A emoção na sala de aula

A presença dos processos afetivos na relação professor-aluno e a qualidade da prática pedagógica definem-se como pontos relevantes a serem refletidos por profissionais que estudam e atuam na área da Educação. Desta forma, a afetividade torna-se, ainda, uma possível ferramenta de trabalho do educador, quando este reconhece tal elemento como direcionador de práticas difundidas no espaço da sala de aula, ampliando e explorando o trabalho com os processos afetivos e possibilitando intervenções de caráter preventivo, criativo e interdisciplinar no desenvolvimento do sujeito...

O educador, ainda, atua com base num modelo clínico dentro da escola, diagnosticando e encaminhando alunos para tratamento com desvios de comportamento, problemas no foco de atenção e concentração, disciplina, deficiência mental e intelectual, problemas de desestruturação familiar, dentre outras causas que podem, potencialmente, justificar um fracasso escolar.

Ao contrário desse paradigma obsoleto, o qual limita e distorce a prática do profissional, a ciência contemporânea vem problematizando discussões focadas na Psicologia da Educação, priorizando, modelos preventivos de atuação sobre as circunstâncias emergidas no contexto escolar, assim como ampliando as possibilidades de atuação do educador. Em meio a estas práticas pontuais, o educador poderia solidificar sua atuação profissional capacitando-se tecnicamente para atender as demandas peculiares da escola, em seus desdobramentos variados na sala de aula.

Para tanto, torna-se imprescindível, então, que ele adentre no universo dos mais variados diálogos da Educação, promovendo, projetos pedagógicos inovadores e diversificados, processos de aprendizagem criativos, e instrumentalizando-se no manejo de técnicas de “dinâmicas de grupo”, entre outras propostas de trabalho que visem a uma ressignificação de olhares sobre o aluno e à redução de rotulações, diagnósticos, estereótipos infecundos, desprovidos de análises e observações convincentes.

Nessa direção, pode-se pensar hoje em dia na atuação do educador de uma forma mais independente no contexto educacional para se conectar às diversas possibilidades de uma atuação educacional a qual se distancia de um modelo paradigmático de doença e problemas restritos ao fracasso escolar, e aproxima-se da noção de saúde psicológica, inaugurando estratégias de promoção e bem- estar aos sujeitos em processo de desenvolvimento, durante sua permanência em sala de aula, com práticas coletivas lúdicas que ampliem seu bem-estar no espaço-escola, e que possibilite a construção de sua identidade, o desenvolvimento de sua afetividade e a consequente promoção de sua autoestima.

É evidente que no cotidiano da escola, emergem diversas e constantes situações de conflitos de ordem afetiva e emocional, envolvendo professores, alunos, funcionários e família, bem como manifestações de ansiedade, raiva, desespero e irritação, dentre outras, as quais são de difícil resolução. O professor, envolvido neste processo deve ter a consciência do caráter de contágio das emoções, a fim de que se possa trabalhar com essas reações e mobilizações de uma forma mais positiva e interventiva, tanto para os sujeitos sob o ponto de vista individual, quanto na dinâmica coletiva de um determinado grupo em sala de aula.

Cabe especificar que o contágio emocional configura-se como uma tendência a imitar de forma automática expressões, posturas e movimentos de outras pessoas, ou seja, é um tipo de influência social que pode ocorrer em nível consciente ou inconsciente. Trata-se de um conceito que explica grande parte dos fenômenos sociais e coletivos, sendo, portanto, imprescindível o investimento nos estudos e práticas que abarquem o campo das emoções.

Nesse sentido, insiste-se na ideia de que, ao reconhecer os processos afetivos como um aspecto importante e necessário na mediação pedagógica, o educador pode utilizar-se do trabalho com estes elementos para ampliar o seu papel e suas possibilidades de atuação no espaço da sala de aula. Logo, esse educador passa a buscar novos recursos metodológicos que orientem sua prática frente ao elemento da afetividade presente no ambiente escolar e, essencialmente, na relação entre professor e aluno.

Dentro do contexto desta mediação pedagógica, há diversas trajetórias em que o educador poderá caminhar e configurar intervenções com foco na afetividade. Importantes teóricos da Psicologia da Educação, a exemplo de Vygotsky e Wallon, produziram, em suas respectivas obras, conhecimentos relevantes acerca da afetividade como parte integrante na constituição do sujeito.

