A viola caipira, o violão, o modismo e o preconceito.

Tenho lido sobre a entrada da viola caipira no Brasil quando os portugueses começaram a explorá-lo. Era natural que os patrícios trouxessem seus instrumentos de trabalho e diversão para o novo mundo. A violinha em nova terra, foi passando de geração à geração de novos filhos da pátria. Hoje estão por aí e aqui, mais sofisticadas que antes, umas, e formando até orquestras, outras, de uma original rusticidade capaz de causar inveja ao melhor artesão da idade média, como é o caso da viola de cocho.

O piano, o violão e o acordeon, foram trazidos bem depois. O que sei por leituras é que bem antes o povo simples adotou a viola, e particularmente aqui no Ceará, li escritos poéticos do Juvenal Galeno, que muito escreveu no século XIX e se refera às violas em vários poemas seus, não faz alusão alguma à sanfona. Esta foi adaptada para outros estilos bem nossos, na música nordestina por exemplo, se deu o caso de ser usada para acompanhar os rítmos do baião, do xote e outros mais, que já na época da segunda grande guerra, nas festas promovidas pelos militares norte-americanos em terras potiguares, foram chamados pelo famigerado nome de "forró", que nasceu da expressão inglesa "for all," nos dias de bailes em que os gringos resolviam escancarar os portões dos barracões para a ralé em geral. Mas o que eu quero dizer é que os instrumentos musicais e até os estilos sofrem discriminações, saibam, a Inezita Barroso relatou isso muito bem, ela própria viveu o drama da viola ter sido passada pra traz com o advento da jovem guardana década de 1960. Depois, a musa dos matutos, retorna sim bem mais pungente principalmente para os estados do sudeste, sul e centro-oeste. Outro instrumento tido por coisa de malandro foi a violão, este descendente do alaúde que vem das terras do profeta Maomé, e dele, do instrumento eu mesmo posso falar por mim, que com meus treze anos fui atraído pelo seu som aveludado e feiticeiro. Algumas tias minhas não viam isso com bons olhos e até diziam pra minha mãe que eu poderia me tornar um um boêmio cachaçeiro. Bem, não erraram de todo a profecia, mas não me tornei um boemio cachaceiro e malandro, explico: tomar umas e outras com parcimônia e se viver a sensação de inspirado e apaixonado, isso vivi, e isso é o que parece ser boêmio, apesar de eu não ter nascido na França. Mas eu gostaria de dizer mais é que a viola e o violão estão no nosso país e sofreram muitas variações, pra viola se criaram várias afinações e era empregada em estilos remotos, como o fado, o lundu, o maxixe, o cateretê, o jongo, o cururu, o baião dos repentistas dentre outros, resalto ainda que antes do rei do baião, a viola já era a estrela que brilhava nas festas do nossos rincões. Digo porém que, com raras exceções, só mesmo quem conhece e sente a sonoridade e a levada desses antigos rítmos, sabe bem apreciá-los e valorizá-los. Conheço jovens estudantes de música pop que descartam os sons suaves até de violinos, simplesmente por darem mais ouvidos aos sons estridentes e distorcidos de guitarras elétricas. Eu mesmo adotei a viola aqui no nordeste, antes eu era só violonista, por isso fui interrogado por alguns companheiros de arte com uma certa ironia se eu ia ser mesmo violeiro, como se eu estivesse decaindo, SIM! foi a minha resposta. É que não percebo a arte como algo ligado ao modismo, sinto a arte sim, pela beleza que ela expressa independente da época, me ligo no som do passado e no do presente, tanto escuto Beethoven quanto Luis Gonzaga, tanto ouço os sons tribais, quanto o jazz e a música atonal, para mim a arte sonora é aquela que me apraz.Com a mesma sede de ouvir e sentir o belo, aprecio a graça de vestimentas, de esculturas, o prazer de cheiros e sabores, a beleza de velhas partidas de xadrez até! filmes e fotos antigas, coreografias arcaícas de dança ... ufa, formatos de objetos e muito mais que nem lembro agora. Basta existir a beleza e eu percebê-la que me sinto atraído. Voltando a falar de música, tanto existe a atração como a repulsão, é que alguns ortodoxos não aceitaram facilmente a colocação da guitarra elétrica na chamada pura música brasileira também na década de sessenta. Não sei se o que tento dizer aqui atinge o mínimo para uma razoável crônica, mas permaneço na minha, é assim que me defino. Assim tento divulgar o que vejo e como sinto, sei que existem pessoas empáticas comigo por este mundo de meu Deus.

E que os seguidores do modismo desfrutem do seu gôsto e gastem o que possam gastar pra satisfazerem seus apetites e desejos sonoros. Quanto a mim, fico na minha, pois se pra alguns sou tido por ultrapassado, não me sinto ofendido, apenas digo que, se eu tivesse condição financeira de seguir a moda, mesmo assim eu não a seguiria, e continuaria sendo chamado de demodê, sei também que os de língua ferina ainda iam juntar a este adjetivo um outro e era bem capaz de algum ouvir algum murmúrio tipo: Além de ultrapassado, muquirana!