FLOR LEVA ILDEU À SUA CASA

Extraido do livro "DUAS VIDAS UM SÓ DESTINO" - De autoria do autor,

 

         Quando da realização do baile de formatura de Walquíria, Ildeu também já havia terminado os seus exames finais do curso ginasial e já se sentia aliviado. Era só esperar pela festa. Mas tanto a entrega dos diplomas como a realização do baile tinham sido adiadas para o mês de janeiro do ano seguinte. Até então, Ildeu ainda não sabia qual teria sido a reação do senhor Domingos a respeito do incidente ocorrido na festa na fazenda, pois nem Seu Paulo e nem Flor lhe havia dito nada, embora já tivesse conversado bastantes com eles. Ildeu que já se sentia atraído bela beleza e meiguice de Flor, ficara mais entusiasmado após os acontecimentos do baile de formatura da Walquíria e não deixava de pensar em terminar aquela conversa com Flor, iniciada na varanda da casa do senhor Domingos e interrompida com a chegada de Verônica.

         Seu Paulo quando em viagem, sempre deixava o seu automóvel nas mãos de Ildeu para que ele o utilizasse nas necessidades de sua família ou para qualquer interesse seu. Assim! Em determinada tarde, já no começo do verão, Ildeu resolveu dar uma volta pela cidade. Chamou as imãs Verônica e Maria Antônia para ir tomar um sorvete no centro da cidade. Para surpresa de todos lá se encontrava a Flor sentada à uma mesa saboreando uma taça de sorvete com refrigerante, conhecido por vaca preta. Ao vê-los Flor chamou-os para se juntar a ela. Ali, conversaram bastante enquanto todos tomavam os seus mais variadores sorvetes. Todos estavam bastante saudosos porque desde o baile de formatura da Walquíria ninguém tinha se encontrado mais, principalmente Maria Antônia que fazia mais tempo ainda que não via Flor. Ildeu e Flor trocavam olhares profundos perfeitamente perceptíveis aos demais componentes da mesa. O que estaria passando na cabeça de cada um daqueles dois? Certamente todos ali tinham esta mesma percepção até mesmo a Maria Antônia que já contava 14 anos de idade. Para Ildeu e Flor seria aquela tarde o momento deles poderem continuar a conversa interrompida há algum tempo, lá na varanda da fazenda, mas na presença das duas irmãs aquilo não seria possível. Algum artifício os dois teriam que criar para que os mesmos pudessem ficar a sós. Flor tomou a iniciativa:

         - Ildeu! Quando vocês forem embora você me daria uma carona até à porta de minha casa?

         - Com todo o prazer, Flor!

         - Mas não precisa de pressa. Os meus pais foram à Uberlândia e só voltarão amanhã. Vou pernoitar com uma tia que mora bem perto de minha casa.

         - Tudo bem Flor. Estou a seu dispor. Deixaremos as meninas na sua casa e de lá te levo em casa.

         Naquele momento a Verônica percebendo que os dois queriam ficar a sós logo foi dizendo:

         - Isto mesmo! Eu ainda não terminei os meus exames finais e tenho muito a estudar. Quando vocês quiserem ir já estamos prontas! Não é Maria Antônia?

         Àquela hora os corações dos dois pretensos namorados certamente estavam batendo mais fortes. Bem mais fortes! Suas bocas estariam secas! Quiçá lhe estariam faltando fôlego e palavras. Mas afinal onde os dois poderiam realmente estar a sós? Dentro do carro? Na varada da casa de Verônica? No Bar do Vicente?

         Ildeu que sempre se mostrara como uma pessoa ponderada e muito tímida, realmente estava emocionado e não conseguia, em sua mente, achar uma saída. Sua emoção era tanta que mal dava conta de dirigir. No entanto, a Flor que sempre se mostrou mais extrovertida, não deixava transparecer a sua inquietação interior, embora queimasse por dentro de tanta emoção e não iria perder aquela oportunidade que tanto esperava, custasse o que custasse. Já havia arquitetado o seu plano.

         Ao deixar Verônica e Flor em casa, Ildeu dirige-se a Flor e lhe pergunta:

         - E ai? onde vamos?

         - Para minha casa! Respondeu For.

         - Não! Para sua casa não! Não quero lhe causar aborrecimentos com seus pais.

         - Já lhe disse que eles foram para Uberlândia e só voltarão amanhã. Não tem nenhum perigo. Ou você tem algum outro local para ir?

         - Não! Não tenho! Mas acho arriscado ir até à sua casa. Certamente se seu pai ficar sabendo disto não irá gostar.

