Miguel Sanches Neto e uma Análise sobre Chove sobre minha infância

Miguel Sanches Neto é um dos mais consagrados escritores, ficcionista, poeta e crítico literário não só da literatura paranaense, mas de toda a literatura brasileira. Miguel Sanches é Responsavel pela coluna semanal do maior diário do Paraná, a Gazeta do Povo (Curitiba), tendo publicado só neste jornal mais de 350 artigos sobre literatura, fora as contribuições para outros veículos, como República, Bravo. O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde (São Paulo, Poesia Sempre, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro)e Jornal d`pontaponta - coluna mensal (Ponta Grossa- Paraná), cidade onde reside. Oriundo de uma família de agricultores pobres no interior do Paraná, Miguel tornou-se um dos mais importantes críticos literários do país, além de ser professor universitário, com doutorado em Teoria Literária pela Unicamp.

Embora venha escrevendo há muitos anos, desde a adolescência, talvez o escritor Miguel Sanches Neto tenha começado a ficar conhecido nacionalmente a partir de 2000, quando lançou, pela Editora Record, o romance Chove sobre minha infância, já traduzido para o espanhol. De lá para cá, ele deixou de ser promessa para se firmar como um dos nomes mais representativos da nova literatura brasileira. Até começar a escrever, ele visitou várias vezes os locais onde os fatos se passaram, além de ter conversado com os descendentes dos imigrantes. Planejava, também, viajar à Itália, para visitar os lugares de onde vieram os personagens, mas quando viu que isso não seria possível, resolveu começar a empreitada com o material que tinha em mãos.

Os primeiros contos de Miguel Sanches Neto abordam vários temas que se tornaram essenciais a sua escrita: a infância, as relações familiares, a figura paterna e o mundo literário em contraponto ao não-literário. Ler os textos escritos há uma década ou mais, reunidos aqui pelo próprio autor, é flagrar um instante particular, devassar a intimidade de uma obra incluída entre as mais importantes da literatura brasileira atual.

Em suas obras, uma característica comum é mostrar personagens que encaram a vida com uma intensidade extraordinária, pois eles tomam decisões transformadoras, aceitam o sofrimento imposto por elas e descobrem que, em certos momentos, não há como voltar atrás nem reparar o estrago causado por atos, palavras e até por pensamentos.

Escritor eclético, que tem navegado por diversos gêneros, Miguel Sanches Neto - que nasceu em Bela Vista do Paraíso, interior do Paraná, mas foi criado na pequena Peabiru - diz ser um escritor inquieto, daí essa diversidade literária. Para ele, isso não é nenhuma coisa de outro mundo, embora no Brasil as pessoas sempre esperem que o autor se dedique apenas a um tipo de texto.

A obra Chove sobre minha infância, lançado em 2000, marca o inicio de Miguel Sanches Neto como romancista. Conta a história da sua infância e adolescência a partir dos seus próprios olhos. Não é uma autobiografia, mesmo quando se vale de suas próprias experiências, o autor não busca a verdade factual, mas a psicológica. Em uma linguagem simbólica, tem momentos de crônica, poesia e conto, formando um singular romance em blocos que, além de cativar pelo lirismo, é um vigoroso retrato de um pouquíssimo explorado período de nossa História recente.

Trata-se de um romance de formação altamente emocionado e emocionante sem jamais ser piegas é, sobretudo, de uma veracidade, de um realismo vital admiráveis, com toda a sua dor, o seu humor e a sua fúria, além de ser visceralmente brasileiro. Inicialmente apresentando uma visão ingênua, revoltada e otimista, o narrador vai amadurecendo ao contar sua história, passando do órfão que não compreende bem o seu mundo a um adulto que domina seus símbolos e suas dolorosas verdades. Miguel Sanches Neto constrói uma saga dramática no sul do país, em que as antíteses sociais são forçadas a conviver entre si. O personagem principal deve receber a herança do mundo rural e do analfabetismo para encontrar-se consigo e com sua história – uma necessidade muitas vezes camuflada em um país envergonhado de si mesmo. O leitor vai encontrar neste romance um Brasil que se olha, se mostra e que comove, identificando-se com a história do menino perdido em meio a poderosas forças antagônicas.

