PEC 37: ‘Rei morto, rei posto’ ou ‘Tudo como dantes no quartel de Abrantes’?


A frase ‘rei morto, rei posto’ procede da mitologia grega. Dentre as inúmeras aventuras atribuídas ao herói Teseu, a que deu origem a essa expressão deriva da derrota por ele imposta ao Minotauro, criatura monstruosa, metade touro, metade homem, e a Minos, rei de Creta.

Diz a lenda que o jovem Teseu, após a vitória sobre o rei Minos, herdou-lhe o trono, a admiração de seu povo e o amor da rainha viúva. A expressão é até hoje usada para referir que, em política, não pode perdurar por muito tempo a vacância de poder, ou seja, morto um rei (ou detentor do poder) logo outro deve tomar-lhe o lugar.

Já a frase ‘tudo como dantes no quartel de Abrantes’ remonta à época da invasão napoleônica a Portugal. A cidade de Abrantes foi uma das primeiras, senão a primeira, a ser ocupada pelo general Junot. A família real portuguesa havia imigrado para o Brasil, de modo que a ocupação se fez sem qualquer resistência. O general francês foi recebido na cidade como ilustre visitante, assumiu o comando do quartel de Abrantes, acomodou ali seus homens e tudo continuou na mesma rotina de sempre. E assim teve origem o dito popular; quando alguém perguntava como iam as coisas, a irônica resposta era esta: ‘tudo como dantes no quartel de Abrantes’.

Ainda estamos sob a égide da invasão das ruas pelas recentes manifestações, tanto no Brasil como em muitas outras partes do mundo, e julguei oportuna a analogia com o heroi e com a cidade; com Teseu e com Abrantes.

Todavia quero, ainda uma vez, falar da PEC 37. PEC, por extenso, Proposta de Emenda Constitucional. Até pouco tempo uma sigla obscura e desconhecida de todos, de repente, estrelando sob os fortes holofotes da mídia, foi transfigurada e demonizada. Eleita bola da vez, pintada e bordada em cartazes e faixas, fez sua estréia em largos espaços nos noticiários de rádio e televisão como a grande vilã.

Para começar do começo e justificar tanto o ‘rei morto, rei posto’ como o ‘tudo como dantes’, é preciso dizer que fomos todos ludibriados, vitimas da mentira que nos foi enfiada goela abaixo pelos meios de comunicação. Digo que fomos enganados e vítimas de um embuste, de uma vigarice, porque não posso crer que todos os jornalistas e comentaristas políticos sejam desinformados e obtusos. Não me parece possível que nenhum tenha tido a curiosidade de ler o texto constitucional para saber do que iria falar. Ou será que apenas lêem, idiotizados, aquilo que vem editado no teleprompter? Que existam trogloditas ou idiotas da objetividade como diria Nelson Rodrigues, ou bonecos de ventríloquo, mercenários serviçais da mídia venal, todos sabemos. O que se desconhecia é até aonde esses capangas dessa imprensa que desinforma seriam capazes de ir.

Vamos esclarecer de uma vez por todas: nenhuma proposta de emenda constitucional (PEC) teria o dom de tirar do Ministério Público uma prerrogativa que ele nunca teve; que lhe é vedada expressamente pela Constituição Federal de 1988. Textualmente:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.

§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Como se pode observar pelos trechos que propositalmente deixei negritados, pois são os que nos interessam neste caso, em nenhum momento a lei dá ao MP a atribuição de investigar.

A despeito disso, o MP vem invadindo essa competência que, como vimos no texto constitucional é função da polícia, com exclusividade. Curiosamente, o Ministério Público que deveria ser o guardião da Constituição, age ao arrepio da Lei, instalando de ‘per se’ procedimentos de investigação criminal com base na Resolução 13 do próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Não é preciso ter muita cultura jurídica para perceber que uma resolução interna de um órgão não pode sobrepor-se ao texto constitucional. Claro que o MP não desconhece isso, tanto que já patrocinou a tramitação das PECs 109/1995 e 197/2003, ambas visando atribuir poderes investigatórios ao MP e ambas recusadas pelo Congresso Nacional.

A grande mídia, por ignorância ou má-fé, instou-nos a crer que a PEC 37 tirava do Ministério Público o direito de investigar; de por os corruptos na cadeia. Fizeram despertar em nós um ódio inútil. Iludiram-nos. Mentiram para nós deslavadamente.
Se era assim, então para que serviria a PEC 37?
Exatamente para esclarecer que o MP não tem competência constitucional para investigar; para deixar isso bem evidente.
E agora que a PEC 37 foi recusada?
Nada acontece. O texto da Constituição continua como já estava e o MP continua sem ter competência para fazer investigação criminal o que, na verdade, jamais teve.
Como costuma dizer hoje a juventude, a ‘fila anda’ e, como lembrariam os mais velhos, ‘rei morto, rei posto’ ou, ‘tudo como antes no quartel de Abrantes’.

Se ainda tiverem alguma dúvida sobre terem sido ‘enrolados’ pela midia, vejam estes artigos que selecionei sobre o tema:

LINKS SOBRE A PEC 37
(Para ler os textos bastará copiar cada um dos endereços eletrônicos e colar no navegador)
A inconstitucionalidade da Resolução 13; Cezar Roberto Bitencourt;
http://www.ibadpp.com.br/wp-content/uploads/2013/04/A-inconstitucionalidade-da-resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%BA-13-do-conselho-nacional-do-Minist%C3%A9rio-P%C3%BAblico.pdf?05470b
O Ministério público e o poder de investigar; Antonio de Holanda Cavalcante Neto;
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11011
Parecer do constitucionalista sobre a PEC 37; José Afonso da Silva;
http://www.sindelpo.com.br/delpoli/index.php?option=com_content&view=article&id=231:parecer-do-constitucionalista-jose-afonso-da-silva-pec-37&catid=23:noticias
Porque sou a favor da aprovação da PEC 37; Bruno Fontenele Cabral;
http://jus.com.br/revista/texto/24531/por-que-sou-a-favor-da-aprovacao-da-pec-37
Dez motivos para dizer sim à PEC 37; Deivid Willian dos Prazeres;
http://www.oabsc.org.br/artigo.do?artigoadvogado.id=749
Ministério Público quer escolher o que e quem investigar; Luiz Flávio Borges D’Urso;
http://www.conjur.com.br/2013-mai-11/luiz-durso-ministerio-publico-escolher-quem-investigar?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook
Ives endossa PEC 37 e critica postura de vestal do MP; Ives Gandra Martins;
http://www.delegados.org.br/index.php/articles/ultimas-noticias/516-ives-gandra-endossa-pec-37
A inútil derrubada da PEC 37; Ives Gandra Martins;
http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-inutil-derrubada--da-pec-37-,1049610,0.htm