MISCIGENAÇÃO IDEOLÓGICA, CALDO DE CULTURA PARA A CORRUPÇÃO

As denúncias de corrupção passaram a fazer parte da rotina dos noticiários. A cada novo dia, as cifras envolvidas tornam-se mais robustas e viçosas. Entretanto, parece que o povo nem mais se choca com os escândalos que se sucedem. Estamos vivendo os tempos da banalização da canalhice.

Alguns fatos são apontados como causa dessa tragédia que se abate sobre a nação tupiniquim. A impunidade, sem dúvidas, tem seu destaque. A certeza de que nada ou muito pouco acontecerá, em termos de punição, com aquele que se apropria, indevidamente, do bem público incentiva a prática desonesta. Tem sido apontado também o artifício legal da reeleição, que facilita o aparelhamento do Estado, em todos os níveis, e, consequentemente, o controle de suas instituições por parte de um pequeno grupo que, se perpetuando no poder, começa a encarar a coisa pública como se fosse sua propriedade particular, fazendo dela aquilo que bem lhe aprouver. Não discordamos dos pontos mencionados, muito pelo contrário. Entendemos que os dois fatores, de fato, são os grandes patrocinadores da corrupção, sendo que o segundo abre caminhos para o primeiro. Mas há um terceiro fator que, em geral, não tem sido objeto de muita análise por parte da maioria dos teóricos que se dedicam ao tema. Estamos falando da miscigenação ideológica dos políticos brasileiros.

Para exemplificar nossa tese, tomemos o recente pleito para Presidente da República (notem que a situação que explanaremos se repete na imensa maioria dos estados e municípios). Tivemos, de um lado, a esquerda representada pela candidata do PT e, do outro, a direita representada pelo candidato do PSDB, correto? Errado! Nada mais errado! Na coligação que reelegeu a presidente Dilma constavam o PP e o PR, partidos que apresentam programas e histórias muito mais à direita do que o PSDB. O governo petista que se orgulha de ser de esquerda e participa o Foro de São Paulo, ao mesmo tempo, faz mil e uma concessões aos bancos e grande empresariado, os verdadeiros donos do capital (direita) porque sabem que sem eles não conseguem prosperar. Pelo lado da oposição, a dita “direita”, o próprio PSDB apresenta um programa de centro-esquerda. Se analisarmos o comportamento político dos governos estaduais do PSDB não percebemos grandes diferenças em relação às administrações petistas. Não é novidade para ninguém que o ex-presidente Lula, fundador do PT, deu prosseguimento às políticas sociais de seu antecessor, FHC, um tucano. FHC era um intelectual lido e comentado nos círculos da esquerda, nos anos 80. No segundo turno das eleições, o PSB (esquerda) e algumas lideranças sabidamente comunistas, como Roberto Freire, declararam seu apoio ao candidato Aécio, o representante da “direita”. Como, então, caracterizar PT e PSDB como esquerda e direita, respectivamente?

Para manter a coesão desses grupos partidários formados para disputar as eleições, quando estão no poder, evidentemente, as ações pautadas na mais fiel ideologia são ineficazes, já que cada um dispara para um lado diferente. O que tem mostrado alguma eficiência é a distribuição de “bônus”, “gratificações” ou “mimos” (o vocábulo “propina” é muito feio. Lembra prostituta da esquina) capazes de sufocar as gritantes divergências ideológicas. E como gerar recursos para manter a distribuição desses dividendos de fidelidade? O jeito é expropriar o erário público.

Então, o eleitor precisa estar atento às sopas de letrinhas chamadas de coligações. A junção de partidos com vieses ideológicos muito diversos sugere que algum interesse escuso possa estar presente. E se ainda não está, forçosamente, virá a estar. A miscigenação ideológica torna-se um caldo de cultura magnífico para a proliferação dos bacilos da corrupção. Lamentavelmente, nossas escolas não se dedicam a uma educação voltada para o pleno exercício da cidadania e, portanto, tais temas não são aprofundados nas mesmas. Quando muito são tocados de leve, bem superficialmente. Assim, não é apenas o eleitor analfabeto, ignorante que não sabe votar. Muitos letrados e cultos sofrem da mesma cegueira política que, preconceituosamente, costumamos atribuir aos que não tiveram a oportunidade de estudar. Talvez a chamada “reforma política”, tão cantada pelos governantes e pela oposição, mas que há anos fica só nas canções, traga algum mecanismo capaz de minimizar os nocivos efeitos dessa prática. Sinceramente, desacreditamos nessa possibilidade, porém clamamos por um milagre.

Acreditamos que conseguimos explicitar nosso ponto de vista de forma bem clara e, justamente, a miscigenação ideológica a que nos referimos tem suscitado alguns comentários do tipo: “No Brasil, a direita morreu e a esquerda está agonizante.” Temos opinião diferente. Ambas, direita e esquerda estão adormecidas, sedadas pelo mau caratismo de uma parcela significativa dos políticos de plantão.