LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO PIAUIENSE:

Como se ensina e como se deve ensinar

 

Jussandra Meneses



São evidentes as dificuldades enfrentadas pelos professores que trabalham com a Literatura brasileira de expressão piauiense. A observação da realidade da sala de aula mostra que o estudo literário tem servido apenas para a transmissão de poucas informações sobre autores e obras indicadas para o vestibular, deixando de lado o desenvolvimento, nos estudantes, da sensibilidade estética e da criticidade.

Na verdade, tanto no ensino médio quanto nas universidades predomina uma abordagem tradicional, que enfoca principalmente a história da literatura e a biobibliografia de alguns autores representativos da LBEP. A história da literatura é, sem dúvida, importantíssima, mas em primeiro plano deve estar sempre a linguagem ela mesma e o valor estético da obra. A maioria das aulas é, no entanto, uma simples reprodução dos conteúdos inseridos nos livros didáticos, com a análise dos textos atrelada aos modelos preestabelecidos pelo professor.

É lamentável que as universidades estejam presas ao comodismo e à inércia, mormente no tocante à LBEP. Qualquer estudo mais aprofundado, quando existe, é desenvolvido por iniciativas individuais ou grupos de estudos, porque os professores não conhecem a fundo a disciplina que ministram, não conseguem assistir o estudante em suas dúvidas e não aceitam questionamentos e sugestões. Ora, com uma formação superior tão precária nessa área, o que se pode esperar do ensino transmitido pelos alunos egressos dessas instituições, atuais professores do ensino médio?

Outro grande problema é a falta de obras que contenham informações precisas, consistentes e rigorosas. Com efeito, os livros de historiografia disponíveis apresentam inúmeros equívocos, entre eles o de que a seleção de autores e textos é feita, muitas vezes, com desleixo, incluindo mediocridades e excluindo escritores e obras esteticamente valorosos. Acresce que em alguns desses compêndios trata-se de muita coisa (política, economia, sociologia, etc) e quase nada do fato literário. Além disso, trazem nomes próprios alterados, datas imprecisas, análises inconsistentes e pouca, ou nenhuma, fundamentação teórica.

Basta ler a mais recente publicação sobre a LBEP, Presença da literatura piauiense (3 ed, Teresina, s/e, 2003), de Luiz Romero Lima, para facilmente identificar algumas dessas falhas. Apresentar, por exemplo, Fontes Ibiapina como vanguardista é estultice, ignorância, desinformação. E o que dizer da precipitada análise de um fragmento do poema “O ímpio confundido”, de Leonardo da Senhora das Dores Castello-Branco? Até um leitor muito desavisado seria capaz de uma análise mais criteriosa e chegaria a conclusões mais lógicas. Aliás, a ilustração do texto não poderia ser mais inadequada. Há ainda os exercícios intitulados “a propósito do texto” em que, muitas vezes, as perguntas não mantêm a mínima relação com o texto indicado. Os “exercícios complementares” são, por sua vez, ainda piores, e nas palavras-cruzadas sobre cultura piauiense as respostas que preenchem os espaços nada dizem de relevante ao que de realmente cultural é produzido no Piauí.

Se um professor experiente, num trabalho que requer tempo, pesquisa e discussão, comete tantos equívocos, avulta que falta critério na hora de se publicar um livro e uma maior reflexão sobre os danos que um trabalho apressado, sem o devido rigor, pode acarretar. Apesar de tantas dificuldades, é importante que haja uma ruptura com os velhos padrões, um constante mergulho nas fontes disponíveis e um esforço contínuo para resgatar os textos que, com o passar dos tempos, ficaram dispersos. É que somente com persistente estudo e pesquisa rigorosa se poderão revelar novos e corretos aspectos da LBEP.

Nesse sentido, a universidade deve ser o lugar, por excelência, de abrigo de toda e qualquer teoria, o espaço de toda e qualquer idéia, desde que tratadas adequadamente e postas sob estudos e análises sérios. O fundamental é que dela saiam profissionais bem preparados, privilegiadores da crítica e do senso estético, conscientes do que e do como se diz em e sobre a literatura., para que possam ajudar a ampliar os horizontes dos estudantes e a transformá-los em leitores voluntários, competentes e, sobretudo, críticos. Se bons professores e leitura percuciente são (sempre em meio, isto, a maus governos, como o atual, igualzinho em tudo aos outros) capazes de levar o ser humano a uma melhor compreensão de si mesmo e do mundo, evidente fica que o prejuízo causado por um mestre despreparado, incapaz de criticar o livro que adota, é enorme e o fracasso, de tal processo educacional, uma certeza.

Jussandra Meneses é professora de literatura das redes oficiais de ensino do Piauí e do Maranhão.


http://letrasbelaspiaui.vilabol.uol.com.br/textodasemana/apresentacaotextodasemana.htm

Domingo, 21 a 27/9/2003