Conforme Galvão (2004), o teórico Henri Wallon trouxe uma valiosa contribuição não só para os estudos de aprendizagem, mas também para o entendimento da dinâmica vivencial do ser humano no processo de constituição da sua personalidade. Foi também o primeiro teórico a abordar especificamente as emoções dentro da sala de aula, assim como pontuar questões referentes à importância dos movimentos corporais da criança neste contexto. Wallon, também, marcou a diferença entre emoção e afetividade, conceituando a primeira como elemento mediador entre o orgânico e o psíquico. Desta forma, compreende-se a emoção como o primeiro forte vínculo da criança com o mundo, assim como uma forma de expressão adaptativa com o seu meio.

Já a afetividade corresponde a um momento mais tardio do desenvolvimento, sendo este marcado por elementos subjetivos que moldam a qualidade das relações com sujeitos e objetos. Logo, pode-se dizer que a afetividade sinaliza a entrada da criança no universo simbólico, proporcionando também a origem da atividade cognitiva. Outra contribuição walloniana, a qual não foi facilmente aceita por muitos modelos educacionais, foi a visualização positiva do conflito na sala de aula.

Entende-se que o professor necessita ter habilidades e conhecimentos teóricos para perceber e intervir em situações que envolvam conflitos e crises emocionais. Como já foi explicitado anteriormente, o professor deve ter consciência do poder do contágio emocional entre as crianças e atuar nessas situações, promovendo intervenções que possam ser administradas de forma significativa e, possivelmente, benéfica para o grupo.

Um trabalho bem elaborado em tais circunstâncias auxilia o processo de constituição do sujeito, pois este, ao se colocar em confronto com o outro, aprende também a se organizar psiquicamente. Vygotsky, assim como Wallon, discorreu sobre as emoções partindo de uma base biológica, considerando que não há um desaparecimento destas quando o sujeito desenvolve-se, mas sim transformações na intencionalidade das manifestações emocionais decorrentes do próprio envolvimento com os processos cognitivos e simbólicos do universo da criança.

As emoções passam também por um processo de refinamento durante o desenvolvimento do indivíduo, deslocando-se de uma manifestação praticamente primitiva e com caráter instintivo para uma vivência complexa e entrelaçada aos processos psicológicos superiores.

Apesar da discreta evidência em seus escritos, a afetividade constitui-se como um importante tema mencionado na obra vigotskiana. O autor baseou-se numa abordagem complexa para explicar os processos que envolvem o desenvolvimento do indivíduo, criticando, assim, estudos que retratavam um dualismo presente nas dimensões cognitiva e afetiva no funcionamento psicológico (Vygotsky, 2007). Diante da perspectiva deste teórico, só é possível entender o pensamento do indivíduo quando se reconhecem as bases afetivo-emocionais, haja vista que estas não só influenciam, mas também dão origem aos processos de pensamento.

A separação das dimensões cognitiva e afetiva enquanto objeto de estudos é uma das principais deficiências da escola tradicional, uma vez que esta apresenta o processo de pensamento como um fluxo autônomo de pensamentos que pensam a si próprios, dissociados da plenitude da vida, das necessidades e dos interesses pessoais, das inclinações e dos impulsos daquele que pensa (Vygotsky, 1993, p. 6).

Dentro do espaço escolar, Vygotsky atribuiu um papel crucial às relações sociais no processo de desenvolvimento, visto que a escola também exerce essa função de propiciar elementos facilitadores não só restritos às construções de conhecimento, mas também atrelados à constituição do sujeito como um todo (Vygotsky, 2007). Torna-se evidente o papel do professor no contexto escolar, pois este ocupa uma posição de importante mediador e facilitador do processo de aprendizagem. De forma geral, tanto Wallon quanto Vygotsky buscaram incluir e destacar, em suas respectivas teorias, a presença dos processos afetivos emergidos desta mediação, assim como possíveis influências no ensino-aprendizagem.

Com base nas teorias acima fundamentadas, reforça-se a ideia de que a escola constitui-se como um espaço crucial para o desenvolvimento da personalidade da criança, além de se destacar como um ambiente de intensas trocas sociais, cognitivas e afetivas. Cabe enfatizar que muitos estudos sobre o campo de trabalho do educador têm como foco principal a atuação do professor, tornando assim evidente a demanda de um trabalho integrado entre os profissionais da educação, visando ao aperfeiçoamento e desenvolvimento de habilidades direcionadas às práticas afetivas, usadas, efetivamente, em sala de aula.

