoa pense em ser autora de sua própria felicidade inde-pendente de Deus e dos irmãos.

7. Peçam e receberão

Quando uma criança insistente, ou alguém maçante, quer demasiadamente uma determinada coisa, escuta-se as pessoas responderem: “Não vai levar porque pediu!”. Essa expressão, inserida nos ditos populares, revela o desconforto que alguém sofre ao ser incomodado por um pedido insistente. Ou, há quem atenda um pedido para se livrar da aporrinhação. Com Jesus ocorre o inverso. O Mestre gosta que se recorra a ele, solicitando sua intervenção em nossa vida:

O que vocês pedirem em meu nome eu o farei, para que o Pai

seja glorificado no Fi-lho. Se vocês qualquer coisa em meu

nome, eu o farei (Jo 14, 13s).

Disponível, como ao cego de Jericó, Jesus está a nosso lado, perguntando no que ele pode nos ajudar, o que ele pode fazer por nós. As pessoas, muitas vezes, iludidas por méritos e talentos humanos, pensa que pode prescindir da ajuda que vem de Deus, e tenta, sozinho, abrir caminhos de sua vida. Geralmente se dá mal. Lemos, nos Atos dos Apóstolos, a respeito de Jesus que... ele passou fazendo o bem... (At 10, 38).

Essa afirmação é confirmada com a expressão “movido de compaixão” que, só nos Evangelhos aparece seis vezes. Não que o homem seja interesseiro ou pede-pede, mas tudo se resume em uma relação filial. Quando somos crianças, não pe-dimos a nosso pai, a mão para andar na rua, o cachorro quente na esquina, as dicas para a prova de matemática? Pai é para isso... Assim acontece com Jesus. Ele conhece nossas limitações e está sempre pronto a nos ajudar. Foi ele quem disse

Peçam, e lhes será dado! Procurem, e encontrarão! Batam, e

abrirão a porta para vocês! (Mt 7,7).

E se não temos nossas necessidades melhor atendidas, é porque, ou não soubemos pedir ou pedimos de forma equivocada:

Até agora vocês nada pediram em meu nome. Peçam e

receberão, para que a ale-gria de vocês seja completa (Jo 16,

24).

Entretanto, é bom que se diga, que esses “pedidos”, fiéis ao “seja feita a vos-sa vontade”, precisam ter um fundo moral, lícito e edificante. A confiança que te-mos é que, se lhe pedirmos alguma coisa de acordo com sua vontade, ele nos ouve (1Jo 5, 14). A fé é fundamental para a eficácia do atendimento de nossos pedidos: Jesus lhes respondeu:

Eu lhes garanto: se vocês tiverem fé e não duvidarem,

vocês farão, não só o que eu fiz com a figueira, mas

também poderão dizer a esta montanha: “levante-se e jo-

gue-se no mar, e isso aconteceria. E tudo o que vocês na

oração pedirem com fé, vocês receberão” (Mt 21, 21s).

A graça da visão espiritual, da conversão e do reatamento da comunhão com Deus precisa ser expectada e rogada como uma verdadeira cura. Jesus é aquele que pode nos curar. Por isso, nossas orações e súplicas devem conter a fé dos jus-tos e a certeza dos perseverantes:

Cura-me, Senhor e serei curado, salva-me e serei salvo,

porque tu és a minha gló-ria! (Jr 17, 14).

Sem fé, entretanto, é impossível almejar cura e conversão, pois, se tratando de bens espirituais, autênticos dons de Deus, o acesso a eles, nossa resposta a tão generosa oferta só pode ocorrer por intermédio da nossa fé. A falta de fé, a carên-cia de uma visão com olhos do espírito e do coração também é uma cegueira que está a reclamar uma cura imediata. Historicamente, observamos que Deus sempre atende os pedidos dos homens. A atenção do rei Assuero ao pedido de Ester é sinal dessa afirmativa: Também neste segundo dia, durante os brindes, o rei disse a Ester:

Pede-me o que quiseres, rainha Ester, e te será concedido.

Ainda que me peças a metade do reino, te será

concedido! “Se ganhei as tuas boas graças, ó rei, respon-

deu-lhe a rainha Ester, e se for de teu agrado, concede-me

a vida: eis o meu pedi-do! e a vida do meu povo: eis o meu

desejo! (Est 7, 2s).

