PROBLEMAS DO CONHECIMENTO

Luiz Carlos Pais

 
Este é apenas um texto de estudo, que foi escrito num momento de visita ao pensamento fenomenológico. Todas as afirmações pertencem ainda ao campo bem mais positivista do que reflexivo crítico. Com esse observação, podemos distinguir quatro problemas principais que envolvem o fenômeno do conhecimento científico que são: a possibilidade, a origem, a essência e critério da verdade. Em torno de cada um desses problemas podemos destacar as respostas dadas por diversas tendências filosóficas cujas influências são decisivas na prática educativa. Procuramos destacar alguns elementos que julgamos necessários à investigação da questão didática do ensino da matemática. Ao longo do texto formulamos questões na natureza didática e epistemológica cuja investigação constitui o objeto de nosso interesse.

Possibilidade do conhecimento

O conhecimento é normalmente caracterizado pela existência de uma relação entre o sujeito e o objeto. No transcorrer da aprendizagem o sujeito tenta aprender a essência do objeto. Entretanto, como sujeito e objeto são elementos de natureza distinta é natural indagar se é possível ocorrer essa apreensão e em que termos ela pode acontecer. O que caracteriza o fenômeno da aprendizagem? No caso da matemática, que trata com objetos ideais, quais são as condicionantes específicas do fenômeno da aprendizagem? Esse é o chamado problema da possibilidade do conhecimento. Para esboçar uma idéia quanto a esta questão é necessário conhecer as concepções oferecidas pelo dogmatismo, cepticismo, relativismo, pragmatismo e criticismo. Cada uma dessas tendências apresenta uma resposta diferente ao problema da possibilidade do conhecimento.

O dogmatismo se caracteriza como uma postura epistemológica para qual não há ainda o problema do conhecimento. Embora do ponto de vista histórico trata-se de uma das concepções mais antigas ela é ainda bem presente nas formas de compreensão do mundo. Para o dogmático o conhecimento não pode se constituir num problema uma vez que nem mesmo a relação entre o sujeito e o objeto é considerada. A apreensão do objeto pela consciência do sujeito é considerada uma questão evidente e para isso não haveria nenhuma dificuldade. Há uma inabalável e ingênua confiança na capacidade da razão e uma forte crença que envolve somente o objeto. As características do objeto seriam simplesmente dadas de uma forma natural e tanto o conhecimento que depende da percepção ou do raciocínio seriam dados da mesma forma, completos em toda a sua dimensão.

Para a visão dogmática não há também o problema dos valores do conhecimento e assim, não há nem consciência cognitiva e nem consciência avaliadora. Tudo permanece na esfera isolada do próprio objeto.
O dogmatismo desconhece que os valores do conhecimento dependem da consciência do sujeito. Admite-se que tais valores estariam dados intrinsecamente na essência dos objetos. Não se percebe que sem a consciência do sujeito nem mesmo pode se falar na questão dos valores. Assim toda a prática educativa decorrente dessa visão se perde no próprio conteúdo. É necessário perceber que os valores educacionais são essencialmente diferentes dos valores científicos. Do ponto de vista educacional a ciência não pode ser vista como um fim em si mesma, ela é antes de tudo um instrumento educacional e visa sobretudo contribuir no processo evolutivo da existência humana. Luigino Valentini ( ) descreve uma análise da concepção de ciências e da perda do seu verdadeiro sentido para o homem. O grau de desenvolvimento atual das ciências e o seu comprometimento com os vínculos tecnológicos fazem com que esse conhecimento tenha chegado a uma incapacidade quase total de responder sobre o sentido de suas próprias verdades. As conseqüências dessa visão de ciências para educação são as piores possíveis e a radicalização nessa posição extrema é decorrente de uma visão dogmática dos seus valores educativos.
Nos dias de hoje o dogmatismo ainda se manifesta na prática pedagógica. Mas, é na área educacional das ciências e da matemática onde é possível perceber com maior nitidez sua predominância, principalmente, no que se refere ao tipo de prioridade dada ao conteúdo em detrimentos de outros aspectos também relevantes à formação do aluno. A característica essencial dos saberes científicos, tendo em vista também uma visão de ciência fechada em si mesmo, por certo, contribui para acentuar essa posição dogmática na prática educativa. Na prática pedagógica de tendência liberal tradicional o dogmatismo se manifesta pela colocação do conteúdo como o centro absoluto dos interesses educacionais. Os conteúdos são apresentados separados da vivência do aluno e de sua realidade social