         - Ildeu! Tanto eu como você, sabemos que temos muita coisa para conversar. Temos ou não temos?

         - Sim! E estou curioso para saber de você e alguma coisa sobre seu pai, mas principalmente para continuarmos aquela conversa iniciada na varanda da casa da Fazenda quando a Verônica chegou e me levou até ao seu pai! Lembra?

         - Como lembro! Desde aquele dia não mais deixei de pensar em você. Só não o procurei antes porque não queria atrapalhar os seus estudos para os exames finais e no dia do Baile de formatura da Walquíria achei por bem nada dizer, mas serviu para eu confirmar o que realmente sinto. Mas agora chegou a hora! Siga para a minha casa.

         Realmente a Flor era uma mulher decidida. Sabia o que queria e estava disposta a enfrentar o seu pai. Não seriam as opiniões e os caprichos de seu pai que lhe iriam afastá-la da pessoa que ela viesse a amar. Fosse ela branca ou preta; rica ou pobre. Para ela bastava as qualidades inerentes ao caráter, à integridade intelectual e a disponibilidade para amar.

         Ildeu, por mais que queria estar a sós com Flor ainda achava que aquele não era o local correto. Por outro lado, aquela situação embaraçosa não era a primeira que lhe exigira uma tomada de decisão. Lembrou, rapidamente, entre outras, o dia que naquela encruzilhada, decidiu e fugiu de casa. Naquele momento tinha que deixar a sua timidez de lado e ir atrás do que o seu íntimo desejava. E Ildeu estaciona o carro em frente da casa de Flor.

         O casal entra em casa e vão diretamente para uma varanda da casa que ficava do lado oposto ao da rua. O coração de Ildeu parecia querer sair pela boca. Pediu um copo de água. Até então nada tinha acontecido entre eles além das trocas de olhares desde aquele dia do Baile das debutantes e a dança de rosto colado no baile de formatura da Walquíria. Nenhum dos dois houvera dizer o que um poderia estar sentido pelo outro. Apenas os seus interiores, certamente, já estariam se entendendo de alguma forma, se é que isto seja possível. Para Flor só faltava uma explicação satisfatória por parte do Ildeu, para que ela se entregasse aos seus braços. Precisava ter certeza que ele não havia sido mal-educado e nem feito mal juízo de seu pai naquela rápida conversa que os dois trocaram no dia da festa. Flor estava muito atordoada com as colocações de seu pai, e principalmente, pelo fato dele ter proibindo-a de falar e estar com Ildeu. Ildeu, no entanto nada sabia sobre a conversa do senhor Domingos com a Flor. Se soubesse, certamente, não estaria ali ao lado dela na própria casa de tão severo pai. Seu amor próprio falaria mais alto.

         O casal se sentou à uma pequena mesa que ali existia, onde o senhor Domingos gostava de tomar as suas cachacinhas de finais de tardes.

         Ildeu após tomar um gole de água. Deu uma olhada ao seu redor e todo desconsertado iniciou a conversa com Flor lhe fazendo uma das mais corriqueira das perguntas:

         - E aí amiga o que você me conta de novo?

         - Meu querido amigo! De novo não tem nada. Apenas uma grande mágoa no meu peito e espero que você possa me aliviá-la.

         - Que isto minha amiga? O que aconteceu de tão ruim assim?

         - Pois é amigo! Depois daquela festa de aniversário de meu pai, ele veio falar comigo sobre o que vocês haviam conversado e me disse coisas horríveis sobre você. Falou que você o ofendeu tirando conclusões sobre a vida dele; sobre seus negócios; sobre os bens que ele possui e outras coisas. Encerrou a sua conversa para comigo dizendo que não gostou de você e que você e mal-educado. Jamais poderia acreditar naquilo que ele estava me falando. Disse que ele deveria ter interpretado mal as suas palavras, que você é uma pessoa inteligente, humilde e educada. Ele não aceitou as minhas ponderações e me proibiu de falar com você. Isto é verdade?