O Senhor igualmente se mostrou disponível às necessidades dos reis de Israel, assim como de todo o povo:

Em Gabaon o Senhor apareceu a Salomão em sonho durante a

noite e Deus lhe disse: “Pede o que te devo dar” (1Rs 3, 5).

Pede-me! e eu te darei as nações por herança, os confins da

terra em propriedade (Sl 2, 8).

Anteriormente, no período profético da volta do exílio, vemos o Senhor Deus acenando com graças a seu povo, em forma de cura, dons e conversão:

Voltai, filhos rebeldes, eu vos curarei de vossas rebeliões! (Jr

3, 22); Porque te a-plicarei o remédio, curarei tuas feridas

(30,17); eis que lhes trarei remédio e cura; os curarei e lhes

revelarei as riquezas da paz e da fidelidade (33,6); Eu curarei

as suas apostasias, eu os amarei generosamente ...

(Os 14, 5).

É fundamental ao cristão saber que pode contar com Jesus, para a cura dos males do corpo e da alma. Ele sempre está à nossa disposição, para nos curar, nos consolar e nos resgatar. Por que buscar solução em outros caminhos? O que signi-fica a cura de Jesus? Significa que ele (e só ele) tem capacidade para mudar nossa vida, preencher nosso vazio, reverter nossas angústias e assim mudar a história de nossa vida. As narrativas dos Evangelhos mostram como aquele povo simples confiava em sua capacidade curadora:

Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas,

pregando o Evangelho do Reino e curando toda doença e

enfermidade do povo. Sua fama chegou à Síria intei-ra.

Traziam-lhe, por isso, todos os que sofriam de algum mal, os

atacados de diver-sas doenças e sofrimentos:

endemoninhados, epilépticos e paralíticos; e ele os cu-rava

(Mt 4, 23s).

A instauração do Reino de Deu entre nós, supõe a benção das graças de Deus, curando todos os nossos males e aliviando nossas canseiras.

8. Entrou na cidade...

Depois de realizar o milagre de restituir a visão a Bartimeu, às portas de Je-ricó, Jesus entrou na populosa cidade. Ali também havia muita coisa para fazer, muitas pessoas a libertar, a tarefa de anunciar o Reino dos céus, perdoar pecado-res, resgatar os corações contritos, assim como curar os enfermos que por lá havi-a.

A libertação não é algo preexistente, de antemão estabelecido, nem uma posse que se disponha, mas um encargo, uma vocação, uma meta histórica a al-cançar, de cuja conquista depende a continuidade da vida humana e o ingresso na vida sobrenatural posterior. Sob esse aspecto, podemos observar que Jesus insis-tiu na observância da lei de Deus e em especial do mandamento novo que ele veio promulgar:

Dou a vocês um mandamento novo: que vocês se amem uns

aos outros, como eu amei vocês (Jo 13, 34).

Viver esse novo mandamento significa libertar-se de toda a servidão, das coisas, do pecado e do mal. Quem não consegue amar a Deus e ao outro mais do que a si, é porque está preso ao pecado, à intransigência e aos valores inferiores. Deus em sua essência é amor e nos deu seu Filho Jesus para nos mostrar o cami-nho do amor. A messianidade de Jesus não pode ser contemplada de forma sepa-rada de sua ação libertadora. Se ele se houvesse limitado a ser um pregador itine-rante das maravilhas místicas contidas na lei e na história dos judeus, segura-mente ele não teria sofrido a morte violenta que sofreu.

A pregação do Reino e a instauração de sua práxis transformadora entre os homens ensejam e – mais que isto – exige uma ponderável ruptura. A luta de Je-sus ocorreu por causa da justiça, contra todo o poder e dominação que oprimia o povo, privando-o de liberdade. A prática libertadora de Jesus é uma realidade o-corrente aqui e agora (na terra), confirmada por duas colocações:

Os mansos possuirão a terra (Mt 5, 5);

Eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo

(Mt 28, 20).

O Espírito que unge o Messias (cf. Lc 4, 18), é o mesmo paráclito (alguém chamado para ajudar) que virá, procedente do Pai e do Filho, para esclarecer o mundo sobre a verdade e a justiça (cf. Jo 15, 26; 16, 8-15). A recuperação da visão por parte dos cegos é a capacidade que tem o homem, curado pela força que vem de Jesus, ver através (e além) das aparências e circunstâncias.