Acredita-se que aprendizagem do objeto é uma questão tão evidente e natural que não precisa nem mesmo ser considerada na prática educativa. Prevalece uma crença ingênua na possibilidade e realidade do contato do aluno com o conteúdo e com esse simples contato estaria resolvido o problema do conhecimento. Na visão dogmática sempre se tem a crença de que o aluno aprenderia a partir de um contato natural com o conteúdo. O dogmatismo pedagógico é assim uma visão natural que não se despertou para a reflexão. Para ele não há o problema da aprendizagem da mesma forma como não há o problema do conhecimento. A ausência de dúvidas na consciência dogmática reforça a posição de que se não houve uma aprendizagem significativa conforme podia ser esperado, é devido a outras razões externas ao conteúdo. Nessas razões externas nunca está incluído o problema da relação entre o sujeito e objeto. Essa crença inabalável na possibilidade da aprendizagem se deve ao fato de que o conhecimento não é visto nem mesmo como uma relação. Toda a atenção está centrada na própria ciência.

O fracasso na aprendizagem da matemática é então explicado por outras razões que não se referem ao conhecimento escolar em si. Mesmo que essas outras razões sejam legítimas, o pensamento dogmático desconhece as dificuldades inerentes à especificidade educacional da matemática. Essa é a posição subjacente à prática pedagógica tradicional do professor de matemática. Todas as questões de natureza metodológica ou relacionadas ao aluno são desprezadas ou colocadas num plano secundário. Do ponto de vista didático trata-se de uma visão redutora da concepção de educação.
Quando se educa a partir de uma visão dogmática o saber é confundido com o conhecimento. Para compreender essa questão é preciso indagar quais seriam, de fato, as razões pelas quais, nessa visão dogmática, não existe o problema da aprendizagem e nem do conhecimento. Tudo indica que como o conhecimento não é visto como uma relação entre o sujeito e um objeto não há nenhum preocupação com o processo de gênese e evolução das idéias. O ato educativo parte do pressuposto que o conhecimento já está elaborado e pronto e só compete ao sujeito apreendê-lo. Mas, esse conhecimento pronto e acumulado pela história do pensamento, que entendemos como sendo o saber científico, exclui todas as questões inerente a sua própria elaboração. Todos os seus aspectos contextuais foram dele excluídos. Ora, do ponto de vista didático, é extremamente necessário distinguir o conhecimento como uma construção subjetiva e pessoal do sujeito, do saber enquanto os conhecimentos impessoais construídos historicamente e acumulados pelas mais diversas culturas. Quando se tenta ensinar simplesmente esperando repassar saberes já elaborados se pratica o dogmatismo pedagógico pois desconhece-se o problema da aprendizagem.

Se a prática pedagógica repousa num pensamento radicalmente dogmático, a ética subjacente a essa prática tende também a ser uma ética pedagógica dogmática. A radicalização nesse pensamento leva necessariamente a um compromisso também assentado numa ética dogmática e essa é a posição mais hegemônica na prática pedagógica tradicional. Esse compromisso revela uma consciência ingênua para na qual nem mesmo ainda despertou a dúvida sobre o ato didático. Seguro em crenças inabaláveis, ancoradas exclusivamente no conhecimento científico, não há ainda condições para a colocação do problema da possibilidade da aprendizagem. Como posição radical, vai provocar a nascimento de uma reação igualmente radical, totalmente oposta que será o cepticismo pedagógico, como veremos a seguir.

