Der Rosenkavalier

Passei os últimos dez anos assistindo óperas. A primeira foi uma versão de “A Flauta Mágica” (em sueco!) que Ingmar Bergman filmou na década de 70. Depois vieram “Rigoletto”, “Don Giovanni” – na ótima adaptação para o cinema feita por “Joseph Losey” – e Tristão e Isolda. Com o tempo, comecei também a acompanhar as raras montagens que eram apresentadas no Palácio das Artes em Belo Horizonte. Ali assisti “Andrea Chénier”, “Rigoletto”, “La Bohéme”, “Tosca”, “Nabbuco”, a lastimável montagem de “Carmen” que aconteceu ano passado, “Un ballo in maschera” e “Fedra e Hipólito” – do compositor contemporâneo Christopher Park . Desde que cheguei a Milão, vi no La Scala “La Cenerentola” – numa adaptação para crianças –, “Il Trionfo del Tempo e del Disinganno” e “I Due Foscari”.

Até ontem. Porque ontem assisti “Der Rosenkavalier”, de Richard Strauss, com regência de Zubin Mehta. Zubin Mehta, aquele maestro indiano que eu sempre vira nos DVDs que assistia – a primeira versão de Tristão e Isolda que vi (gravada em Munich) tinha regência dele. Zubin Mehta estava ali, na minha frente, regendo uma ópera de Richard Strauss, cuja “Elektra” tinha me impressionado muito há cerca de dois anos atrás.

Cheguei esperando uma ópera sombria, tensa e mais wagneriana do que qualquer ópera do próprio Wagner, como é “Elektra”. Porém “Der Rosenkavalier” não é nada disso; e é muito mais que isso. Talvez a melhor ópera do século XX: resultado do formidável encontro entre o gênio musical de Strauss e o gênio literário de Hugo von Hofmannsthal, que escreveu o libreto, “Der Rosenkavalier” amalgama toda história da ópera, literária e musicalmente. Há muito de Mozart, do melhor Rossini ( “Le Comte Ory”), de Verdi, do “Verismo” que aparece na patética ária italiana do primeiro ato, da valsa vienense como jocoso leitmotiv do barão von Lerchenau. O terceiro ato tem um momento (quando a farsa de Octavian é revelada) que lembra muito o “tutto è burla nel mondo” do Falstaff de Verdi.

A princesa Marie Thérèse e sua consciência trágica em relação à "vaidade de vaidades" que é o mundo, é uma personagem que foge completamente ao padrão da moça apaixonada e ingênua (Mimi, Violeta, Michaela e mesmo Tosca). Talvez a única mulher com tanta dramaticidade na história da ópera seja a Norma de Bellini, porém sem a generosidade quase estóica de Marie Thérèse.

Hofmannsthal inverte os papéis no fim do primeiro ato, e é como se estivéssemos ouvindo o diálogo entre um Hamlet ingênuo (Octavian) e uma Ofélia cirscunspecta e consciente do tempo que destrói: “Die Zeit, die ist ein sonderbar Ding. Wenn man so hinlebt, ist sie rein gar nichts. Aber dann auf einmal, da spürt man nichts als sie. Sie ist um uns herum, sie ist auch in uns drinnen” (Coisa estranha é o tempo. Passamos os dias da nossa vida e o tempo é nada. Mas, de repente, não sentimos outra coisa que esse nada. Está à nossa volta, e também dentro de nós), numa passagem que lembra muito a famosa reflexão de Agostinho sobre o tempo. É a diferença entre um libretto banal e um libretto escrito por um grande poeta. É o que faz as grandes óperas.

Interpretações impecáveis, cenários muito bem cuidados, ótimos cantores, a orquestra do La Scala sempre notável. Só um porém: Sophie Koch faz um ótimo trabalho como Octavian, mas como eu queria ter visto a fantástica Joyce DiDonato nesse papel. Ela sim, seria o perfeito Octavian.

Luciano Machado Tomaz
Enviado por Luciano Machado Tomaz em 01/07/2016
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