Cego nem sempre é aquele que não consegue ver, como alguns que vemos pelas ruas, mas alguém que se nega, sistemática e obstinadamente a enxergar. São os que, mesmo possuindo olhos sãos, fecham-se aos sinais da graça de Deus, fechando-se igualmente à caridade, ao encontro, à justiça e à conversão. Nesse caso, a cura tem o nome de libertação...

Na plenitude dos tempos, Jesus chega à humanidade como aquele que é ca-paz de libertá-la de tantas dependências. Nesse tempo privilegiado, é deflagrado um processo libertador, em que o homem tem seus olhos abertos, e toda a sua vi-da é confrontada com aquilo que Deus projetou para ele.

Nós sabemos que Jesus foi ungido pelo Pai para libertar, curar e salvar. Sua palavra é “verdade que liberta”, suas práticas evidenciam seu desejo de curar os enfermos, seu objetivo é tirar os pecadores de seus vícios e libertá-los de suas más inclinações. Excluindo-se desse processo libertador, o chamado “jovem rico”, afas-tou dali entristecido, “porque possuía muitos bens” (cf. Mt 19, 22).

Buscar o Reino dos céus e sua justiça significa, para os pecadores, procurar a cura, exatamente onde ela pode se verificar. Buscar o Reino equivale a ser sinal de vida no meio da morte tão presente em nossas viciadas estruturas sociais. Sig-nifica buscar salvação, perdão e cura para o encontro definitivo com o Deus da Vida.

Havia uma mulher, em Israel, que padecia de uma hemorragia crônica, pro-vavelmente ginecológica, e sua vida se dissipava aos poucos. Assim como hoje, pessoas colocam fora suas forças vitais, em tantos projetos indignos de serem chamados de humanos. Quantas pessoas que nós conhecemos, perdem saúde, dinheiro, virtude e reputação, através de práticas de vida sem valor algum? São como algum enfermo que sofre de constante perda de sangue. Isso com o tempo vai matá-las... Consciente de sua doença, a mulher buscou a cura em Jesus:

Tendo ouvido falar de Jesus, ela veio entre a multidão, por trás dele, e lhe tocou o manto, pois dizia consigo mesma: “Se eu ao menos tocar o manto dele, ficarei cu-rada”. No mesmo instante parou a hemorragia, e ela sentiu no corpo que estava curada daquele sofrimento (Mc 5, 27ss).

É preciso descobrir em Jesus aquela capacidade de nos libertar, e assim cu-rar-nos de todas as mazelas, físicas e espirituais que atormentam nossa vida. Cu-ra, salvação, resgate e libertação são idéias afins, que visam levar o ser humano àquela perfeição sonhada por Deus. A prática libertadora de Jesus consolida-se nos princípios de solidariedade, desapego, perdão, humildade e serviço. Esta é a receita para a cura. O nome do médico? Jesus Cristo. Afinal, nunca devemos es-quecer que é ele que nos faz a pergunta:

O que você quer que eu faça por você?

Ora, se ele pergunta isso é porque sabe que pode fazer o que necessitamos. Feito o milagre, Jesus deixou o cego para trás e entrou na cidade. Ali, outros de-safios o esperavam, entre eles, Zaqueu, o chefe dos cobradores de impostos de Je-ricó. Bem, isso já é assunto para outra reflexão. Sele Jesus quer fazer algo por nós, devolver-nos o sentido da vida, para voltemos a enxergar o bem que vem de Deus, só nos cabe dizer, como o cego da história,

Senhor, eu quero ver de novo!

Questões para debater em grupo

(Apropriadas para o exercício de uma “leitura orante”)

1. Tínhamos a exata noção desse incrível poder de cura de

Jesus?

2. Quando estamos angustiados, a quem buscamos para

resolver nossos problemas?

3. Por que o homem moderno vive com tantas ansiedades?

4. Quais os caminhos que mais nos aproximam de Jesus?

5. Que propostas concretas podemos assumir, como pessoas

e grupo, para que Jesus cure nossa vida?

6. Que é preciso fazer para aceitar a Jesus como nosso

Salvador?