O cepticismo é o pensamento oposto ao dogmatismo. Enquanto este apresenta uma crença inabalável no objeto, o cepticismo não acredita na possibilidade de apreensão do objeto pelo sujeito. É impossível ao sujeito apreender realmente a essência do objeto e portanto nenhuma afirmação pode ser feita quanto à veracidade de um dado conhecimento. É lógico que uma reflexão maior quanto à posição céptica leva à sua auto destruição; pois com base em sua própria crença chega-se a juízos contraditórios, ou seja, o cepticismo absoluto é contraditório consigo mesmo. O céptico não acreditando na possibilidade do conhecimento acredita que se deva abster totalmente a propósito de qualquer juízo sobre a verdade. Entretanto essa própria afirmação, se for verdade já é uma forma de conhecimento verdadeiro, contradizendo assim o cepticismo. Caso contrário, se tal juízo não for verdadeira, também temos a destruição do cepticismo.Enquanto o dogmatismo desconhece o sujeito e cepticismo desconhece o objeto.
O filósofo grego Pirrón é considerado o fundador do cepticismo. Mas, na Idade Moderna ele se manifesta na obras de Montaigne e Hume. No pensamento de Descartes, que descreve o direito à dúvida metódica, não há de fato um "cepticismo de princípio" mas sim um "cepticismo metódico".

O cepticismo metafísico é chamado habitualmente de positivismo (Hessen,. 45). O positivismo é um tipo de pensamento céptico por que segundo essa concepção todo o conhecimento deve se limitar estritamente sobre aquilo que é positivamente dado. Sobre o conhecimento e por conseguinte sobre a aprendizagem não haveria então muita coisa a refletir pois os seus dados seriam imediatos, os fatos em si mesmo constituem o conhecimento. Para o positivismo todo o tipo de especulação sobre o conhecimento deveria ser deixado de lado.
Enquanto para o dogmatismo não há nenhuma dúvida quando à evidência da aprendizagem, para a visão pedagógica céptica não há nenhuma dúvida quanto a impossibilidade da aprendizagem. Esse tipo de cepticismo leva portanto à uma total perda da esperança no processo educativo e com isso perde-se também o compromisso com as transformações. Como as posições extremas tendem a oferecer o mesmo tipo de solução, o problema da aprendizagem não existe para o céptico nem para o dogmático. Portanto, tanto o dogmatismo como o cepticismo se caracterizam como posições que ainda não se despertaram para as questões específicas da educação científica.

O dogmatismo não vê a realidade do aluno e centra o seu olhar exclusivamente no conteúdo, enquanto que o cepticismo não vê o conteúdo e centra sua atenção sobre o aluno. A desvalorização do conteúdo leva a uma falta de compromisso  político, pois a apreensão dos saberes historicamente acumulados pelo homem é também um dos instrumentos mais utilizados no exercício do domínio social. A classe menos favorecida somente poderá ter condições de enfrentar do domínio a que estão submetidas a partir do momento em que dominarem aquilo que o dominador, hoje, domina. Essa relação entre poder e saber está analisada na obra de Saviani ( ). Uma outra análise, também nessa linha de pensamento, abordando o problema da competência técnica e do compromisso político do professor é feita por Mello ( ).

