AS DUAS FACES DO FASCISMO

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Nessas últimas décadas tornou-se corriqueiro usar o apelido “fascista” para xingar não apenas os adversários políticos supostamente direitistas, como também todas as pessoas prepotentes, violentas, desonestas e autoritárias. No entanto, bem poucos leitores sabem realmente qual foi o significado real do Fascismo, sistema político italiano liderado por Benito Mussolini. Muitos acreditam que qualquer regime caracterizado pela falta de democracia seja automaticamente “fascista”, mas essa não passa de uma simplificação grosseira sem um real fundamento histórico.

Nesse texto irei explicar aos leitores o que realmente foi o Fascismo na Itália, sem tentativas de apologia, mas também sem esconder os lados positivos dos quais se beneficiaram milhões de cidadãos, principalmente os das classes mais pobres.

Mussolini tomou o poder em outubro de 1922 mediante a famosa “Marcha sobre Roma” que viu o afluxo na Cidade Eterna de dezenas de milhares de militantes fascistas (as Camisas negras). Teria sido extremamente fácil, tanto para o soberano Vitor Emanuel III como para o Primeiro ministro Luigi Facta, dispersar esse bando de facínoras, mas faltou-lhes a coragem moral. Destarte, apesar de ser apenas uma grande palhaçada, a Marcha deu certo e o rei encarregou Mussolini de formar um novo governo composto, além que de fascistas, também de outros partidos políticos de centro e de direita. Nos anos seguintes os Italianos foram ainda chamados a expressar com o voto suas opiniões, mas de regra as eleições eram manipuladas e o Partido Fascista se saiu bem. O derradeiro pleito “livre” foi realizado em 1924 quando meu avô, um socialista que abominava os fascistas, teve a coragem de votar para a oposição de esquerda. Devido o voto não ser nada secreto, poucos dias depois ele foi enfrentado por um grupo de “camisas negras” que o ameaçaram verbalmente. Felizmente não foi espancado, mas o perigo foi real.

Mesmo assim, graças a um colega fascista que garantiu para ele, meu avô conservou o emprego de operário ferroviário. Poucos anos depois ele e a esposa foram morar num prédio, construído expressamente para os funcionários das Ferrovias. Nele havia água encanada e uma privada interna, enquanto a grande maioria dos operários ainda morava em cortiços sem água onde funcionava uma única latrina para vários inquilinos. Foi, tudo somado, um grande progresso material e o salário que recebia foi sempre suficiente para manter a família, sem luxo, mas com dignidade. É verdade que em casa não havia um chuveiro, mas naquela época era normal que os trabalhadores, terminado seu expediente, se reunissem nos locais do “Dopolavoro” (depois-do-trabalho) onde podiam tomar banho diariamente e socializar com os colegas. A Obra Nacional do Dopolavoro, nascida em 1925, contava com 280.000 filiados, prevalentemente trabalhadores braçais. Em 1940 o número de filiados havia subido para cinco milhões, ou seja, mais de 10% da população italiana.

Todos os filiados ao Dopolavoro gozavam de uma assistência médica integrativa (desconhecida nas épocas anteriores), de indenizações em caso de infortúnio, invalidez ou óbito, sem falar nas muitas outras facilitações e descontos. Vale a pena ressaltar a possibilidade para os jovens do Dopolavoro de praticar esporte e participar de atividades culturais. Em 1936, o Dopolavoro atuava em 1.227 teatros, 771 cinemas e 7.000 entre orquestras, bandas musicais e coros, sem falar nas 6.500 bibliotecas. Devido poucas pessoas terem a possibilidade de veranear nas praias, o Dopolavoro organizava colônias de férias para jovens e crianças: em 1930, 150.000 crianças desfrutaram dessa iniciativa e já em 1934 o número subiu para 475.000.

A Itália foi a primeira nação da Europa que construiu uma autoestrada (1924) e o regime fascista sempre tentou estimular o transporte de massa, tanto que costumava organizar, nos feriados, os renomados “trens populares” que ofereciam 80% de desconto na passagem. O resultado foi que cada domingo mais de um milhão de pessoas de baixa renda teve a oportunidade de passar o dia na praia. Foi justamente naquela época que surgiu a moda do bronzeado. A popularidade de Mussolini cresceu não apenas na Itália, mas também no exterior e Winston Churchill nunca negou a sua admiração pelo Fascismo. Em 1931 o saneamento das paludes do Lácio (a malária foi erradicada para sempre) gerou emprego para 230.000 operários e 26.000 colonos. Essa obra gigantesca foi tomada como exemplo pelo presidente Roosewelt que, em 1933, assinou o Tennessee Valley Act visando desenvolver as áreas mais pobres de seis Estados americanos.

