NOVO ENSINO MÉDIO (JOSÉ MENDONÇA BEZERRA FILHO e FERNANDO HADDAD)

NOVO ENSINO MÉDIO É UMA AGENDA DO PAÍS

16/10/2016 (Folha de São Paulo)

A velocidade com que o debate do novo ensino médio tomou as ruas -com especialistas, professores, alunos e pais discutindo o assunto- comprova que essa é uma agenda da sociedade. Se é uma pauta urgente do país, por que não estava na prioridade das reformas?

Porque a coragem e a decisão política do presidente Michel Temer eram necessárias para levar adiante a mudança que a juventude deseja e precisa. A reforma do ensino médio não podia mais esperar.

Adiá-la comprometeria uma geração de jovens, enredada em um sistema de baixa qualidade, com os piores resultados de aprendizagem da educação básica.

Há consenso de que o modelo atual não desperta no aluno o interesse pela escola. Seja pela defasagem entre o ensino e a realidade cotidiana, seja pela falta de perspectiva de futuro ou pelo excesso de disciplinas. Dos jovens de 17 anos que deveriam estar no terceiro ano do ensino médio, 25% estão fora da escola. Ou seja, nessa idade 1 milhão de estudantes ficam no meio do caminho.

Esse debate é antigo e está amadurecido. Começou com as discussões das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (1998), seguiu com a mudança do Fundef para o Fundeb (2007), com o primeiro seminário do Conselho Nacional de Secretários de Educação (2010) e prosseguiu até se definir a diversificação e flexibilização para melhorar a qualidade pelo Plano Nacional de Educação (2014).

Ou seja, afirmar que medida provisória (MP) não tem debate é falácia. A medida não é decreto. Trata-se de uma proposição legislativa que tem eficácia imediata, mas é discutida, recebe emendas, pode ser alterada totalmente e até rejeitada no Congresso.

Essa MP recebeu 568 emendas. Há quase quatro anos tramita um projeto sobre o assunto, sem conseguir furar a fila de votações, tomada por temas econômicos. Enquanto não entra na pauta, o país acumula o segundo Ideb consecutivo desde 2011 sem atingir as metas para a educação de nível médio no Brasil. Os alunos hoje sabem menos português e matemática do que em 1997.

Os principais países do mundo oferecem itinerários formativos diversos e respeitam o protagonismo do jovem. É inaceitável que o Brasil, oitava economia do mundo, conviva com 1,7 milhão de jovens entre 17 e 19 anos que nem estudam e nem trabalham, que vivem como invisíveis. Muitos estão em situação de vulnerabilidade, sendo atraídos pela criminalidade e pelas drogas.

O novo ensino médio permite ao estudante escolher áreas de conhecimento de acordo com sua vocação e projeto de vida. Possibilita, também, que opte pela formação técnica. Outra parte do ciclo será comum a todos pela base curricular. O jovem vai projetar seu futuro, seja no ensino superior, seja no técnico profissional.

Nessa mudança, o professor é fundamental. O Ministério da Educação investiu mais de R$ 1,5 bilhão em formação com programas pouco focados e resultados insatisfatórios. Vamos discutir com Estados, municípios e universidade uma política que valorize a capacitação do magistério.

Ao mesmo tempo, criamos uma política de indução de escolas em tempo integral, investindo R$ 1,5 bilhão. Esperamos pular de 380 mil para 900 mil alunos até 2018. Se os próximos governos adotarem essa política, em pouco mais de dez anos alcançaremos a meta do Plano Nacional de Educação de 25% das vagas de ensino médio em tempo integral até 2024.

Educação não pode ter cor partidária. Deve-se discutir a reforma que interessa ao país e ao jovem. Não existe solução mágica, mas a educação no Brasil precisa avançar. O primeiro passo foi dado.

JOSÉ MENDONÇA BEZERRA FILHO é ministro da Educação. Foi deputado federal e governador de Pernambuco (2006-2007) pelo PFL, atual DEM.

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REFORMA ESTÁ LONGE DO IDEAL

16/10/2016 (Folha de São Paulo)

Permaneci no Ministério da Educação (MEC) por oito anos. Criei a Prova Brasil e a partir dela o Ideb, índice que mede a qualidade da educação básica, escola por escola, rede por rede.

A ideia era a de monitorar a evolução da qualidade, permitindo identificar boas práticas, criar uma cultura de responsabilização e fixar metas aferíveis a cada dois anos, de modo a atingir patamar de qualidade de educação de país desenvolvido.

Até o final da minha gestão, todas as metas de qualidade foram cumpridas ou superadas.

Uma rápida leitura dos dados do período de dez anos (2005-2015) permite comprovar o sucesso da iniciativa, sobretudo se comparados ao desastre dos dez anos precedentes.

No ensino fundamental 1 saltamos de 3,8 pontos para 5,5. No 2, de 3,5 pontos para 4,5. No ensino médio, de 3,4 pontos para 3,7.

Percebe-se que a melhora se deu de baixo para cima, como era de se esperar, sendo mais intensa no ensino fundamental 1 e mais fraca no ensino médio. Além disso, o fosso que separa a escola privada da escola pública diminuiu substancialmente. No ensino fundamental 1, de 2,3 para 1,5. No 2, de 2,6 para 1,9. No médio, de 2,5 para 1,8 (https://goo.gl/B10TFd).

A geração Ideb está apenas chegando ao ensino médio. Por isso os avanços são tão expressivos no ensino fundamental como um todo e ainda pouco visíveis no médio. Ainda assim, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil foi dos países que mais avançaram em qualidade de educação no mundo.

Essa dinâmica não sugere, entretanto, que se possa esperar que a boa onda chegue por inércia ao final do ciclo escolar.

Receio que a reforma do ensino médio proposta pelo governo, longe de resolver, torne ainda mais distantes os objetivos almejados.

Por um lado, a reorganização do ciclo por áreas (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação profissional) está em linha com a reformulação do Enem de 2009 e a reforma da educação profissional de 2008.

Por outro lado, as medidas práticas não dialogam com a realidade concreta dos jovens e com o descaso dos governos estaduais com essa etapa da educação básica.

Propor, por exemplo, carga horária mínima de sete horas por dia, quando se sabe que os estudantes de ensino médio têm, de fato, uma carga de duas a três horas por dia, é apenas surreal. A proposta parece desconhecer a realidade do ensino noturno.

Propor a obrigatoriedade apenas do ensino de língua portuguesa e matemática nos três anos do ciclo é, na prática, liberar os Estados do esforço de contratar professores de física, química etc. e liberar as universidades e institutos públicos de formar esses profissionais.

Na minha modesta opinião, as medidas deveriam focar:

1) Fim do vestibular e revisão da matriz do Enem em consonância com a base comum nacional;

2) Obrigatoriedade do Enem como componente curricular e sua adoção como métrica da qualidade;

3) Inclusão de ciências da natureza na Prova Brasil do 9º ano;

4) Apoio federal para reestruturação do ensino médio noturno;

5) Integração do ensino médio com formação profissional, sobretudo na educação de jovens e adultos;

6) Permissão para que prefeituras que universalizaram a educação infantil e o fundamental possam investir no ensino médio com recursos do Fundeb;

7) Fortalecimento do ensino médio federal.

Detalhe importante: essas estratégias constam, quase todas, do Plano Nacional de Educação apresentado por mim em 2010 e aprovado em 2014 pelo Congresso Nacional.

FERNANDO HADDAD, é prefeito de São Paulo. Advogado, doutor em filosofia pela USP, foi ministro da Educação (governos Lula e Dilma)