A tendência pedagógica libertária, inspirada na obra do psicólogo americano Carl Roger (  ), procura centrar todo o ato educativo nos aspectos que envolvem a própria pessoa do aluno. Nessa tendência a aprendizagem se realiza a partir do desejo pessoal do aluno na busca de sua auto-realização e a transmissão dos conteúdos torna-se um objetivo secundário em relação ao próprios processos de valorização do aluno. Embora na prática não podemos identificar com facilidade escolas que tenham uma visão pedagógica exclusiva segundo essa tendência pode-se dizer que há diversas de suas manifestações disseminadas hoje na educação. Esse é o caso, por exemplo, da valorização das auto-avaliações feitas pelos alunos. Para maiores detalhes quanto a essa e as demais tendências pedagógicas remetemos ao trabalho do Luckesi (  ).
Na linha que estamos adotando nesse estudo compete nos indagar se a tendência pedagógica libertária pode ser vista como uma manifestação de um cepticismo quanto à aprendizagem escolar?
O cepticismo tem um aspecto positivo que é aquele de despertar uma a dúvida permanente em torno do conhecimento. Esse aspecto se explorado com ponderação contribui com o desenvolvido do perfil intelectual do aluno, pois lhe permite acentuar sua capacidade de vigiar os processos de elaboração do conhecimento. Assim, o aluno, no transcorrer da aprendizagem deve estar sempre alerta para a possibilidade de apreensão do conhecimento. Deve questionar de todas as formas a coerência interna daquilo que está aprendendo. O resultado dessa performance é certamente um conhecimento mais sólido e significativo. Uma expressão histórica que resume o pensamento céptico é aquela que diz "eu sei que não podemos saber nada". O que leva o sujeito a agir sempre com cautela diante da aprendizagem.
A posição céptica em educação revela um desinteresse pelas reflexões em torno das questões da aprendizagem específica do conhecimento científico.  Isso se deve ao fato de que se nem mesmo há a crença na possibilidade de apreensão do objeto, com maior razão as questões específicas desse mesmo objeto não seriam consideradas. Esse é o caso das dicotomias existentes no ensino da matemática envolvendo os aspectos do particular e do geral, do abstrato e do concreto, especificamente característicos desse pensamento científico. Dessa forma o ato pedagógico se esgota em si mesmo e se transfere para o meio a responsabilidade pelo fracasso na aprendizagem escolar.

Para o cepticismo não há valores educativos implícitos no ato pedagógico. No campo dos valores pode-se identificar também um cepticismo ético pedagógico, pois, como não se acredita na possibilidade da aprendizagem não há também compromisso com a questão dos valores educativos. Para o céptico não há a questão dos valores educacionais, pois desprovido da especificidade do objeto perde-se também os seus valores. Método, valores e o objeto em si são três elementos que não podem existir de forma isolada.

O cepticismo radical incorre na anulação de si mesmo. Isso ocorre quando se concebe que não há possibilidade de apreensão do objeto. Essa concepção levada numa análise reflexiva significaria, ela mesma, um conhecimento, portanto, já está incorrendo numa contradição. O céptico normalmente se exime de fazer qualquer tipo de afirmação, pois, quando afirma alguma coisa já está incorrendo numa contradição. Este tipo de contradição leva a um bloqueio epistemológico, situação em que o conhecimento fica estagnado. Observa-se então que há dois tipos de contradições que podem ser consideradas no plano da aprendizagem. Uma que, quando constatada pelo sujeito e devidamente superada, contribui na apropriação do conhecimento. A outra que quando constatada pela consciência leva a um verdadeiro bloqueio e consequentemente à anulação do conhecimento.