Basicamente o corporativismo fascista, que nasceu em 1927, vinha de uma interpretação solidária da encíclica Rerum Novarum de papa Leão XIII e estabeleceu a paridade entre produtores e trabalhadores. Consequentemente a jornada de trabalho foi reduzida a 40 horas semanais acarretando, em poucos meses, a contratação de 223.000 operários desempregados, dos quais 60.000 eram mulheres. Visando favorecer os trabalhadores, em 1933 nasceu o INPS e várias outras autarquias que ainda existem. A assistência sanitária foi estendida aos trabalhadores por meio de planos de saúde coletivos financiados tanto pelos próprios funcionários como pelos empresários. Foram introduzidos o salário-família e um salário reduzido em caso de desemprego.

Tudo somado o Fascismo, apesar de ter tirado a liberdade política do povo italiano, continuou sendo relativamente popular até depois das Leis Raciais de 1938. Essas Leis visavam atingir os Judeus de nacionalidade italiana mas, como reconheceu a famosa filósofa judia Hannah Arendt, havia tantas exceções nelas que quase ninguém ficou prejudicado. Ainda em 1940, quando a guerra já havia começado, a Marinha Militar italiana socorreu e salvou 500 Judeus de nacionalidade alemã cujo navio havia afundado perto da ilha de Rodes. Realmente o racismo jamais fez parte da cultura dos Italianos e uma das amantes do Duce, a renomada jornalista Margherita Sarfatti, era judia. Hitler teria aceito uma amante judia?

Fundamentalmente o lado sombrio do Fascismo veio de seu substrato violento que induziu Mussolini a manter a Nação num estado de guerra quase permanente. Os últimos anos da década dos ’20 foram dedicados à reconquista da Líbia, onde o valente Omar al-Mukhtar combateu contra os invasores até ser enforcado pelas tropas italianas em 1931. Em 1935 o exercito de Mussolini agrediu a Etiópia provocarando a morte de 275.000 combatentes africanos, muitos dos quais asfixiados por gases tóxicos. Em Julho de 1936 eclodiu a Guerra de Espanha e a ajuda do Fascismo foi determinante para a vitória do general golpista Francisco Franco. Tanto a guerra na Etiópia como a na Espanha geraram, com seus enormes gastos, o empobrecimento da Nação e o enfraquecimento das Forças Armadas, mas Mussolini, visando apenas reconstituir o antigo Império Romano, não se importou com essas consequências.

No entanto, a catástrofe pior foi a Segunda Guerra Mundial. Na verdade, em 1939, quando essa guerra começou, Mussolini declarou a não-beligerância da Itália. A intenção do ditador era de “ficar em cima do muro” no aguardo de uma oportunidade para entrar em guerra ao lado de Hitler ou, se tivesse sido mais conveniente, até contra ele no momento em que o líder nazista tivesse sofrido um revés importante. Foi graças a essa atitude cínica e oportunista que Mussolini resolveu agredir a França quando essa nação já havia sido derrotada pelas tropas de Hitler. Mesmo assim, as carências do Exército italiano eram tamanhas que se o governo francês não tivesse assinado um armistício com a Alemanha, os Italianos teriam sido rechaçados pelos Franceses. Sempre visando alcançar glória militar, o Duce atacou a Grécia, mas seus soldados foram vergonhosamente derrotados e só a intervenção dos nazistas salvou o Exército italiano de uma catástrofe. Isso não impediu que as tropas italianas sofressem perdas terríveis nas sucessivas campanhas militares na África e na Rússia. Enfim, depois que os Aliados invadiram a Sicília, o soberano destituiu Mussolini e continuou combatendo ao lado dos anglo-americanos.

Basicamente o Fascismo foi uma ditadura parecida com a de Getúlio Vargas cujas Leis trabalhistas foram inspiradas na Carta do Trabalho de 1927. O Fascismo suprimiu os partidos políticos, os sindicatos e a imprensa independente, e perseguiu, embora com moderação, seus opositores. Por outro lado favoreceu bastante os trabalhadores que, embora continuassem pobres, pelo menos saíram da miséria e adquiriram um discreto grau de dignidade.

Durante os vinte anos de regime fascista a Itália se desenvolveu, mas poderia ter se desenvolvido muito mais se o Duce tivesse deixado de lado as aventuras militares. A Guerra mundial, declarada sem a menor necessidade objetiva, reduziu o Pais num estado lastimável de escombros materiais e morais. Mais de 250.000 soldados perderam suas vidas junto com centenas de milhares de civis. Tudo o que havia sido alcançado com grandes sacrifícios foi perdido e a Itália passou a ser olhada com desprezo tanto pelos Aliados quanto pela Alemanha que se sentiu traída.

Atualmente muitos acreditam que se Mussolini tivesse ficado longe das guerras, hoje seria lembrado apenas como “o homen que conseguiu fazer com que os trens chegassem sem atraso”.

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Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 02/08/2017
Reeditado em 10/11/2020
Código do texto: T6071907
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