         - Pois é minha amiga! Você deve ter ficado sabendo que a causa de tudo o que aconteceu foi por causa de duas perguntas que seu pai me fez e eu, na maior das simplicidades, como querendo elogiá-lo, fiz uma inversão da polaridade das perguntas e das respostas. Posso não ter sido claro, mas não usei nenhuma palavra que poderia sair do campo de interpretação de todos que ali estavam, a não ser o termo "convicção", o qual poderá ter sido o causador de tais errôneas interpretações. A frase que continha a tal palavra, se eu não estiver enganado, tinha o seguinte conteúdo: "Basta darmos uma olhada ao seu redor e teremos esta convicção".  É claro que em uma análise isolada da tal oração a mesma não traduz nenhum sentido, mas ela estava complementando outras colocações anteriores dizendo que ele não precisava mais, pensar na vida, estudar e nem trabalhar, porque ele já havia conquistado tudo aquilo ao seu redor, como a sua indústria, a sua fazenda, a sua maravilhosa casa de campo, os seus automóveis e sua família. Daí a razão da frase. Entenda: Bastaria darmos uma olhada naquela beleza de casa, naquele lindo e variado pomar, na união da família, a alegria dele em receber os seus amigos e outras coisas mais para que tivéssemos a certeza dele já ter vencido na vida. Pelo menos foi isto que eu consegui ver. Além do mais que terminei aquelas malditas respostas, como posso agora classificá-las com um sincero "Saúde senhor Domingos!". Por outro lado não vi nada de errado em responder que o que faço é: "trabalhar e trabalhar muito durante o dia para custear os meus estudos no período da noite". Você sabe que esta é a minha realidade! Cabe agora a você tirar as suas conclusões. E se você me der licença, acho melhor eu ir para o meu canto.

         - Nada disto Ildeu! Você não vai sair daqui antes de ouvir as coisas que eu tenho para lhe dizer. Entendi perfeitamente tudo o que você explicou. Tinha dentro de mim que as coisas que o meu pai me disse não passava de subterfúgios para evitar que eu viesse a estar com você, como já o fizera antes quando conheci o moço de Mato Grosso. No fundo acho que ele não quer que eu me case. Tem medo de me perder. Daí esta obsessão de me manter solteira ou longe dos homens. Já lhe disse, que estou ficando velha e não quero morrer solteira. Está lembrado disto? Por favor esqueça tudo o que meu pai falou sobre você! Faça isto por mim. Com o tempo, certamente, ele mudará esta sua opinião. Faz pouco tempo que te conheci mas foi o bastante para ver em você tudo que procuro em um homem para ser o meu companheiro. Por favor não vá embora!

         - Tudo bem amiga Flor! Obrigado por ter entendido o que lhe falei. E pode ter certeza que realmente esta é a verdade. Mas estou muito preocupado com tudo isto. Não vejo nenhuma possibilidade de continuarmos esta nossa amizade e não quero que você venha se indispor com seu pai por minha causa. Você sabe que só agora estou terminando o meu curso ginasial e que pretendo fazer o curso de Técnico em Contabilidade e que só a partir daí pensar em casamento. Não sei mais que lhe dizer.

         - Ildeu! Não vou mais ti chamar de amigo. Não importa o tempo que eu tenha que esperar! Você quer me dar a alegria de estar ao seu lado para sempre?

         Ildeu engoliu seco. Não respondeu nada antes de tomar mais um gole de água. Tinha acabado de receber um pedido especial. Não era um simples pedido de namoro mas sim, um verdadeiro pedido de casamento. Neste momento o seu lado afetivo falou mais alto que todos os seus preconceitos, suas frustrações, seus complexos, seus traumas, e sobretudo sua timidez. Tomou Flor em seus braços e os dois se beijaram ardentemente por um longo tempo. Aquilo não parecia verdade, mas sim um sonho. Sonho que ambos acalentavam há muito tempo.

         A partir daquele tão esperado momento, os dois não mais falaram sobre as coisas que antes os mantinham separados. Mas, ambos sabiam que muitas dificuldades viriam pela frente.

         Recompostos daquele momento tão especial para os dois, Flor abre uma cerveja e comemoram alegremente. Podiam então, chamar um ao outro de "Meu amor!", "Meu grande amor!", "Meu querido!", "Minha vida!".

         Trocam mais algumas palavras e voltam a se beijar efusivamente na maior carícia. Dali para frente precisavam achar um meio pelo qual eles pudessem encontrar longe dos pais de Flor até que chegasse o dia de Ildeu poder frequentar a casa dela. Mas seria isto possível um dia? Naquele momento só pensaram em uma única alternativa. A casa de Verônica. Como era costume do Ildeu ir almoçar todos os domingos na casa do senhor Paulo, ficou combinado dela aparecer por lá no próximo domingo. Trocaram mais alguns beijos e carícias e Ildeu voltou para sua casa.

ÁLVARO ALVIM
Enviado por ÁLVARO ALVIM em 17/04/2023
Código do texto: T7765895
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