Professor recebe até 39% menos que profissional com igual escolaridade Marcus Leoni/Folhapress

Professora da rede pública de São Paulo há 20 anos, Alba Araújo, 40, diz gostar da profissão, mas faz o que pode para convencer a filha a não seguir o mesmo caminho. "Não quero que ela leve a mesma vida que eu", afirma.

Apesar de ganhos salariais na última década, os professores brasileiros ainda recebem entre 18% e 39% a menos do que a média dos profissionais de outras carreiras com o mesmo nível de escolaridade.

Estudo do Inep, instituto ligado ao Ministério da Educação, a partir de dados do IBGE sobre o período de 2004 a 2014, aponta que professores com no mínimo ensino médio completo têm remuneração 18% menor que outros profissionais com a mesma escolaridade. A conta considera uma jornada de 40 horas semanais.

A legislação exige nível superior para professores do 6º ano do ensino fundamental em diante, mas admite diploma de nível médio, com formação específica em magistério, para as séries iniciais. Se forem comparados apenas professores com nível superior –a maior parte da categoria–, a diferença em relação a outros profissionais é ainda maior, de 39%.

Esse dado integra outro estudo, publicado em julho pelos pesquisadores Márcia Jacomini, da Unifesp (Universidade Federal de SP), Thiago Alves, da UFPR (federal do Paraná), e Rubens Camargo, da USP. O cálculo foi feito também a partir dos dados do IBGE, relativos a 2013.

Com o objetivo de tornar a profissão mais atrativa a jovens com boa formação, a equiparação dos salários dos professores e demais profissionais foi incluída como uma das metas do Plano Nacional de Educação. Ela tem que ser cumprida até 2020.

Segundo o estudo do Inep, houve avanços nesse sentido de 2004 a 2014. Nesse período, a remuneração dos professores da educação básica aumentou, em média, 39% acima da inflação –de R$ 1.966 para R$ 2.740.

Os ganhos dos demais profissionais do país com ao menos ensino médio completo aumentaram apenas 1% nesse período, chegando a R$ 3.356,36 em 2014.

A evolução entre os docentes foi impulsionada pelo piso salarial do professor, instituído em 2009. Na época, o valor era de R$ 950. Hoje, é de R$ 2.135. Quem ganhava abaixo do piso foi beneficiado, mas isso não aconteceu necessariamente com os profissionais que ganhavam mais, afirma o professor da UFPR Thiago Alves. "Houve melhora, mas na parte de baixo da remuneração", concorda o professor da USP Ribeirão José Marcelino Rezende Pinto.

IMPACTO

A importância de um bom professor para melhorar o desempenho dos estudantes é consenso. Já o impacto da remuneração sobre esse resultado é alvo de divergências entre pesquisadores da área. "Um aumento de salários permite atrair jovens mais capacitados para a profissão, mas isso só ocorre no longo prazo", afirma o professor do Insper Naercio Aquino Menezes Filho. "No curto prazo, se não houver melhora na gestão da rede, não há melhora na qualidade do ensino."

Entre os pontos a melhorar na gestão, ele cita avaliações constantes do aprendizado, foco na alfabetização e "feedbacks" para os professores sobre a qualidade da aula e dos métodos de ensino. Rezende Pinto, da USP de Ribeirão Preto, também afirma que há outros pontos a melhorar, como o número de alunos por turma e a falta de planos de carreira atrativos.

Para ele, no entanto, aumentar salários e equipará-los aos de profissionais de outras áreas com nível superior é crucial. Entre seus argumentos, estão estudos que mostram que, em países com bom desempenho na educação, como Finlândia e Coreia do Sul, cursos de formação de professores são procurados pelos alunos com maior nota, ao contrário do que ocorre no Brasil.

CRISE

Equiparar o salário do professor ao de outras categorias ficou mais complicado com o freio na economia e as medidas de ajuste fiscal, avaliam gestores e especialistas. "Não dá para ser otimista", afirma o professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Thiago Alves.

Segundo ele, para a equiparação ocorrer, seria necessário um aporte equivalente a 95% do Fundeb, fundo de financiamento da educação que conta com recursos da União, Estados e municípios. Diante da proposta de emenda constitucional que institui um teto de gastos ao governo federal, a possibilidade de isso acontecer é remota, afirma.

Naercio Menezes Filho, do Insper, diz que, mesmo com a proposta, é possível aumentar salários se a economia sair da crise e as receitas com impostos aumentarem. "Mas está difícil sair da crise."

No aperto financeiro, municípios ampliaram a pressão para que seja modificado –para baixo– o critério de reajuste do piso salarial dos professores. Desde 2010, o aumento tem como base a variação do custo por aluno do Fundeb, o que resultou, neste ano, em alta de 11,36%.

Hoje, as prefeituras estão sem dinheiro para pagar outras despesas básicas da educação, como transporte, merenda e até telefone e água, afirma Alessio Lima, presidente da Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

Os sindicatos, por sua vez, prometem continuar a pressionar por aumentos. "Um país que não valoriza os professores não valoriza a qualidade de ensino", diz Claudio Fonseca, presidente do Sinpeem, que representa professores do município de SP. Ele defende piso de R$ 5.400.

JORNADA

Em busca de uma renda melhor, parte dos professores faz jornadas de trabalho duplas ou até triplas. Professora da rede municipal, Alba Araújo, 40, começa às 7h em uma escola municipal de ensino fundamental.

Continua às 12h em uma creche e só termina às 20h, após duas horas de atividades de formação remuneradas. Ou seja, 13 horas ao dia. Sobra o final de semana para preparar as aulas da semana. Se trabalhasse só em uma unidade, Alba ganharia cerca de R$ 4.000, valor insuficiente para bancar as despesas de sua família, diz. "Quando comecei na profissão, era solteira, dava. Com filha, não."

Atualmente, a Prefeitura de São Paulo paga um salário inicial de R$ 3.031 para 40 horas semanais. O Estado, R$ 2.415. A média, contando gratificações, é de R$ 4.500. O município não informou o valor médio.

Em 2013, estudo do pesquisador Marcelo Neri, da FGV, feito com base no Censo 2010 mostrou que os professores têm a terceira pior remuneração entre todas as carreiras de ensino superior, perdendo só para profissionais das áreas de filosofia e religião.