O romance segue esta mesma lógica: o relato trágico de um anti-herói que cresce em ambiente hostil para se transformar no escritor que narra sua própria história. Conta a história da sua infância e adolescência a partir dos seus próprios olhos. Não se trata, entretanto, de autobiografia, já que o narrador-protagonista (o próprio Miguel), narrando ou vivenciando os fatos no tempo presente em que supostamente aconteceram em alguns momentos sofre a intromissão do narrador adulto, deste outro Miguel, capaz de compreender e julgar a criança de antanho. E é nesta tensão entre recordação e ficcionalização, entre revelação e moralização, que se constrói a história de um menino nascido na pequena Bela Vista do Paraíso, no interior do Paraná, que, órfão do seu pai, migra com sua mãe e irmã para Peabiru, cenário onde se desdobra o enredo.

A duplicação leva o homem ao seu alter ego – segundo eu – demonstrando uma orientação subjetiva. Tentando aprofundar os estudos em relação à produção literária de Miguel Sanches Neto pretende identificar a presença do mito do duplo na narrativa, uma vez que por meio dos expedientes usados pelo escritor, tem-se o estilo literário delineado por ele. Nesse sentido, serão analisadas observações acerca do tema identidade e memória, bem como a respeito do tempo e espaço social.

As reminiscências da época infantil do escritor Miguel Sanches Neto é a base composicional deste romance. A trama narrativa está ligada às recordações da personagem Miguel, um menino pobre, que sonhava em ser escritor. Contudo, o universo rústico do qual fazia parte, não lhe oferecia outra possibilidade senão a de repetir a trajetória das demais pessoas que compartilhavam da mesma realidade: Trabalhar na lavoura. Sanches Neto ambienta espacialmente o romance em Peabiru, cidade onde foi criado – situada no Noroeste do Paraná.

Este expediente evidencia ainda mais o enlace entre o real e o ficcional. A arte sempre possibilitou ao homem a revelação da condição humana, uma vez que é por meio das expressões artísticas que há a possibilidade de o homem se recriar.

Em Chove sobre minha infância, por exemplo, há um personagem que recebe o nome do escritor, repete os seus comportamentos e atitudes da infância e relaciona-se com as pessoas com as quais o escritor se relacionou, nesse sentido, Sanches Neto criou um duplo que não é ele, mas um outro, isto é, uma personagem criada a partir das suas experiências de vida e, sobretudo, por meio do trabalho com a linguagem. A apresentação desse outro ajuda o eu a avaliar a vida de forma diferente; no momento em que há a partilha das vivências, ocorre a compreensão dos fatos e a revelação da sua condição original.

Assim, Chove sobre minha infância é um romance com características das produções artísticas vigentes na atualidade. Tanto o seu tema, quanto a maneira como o autor o aborda é próprio da literatura de meados do século XX e início do XXI. Essa busca pelo entendimento dos fatos é a representação da angústia que impera sobre os espíritos humanos. O retorno ao passado é a principal característica desse homem em crise que se sente solitário diante de um mundo também em crise. Nessa perspectiva é que a literatura traz à tona essas personagens que questionam o sentido da vida.

O Miguel adulto e questionador de Chove sobre minha infância é a representação desse homem que quer descobrir a sua verdadeira identidade, ou seja, acima de entender os fatos aos quais esteve submetido, ele quer se entender e compreender o que se passa no seu âmago. Elas se caracterizam por estabelecer um diálogo entre o homem e o mundo; nesse diálogo consiste, sobretudo, a revelação desse homem. Portanto, em Chove sobre minha infância, o mito do duplo não aponta para a revelação do real. Antes, Sanches Neto faz uma descrição – mímesis – por meio da qual reflete em seus personagens, de forma tênue, a sua expressiva personalidade.

Abdul
Enviado por Abdul em 28/10/2010
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