Dessa forma, é possível concordar que o melhor lugar para o educador é o lugar possível, sinalizando, assim, a necessidade de apropriar-se dessa rede de elementos psicológicos que compõem a escola e caminhar na direção do que é possível articular. Este profissional deve assumir um compromisso teórico e prático com os variados aspectos presentes nesse contexto, tendo sempre como referência questões emergidas no cotidiano da escola para que, desta forma, seja possível elaborar uma atuação crítica, competente e criativa.

Concepções acerca da afetividade na mediação pedagógica pode-se perceber que a representação do papel do professor no ensino fundamental é de extrema valia, pois se projeta uma relação identificatória-afetiva do aluno com esse mestre. O papel da afetividade neste período letivo relaciona-se diretamente com a comunicação do professor, com sua metodologia de trabalho e exposição do conteúdo programático. Esse aluno vive um período de elaboração de identidade e o professor torna-se mais uma figura de referência nesse processo. Da mesma forma, por exemplo, o afeto não é só gostar do professor, podendo ser expresso de diferentes maneiras, cabendo ao professor ter essa sensibilidade para percebê-lo na relação e utilizá-lo como recurso de trabalho e de comunicação com os alunos.

É fato de que a comunicação verbal apresenta-se como uma importante ferramenta afetiva na relação professor-aluno. A escolha de bons recursos didáticos – práticas vivenciais (lúdicas) – exercícios e brincadeiras coletivas (apoiadas na psicomotricidade, por exemplo) relações pessoais integradoras e identificadoras associadas, faz dessa forma de transmissão do conhecimento, um aspecto relevante no desenvolvimento da afetividade dos alunos e amplia a qualidade do trabalho do educador que vivencia o cotidiano da sala de aula.

Uma escolha adequada dos recursos e metodologias utilizados em sala de aula é aquela que assegura o vínculo afetivo entre o professor e o aluno, bem como propicia uma aprendizagem significativa dos conteúdos e trabalhos propostos. Nesse período escolar (ensino fundamental) a própria relação do aluno com o professor adquire outra configuração, uma vez que a questão identificatória é muito enfocada, inclusive, a representação simbólica da relação de substituição da figura materno-paterna, muito presente na educação infantil.

A expressão "cognitização da afetividade” reforça a ideia de que a criança passa a valorizar uma forma de afeto manifestada não só por beijos e abraços, mas, sim por um reconhecimento do professor, através, de elogios e incentivos nas construções pessoais individuais do aluno. Quando há um desenvolvimento na inteligência do sujeito, ocorre também, necessariamente, uma evolução da afetividade. Assim, para acompanhar os processos cognitivos, a afetividade passa a ser mais racionalizada, influenciando diretamente as representações afetivas consolidadas nas relações interpessoais o que contribui, efetivamente, para a construção da identidade do sujeito e promove sua consequente autoestima.

Diante dessa diversidade de expressões afetivas e dos seus diferentes níveis de intensidade, faz-se necessário a presença do educador como um mentor que acolhe os afetos apresentados e conduz as relações entrelaçadas. Um turbilhão de questões emocionais está presente na sala de aula e o professor não consegue lidar bem com tudo isso. Assim, esse professor ainda espera que alguém faça isso por ele. Quando esse turbilhão emocional aparece, é como se um “outro”, alguém precisasse entrar em cena para lidar com isso no lugar do professor...

Nesta faixa etária tudo que acontece é muito intenso; os alunos são instáveis, agitados, exigem sempre muita atenção e têm dificuldades de incluir o Outro... Então, o professor precisa entrar para mediar às situações e ajudá-los neste processo de amadurecimento. A dificuldade do professor em administrar os afetos em sala de aula e levar o aluno a separar aquilo que é dele daquilo que é do outro, tornando-o vulnerável, pode perpetuar um "circuito vicioso perverso" (e ser, inclusive, um elemento de start do bullyng). Esta condição revela-se em situações nas quais o indivíduo, neste caso o professor, tem dificuldade para reagir de forma racional às manifestações emocionais dos alunos.