Por certo a principal derrota do cepticismo pedagógico é no campo da ética. Pois, se essa posição não pode nem mesmo ser refutada do ponto de vista lógico, pela sua falta absoluta de afirmações, também no campo dos valores se caracteriza pela ausência total de uma ética. A desvalorização do conteúdo leva a uma falta de compromisso técnico por parte o professor. Mello (  ) apresenta uma análise do sentido político inerente à prática do professor e seu papel na transformação da realidade educacional através de sua competência técnica.
 Enquanto para o cepticismo não há nenhum tipo de conhecimento verdadeiro para o relativismo todo conhecimento é relativo e limitado. No plano humano não há nenhum tipo de verdade absoluta e universal. Todo conhecimento é relativo a determinados aspectos tais como o sujeito, o contexto, o tempo e a cultura. O subjetivismo pode ser considerado um tipo de relativismo que limitada a verdade à consciência do sujeito. Mas, pode ser estabelecida uma diferença entre um subjetivismo no plano individual, quando a limitação se refere estritamente ao indivíduo, e num sentido mais geral quando o conhecimento fica condicionado ao gênero humano. Em particular os conhecimentos científicos são também válidos estritamente no plano subjetivo geral.
Na Antigüidade grega já aparecia essa postura filosófica nos sofistas. Protágoras dizia, por exemplo, que o homem é a medida de todas as coisas. O problema do relativismo surge a partir do seguinte raciocínio: quando se admite que só há conhecimento verdadeiro em relação a uma cultura ou a uma civilização de que forma poderia admitir a existência de uma ciência universal? A ciência na forma em que é mais admitida na educação se propõe ser um conhecimento universal, ou seja, independente de condicionantes de qualquer natureza. Quando estamos interessados nos fatos educacionais decorrentes desse conhecimento é preciso destacar que a forma pela qual os povos constróem seus saberes recebe influência decisiva do aspecto cultural, mas isso não é suficiente para caracterizar uma ciência relativa a essa cultura. D’Ambrósio ( ) apresenta um estudo dos condicionantes antropológicos que determinam diferentes práticas científicas na construção do conhecimento matemático. Esse estudo é desenvolvido através da noção de etnomatemática cujo interesse se destaca em especial para uma prática educativa mais significativa.

O relativismo representa uma importante tentativa de síntese conciliatória entre as posições extremas do dogmatismo e do cepticismo. Na prática educativa, o pensamento relativista desempenha uma função importante também de conciliação entre posições antagônicas. A radicalização imposta pelas visões dogmática e céptica reserva ao relativismo um papel fundamental na busca de uma posição mais coerente e equilibrada. O problema é que, da mesma forma como o cepticismo o relativismo incorre num pensamento contraditório. Pois, por exemplo, o fato do subjetivismo afirmar que "todo conhecimento é subjetivo" já é, segundo o próprio subjetivismo, um pensamento subjetivo, portanto não tem uma validade no plano universal. Reaparece aqui a questão se é possível ou não eliminar radicalmente qualquer tipo de contradição em relação ao conhecimento.
Tudo indica que quanto ao conhecimento o sujeito está sempre condicionado a uma constante tarefa de compreensão e superação das contradições que são observadas no curso da aprendizagem. . A superação dessas contradições está portanto diretamente vinculada à noção de aprendizagem. É possível adotar uma visão relativista somente na prática educativa e mesmo assim admitir ciências universais? Em que sentido podemos conceber a universalidade do conhecimento científico e em particular do conhecimento matemático?.

O problema maior do relativismo é o contra-senso que incorre quando afirma que “não há nenhuma verdade válida de forma absoluta e universal”. Esta afirmação implica necessariamente numa contradição, pois, ela própria é enunciada no sentido de uma verdade absoluta. Se for verdadeira, trata-se de um conhecimento não relativo e, portanto, contraditório consigo mesma. Por outro lado, se for falsa o relativismo também automaticamente destruído. Esta questão nos leva a refletir novamente sobre a possibilidade de se livrar de forma absoluta das contradições internas ao pensamento humano.
O pragmatismo confunde os conceitos de verdade e de utilidade. Enquanto o cepticismo radical é uma visão negativa pelo fato de negar a possibilidade do conhecimento o pragmatismo representa uma visão positiva, porém, alterando fortemente o sentido da verdade como é entendida na epistemologia. Na realidade trata-se de uma concepção em que não há preocupação com o problema da verdade no sentido da concordância entre o pensamento e o objeto. Mas, por outro lado, ele não fica restrito a essa negação, procura substituir o sentido de "verdade" que passa a significar "utilidade". Para a visão pragmática o ser pensante deve ser substituído pelo ser que busca a utilidade. O filósofo americano William James, que faleceu em 1910, foi quem empregou pela primeira vez o termo “pragmatismo”......

