O SOL DE UM COMPRIMIDO

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O poeta e diplomata João Cabral de Mello Neto (1920-1999), estava sempre a dizer que uma de suas grandes frustrações era não ter sido jornalista. Aos 16 anos foi rejeitado por um jornal. A rejeição lhe afetou tanto que, segundo ele, uma enxaqueca do lado esquerdo passou a lhe incomodar por 50 anos. Dor que médico nenhum foi capaz de detê-la.

Ouviu muitas recomendações de simpatias. Entretanto, atendeu a sugestão de um parente, que lhe recomendou um sanatório. "Foi uma internação que durou cerca de seis meses. Mas apesar disso – dizia – não produziu qualquer resultado positivo. Só deixou más lembranças".

Sem esperança de cura, o poeta apelou para a aspirina. Passou a tomar 10 comprimidos por dia; um a cada 4 horas, regularmente; o que o impedia de ter uma noite de sono inteira. Contudo, vivia agradecido a pílula, que passou a chamar de "sol artificial" e a homenageou no inusitado poema Num Momento a Aspirina:

Claramente, o mais prático dos sois,

O sol de um comprimido de aspirina;

De emprego fácil, portátil e barato,

Compacto de sol na lápide sucinta.

Principalmente por que, sol artificial,

Que nada limita a funcionar de dia,

Que a noite, não expulsa, cada noite,

Sol imune às leis de meteorologia,

A toda hora em que se necessita dele

Levanta e vem (sempre num claro dia):

Acende, para secar a aniagem da alma,

Quará-la, em linhos de meio-dia.

Convergem: a aparência e os efeitos

Da lente do comprimido de aspirina:

O acabamento esmerado desse cristal,

Polido a esmeril e repolido a lima,

Prefigura o clima onde ele faz viver

E o cartesiano de tudo nesse clima.

De outro lado, porque lente interna,

De uso interno, por detrás da retina,

Não serve exclusivamente para o olho

A lente, ou o comprimido de aspirina:

Ela reenfoca, para o corpo inteiro,

O borroso de ao redor, e o reafina.

Mas, 10 comprimidos ingeridos ao longo de 50 anos, só podia causar, ao trato digestivo dele, úlceras. Então chegou o dia que o poeta pernambucano necessitou de uma cirurgia emergencial. Mas, como há coisas que não tem explicação, João após a cirurgia, aos 66 anos, pode comemorar o desaparecimento da dor de cabeça. ®Sérgio.

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Agradeço a leitura do texto e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 06/11/2011
Código do texto: T3320034