Quando o professor não reconhece os possíveis indicadores e efeitos de uma emoção, suas estratégias na administração das emoções na sala de aula tornam-se cada vez menos apropriadas e efetivas. Repetindo em outras palavras: muitos professores lidam mal com os afetos manifestados em sala, e quando isto acontece, ou seja, se este docente não consegue administrar, cognitivamente, as emoções e as relações de afeto que emergem em sala de aula, acaba por realimentar este "circuito vicioso", o que pode trazer prejuízos significativos na relação entre o professor e seus alunos, e entre os “próprios” alunos, comprometendo o desenvolvimento emocional dessas crianças.

Torna-se manifesta, assim, a necessidade de que os professores conheçam seus alunos não só no nível cognitivo, mas, principalmente, no âmbito emocional. Os processos afetivos constituem-se como um importante suporte à atuação do professor, contudo podem também dificultar e comprometer sua atuação quando tais aspectos não forem bem manejados e articulados no aprendizado. Há que se destacar a importância da condução e mediação do professor em meio a este turbilhão de manifestações emocionais, visto que, principalmente, no ensino fundamental, o sujeito enfrenta intensas mudanças na sua constituição, refletindo assim no seu comportamento agitado e na sua forma insegura de se relacionar com o outro e consigo mesmo.

Na mesma linha de pensamento (Henri Wallon) esclarece que a criança do ensino básico vivencia um estágio denominado "categorial", predominando os processos centrados na inteligência ou cognição, o que leva a criança a se concentrar em questionamentos mais lógicos e sistemáticos da sua realidade. Logo, a criança vai traçando seu percurso e se inserindo num conjunto de centenas de estímulos internos e externos, direcionando gradualmente suas impressões de maneira não linear. É importante pontuar que, de acordo com a teoria walloniana, neste período de desenvolvimento - o qual exige inúmeras superações intelectuais - não se pode esquecer os momentos de ludicidade tão relevantes para a aprendizagem e para o desenvolvimento do sujeito. Articular atividades de leitura de livros com brincadeiras e outros trabalhos corporais, por exemplo, contribui para a eficácia da função pedagógica e afetiva na relação professor-aluno. Com base nessa necessidade, sustenta-se que o diálogo epistemológico vem sempre precedido do diálogo afetivo, insistindo assim na ideia de que, se há um investimento afetivo, bem como, um interesse prévio em determinada atividade, o processo de assimilação do conhecimento torna-se mais fluido e significativo para a criança. Sobre o presente tema, nunca será demais trazer à reflexão, o pensamento de Vygotsky.

Neste sentido, a obra vigotskiana respalda a ideia de que esse professor - importante mediador que é - deve refletir, em seu planejamento de aulas, acerca do desenvolvimento real dos alunos, bem como sobre o que eles podem vir a aperfeiçoar e alcançar mediante os mais variados facilitadores de aprendizado (Vygotsky, 2007).

É fundamental o auxílio na capacitação do professor para que ele possa vir a desenvolver habilidades ao se confrontar com as contingências emocionais por parte de um único aluno, de um grupo de alunos ou de familiares, o que o faria perder o controle das possibilidades de ação que atenuariam tal circunstância. É preciso abrir-se ao diálogo, ouvir quais são as queixas dos alunos, dos pais, e a partir do que está sendo trazido, ajudá-los a lidar com o conflito, tirar dúvidas e buscar as respostas... E para isto o preparo emocional do professor é imprescindível.

Considerações Finais

Em relação às estratégias utilizadas pelos educadores na prática pedagógica, percebe-se a importância do professor, acolher as demandas da sala de aula, suscitando reflexões, repensando o planejamento pedagógico, principalmente, na forma como se estabelece a relação entre o docente e o aluno. As atividades correlatas à aquisição do conhecimento através da articulação cognição x afetividade, fazem parte de uma possível estratégia com o intuito de que o professor possa mediar e trabalhar com processos afetivos no contexto estudado.

A maior dificuldade percebida no discurso do profissional que ensina é a realização de um trabalho que atenda tanto as exigências conteudistas do currículo escolar quanto às necessidades afetivas. Ademais, no que se refere ao trabalho com a afetividade, nota-se a necessidade premente de uma compreensão, ainda mais ampla da forma como os afetos vêm se apresentando no ambiente de sala de aula e na relação com o professor.

O meu amigo Reizinho é fodástico.

Guaxupé, 23/04/24.

Milton Biagion Furquim

Milton Furquim
Enviado por Milton Furquim em 22/04/2024
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