EDUCAÇÃO E SOCIEDADE

Fala-se do lugar em que se vive e, mais especificamente, do lugar que se ocupa nas relações de poderes sociais...

Assim, profissionais da educação, professores e os demais, falam em e de educação o tempo todo. Entre esses, os assuntos, temas e diálogos que dominam os encontros relacionais estão relacionados com o que vivem nos seus cotidianos. Os discursos e textos produzidos sobre questões pertinentes à educação atualmente apresentam a ênfase da necessidade de se compreender a educação como uma instância que se engendra na sociedade. Educação é produção social e a educação produz a sociedade.

O princípio que norteia esse discurso está ancorado na percepção de que educação e sociedade são indissociáveis tanto em sua constituição como na sua compreensão. Isso leva ao entendimento de que fora do âmbito social não haveria educação apontando como ‘verdade’ que só humanos – civilizados – educam. Em outras realidades similares como as indígenas (seriam estes, sem a escolarização ‘branco-humana’, humanos, civilizados? Não vejo isso nos discursos) e animais a educação está mais relacionada à imitação, instrução e adestramento. Não se tem o hábito, por exemplo, de dizer como este animal é educado. Ou, outro exemplo: seriam os índios ‘selvagens’ educados na mesma medida que são os civilizados? Portanto, compreender a educação e a sociedade implica analisar suas realidades como criações mutuamente constituídas.

É consenso a ideia de que educação não é um fenômeno que pode ser explicitado e compreendido a partir de si mesmo. Não é uma instância e estrutura independente. Efetiva-se a partir de relações sociais. É evento social que se originou nas sociedades a partir da necessidade de se inserir os mais jovens nas sociedades. Atualmente ela permanece associada ao mesmo princípio com a diferença de que os objetivos já não estão voltados para a inserção social e sim para integrar ao trabalho. Podemos ponderar que o trabalho, com todas as suas dinâmicas, mudanças e transformações está implementando outra sociedade o que, inexoravelmente, demanda outra educação. Ainda assim, a educação continua sendo uma relação que se configura a partir do que a sociedade entende por educação. E mais, como essa sociedade compreende o que deve ser o tipo ideal de educação para atender as demandas sociais mais prementes do momento histórico que essa sociedade vive.

Ocorre que nos discursos expressos e manifestos nos círculos elementares do cotidiano como nos acadêmico-científicos é comum dissociar educação e sociedade. É mais comum discutir-se as dimensões educativas como especificidades que tem como responsáveis ora a escola, ora a família; situações que são atribuições dos professores e outras que são dos pais. É muito rara a discussão de como a escola pode contribuir com as demandas emergências da família laboral e/ou como esta pode auxiliar a escola na educação/ensino de posturas comportamentais e atitudinais de seus filhos para uma sociedade em movimento. É mais raro ainda encontrar escola e sociedade na mesma mesa e dialogar, primeiro, sobre a realidade e seus complexos e, segundo, como inovar/transformar papeis fixos em colaborativos em prol de uma sociedade mais humana. É muito comum as decisões serem verticais. A escola, com suas políticas macro e micro, orienta as regras, normas, ordens e práticas e depois, quando algo não ocorre como planejado – sob a égide do fracasso escolar – procura-se um culpado.

A educação como um trabalho social torna-se um fenômeno pensado de forma unilateral, embora em duas perspectivas: social e escolar. Professores não captam as realidades sociais como necessidades pedagógicas que precisam ser inseridas nas práticas escolares; pais, famílias, não pensam nas limitações da escola e exigem que a educação deve resolver os conflitos que a mesma não consegue dar conta. Temos, assim, duas ‘unilateralidades’, quando se sabe que o que deveria ocorrer é uma aproximação entre os sentidos e significados sobre educação gerados nas diferentes instâncias sociais.

Nesse sentido, a importância atribuída à educação é um produto social na medida em que são os sujeitos coletivos que a produzem. Ou seja, o significado, a definição e sua importância não é criação de um sujeito e sim de uma coletividade. Esse resultado depende do grau de desenvolvimento de uma sociedade em relação à educação. Relaciona-se com o que se compreende como demanda educacional em relação à sociedade e por outro lado para com o sujeito social. As demandas sociais e individuais devem caminhar lado a lado para uma fraternidade coletiva. Esse cenário não será possível enquanto sociedade e escola pensam os procedimentos pedagógicos e suas intencionalidades de forma isolada. Também não será possível se professores, pais e outros membros sociais pensam educação escolar e social como processos de responsabilidades distintas. Nem a escola está isenta daquilo que a família ‘educa’ e nem a família deveria esquivar-se do que a escola ‘ensina’. Sempre há possibilidades de ambas contribuírem uma com a outra.

O caminho para que educação e sociedade sejam compreendidas indissociáveis como um processo gerado na mesma esfera, a sociedade, implica em considerar as diferentes estruturas subjetivas que permitem pensar as duas situações de forma distinta. Aproximar o social e o escolar implica analisar o fenômeno da educação dentro e enraizado do contexto social. Portanto, seus conflitos, seus problemas, suas questões centrais tem razão e solução no mesmo contexto, o social. São includentes na medida em que se aproximam e excludentes na medida em que se afastam. Determinam e são determinadas pelos suas conjunturas.

A dicotomia presente tanto nos significados como nas práticas atribuídas e exigidas da educação relacionam-se com as políticas e com as ideologias produzidas e difundidas na sociedade. A educação quando analisada de forma isolada não passa de uma ideologia que um grupo ou classe pretende impor a outra categoria social. A escola (esfera da educação) e a sociedade têm o poder de realizar uma educação como processo emancipador e transformador dos sujeitos e das sociedades. Nem uma, nem outra são neutras nos processos formativos. Assim, entende-se, que a mudança não se efetivará somente a partir dos professores, protagonistas principais da educação formal, nem das famílias e suas relações coletivas mais amplas (representação da sociedade). Compreender sociedade e educação imbricadas ou indissociáveis não pode significar que cada dimensão tem papeis específicos diante da educação de seus membros. As funções educativas devem ser construídas de forma coletiva, colaborativa e a partir de então são funções sociais, nunca separadas entre sociais e escolares (ou educativas como preferem alguns). A educação, pensada sob a ótica indissociável com o social é dimensão unívoca. Não é nem social, nem escolar: é educação.