Essa redução do sentido da verdade não é aceita por muitos filósofos, pois caso contrário haveria uma modificação radical na própria concepção do que é o ser humano. O homem passaria a ser visto não mais como um ser teórico e pensante e sim prático, delimitado e voltado diretamente para o aspecto utilitário. Acreditam os defensores do pragmatismo que a capacidade intelectual não é dada ao homem para que ele se perca na busca da verdade mas para se orientar no mundo prático. A verdade passa a ser vista simplesmente como a possibilidade de buscar aproximar o pensamento com a utilidade. Portanto, o problema principal do pragmatismo é que ele não considera a esfera lógica do conhecimento pois ele desvia o conceito de verdade.
O pragmatismo está presente na prática educativa escolar onde normalmente há uma constante busca de aplicabilidade imediata do saber ensinado. Em particular, no ensino da matemática também se questiona freqüentemente quanto a aplicação do conhecimento descrito no currículo escolar. Mesmo no nível dos cursos de formação continuada de professores, normalmente, percebe-se uma constante busca das possibilidades de aplicação. De uma certa forma a busca por essa rapidez de resultados é uma imposição da sociedade contemporânea. Quando a prioridade é colocada sobre a utilidade em si normalmente se desconsideram quaisquer outros aspectos. Não se questiona mesmo sobre os valores subjacentes àquela pressuposta utilidade. No meio escolar a pergunta principal que se faz com freqüência é sobre a utilidade do saber. É evidente que o conhecimento deve estar voltado para a melhoria das condições da vida do homem, porem essa condição não pode levar a uma desconsideração do pensamento colocando a verdade em função da vida prática.
Em que sentido pode-se considerar que a tendência pedagógica representada pelo tecnicismo educacional está associada ao pensamento pragmático?
O aspecto positivo da posição pragmática na educação escolar é resgatar o compromisso com os aspectos prático e utilitário do saber. Por outro lado destaca-se como uma influência negativa no que diz respeito a negação da possibilidade de conhecer a verdade do conhecimento.

O que significa um conhecimento útil? A substituição da noção de verdade pela noção de utilidade, proposta pelo pragmatismo, não resolve o problema do conhecimento, pois resta em aberto o significado daquilo que é a utilidade. Essa noção é extremamente relativa e para respondê-la retorna-se necessariamente ao problema da verdade. Quando se perde a noção de verdade, torna mais difícil reconhecer o útil. A esse propósito vejamos o que fala o filósofo Nietzsche ( -1900) quando tenta substituir a verdade pela utilidade em favor do poder: “A verdade não é um valor teórico, mas apenas uma expressão para designar a utilidade, para designar aquela função do juízo que conserva a vida e serve a vontade do poder”. O equívoco principal em que se insere a posição pragmática é o fato de desconsiderar a esfera lógica reduzindo o problema da verdade ao problema da utilidade. Coloca-se uma posição ética quando se dá prioridade à utilidade sem mesmo compreender a verdade sobre o próprio caráter útil.
Tanto o subjetivismo, o relativismo e pragmatismo são pensamentos cépticos pois não acreditam na possibilidade do conhecimento absolutamente verdadeiro. Mas como o dogmatismo representa o extremo oposto do cepticismo, incluindo suas formas variantes, surge desse confronto uma síntese que é dada pelo criticismo.

O criticismo concorda com o dogmatismo quanto à confiança universal na razão, acredita pois na possibilidade do conhecimento. Mas por outro lado, ele concorda também com o cepticismo quanto a necessidade de uma permanente vigilância quanto a validade do conhecimento. Nesse sentido o cepticismo se aproxima da posição descrita pela noção de vigilância intelectual de Bahelard (..)
A diferença essencial é que o criticismo vai submeter o conhecimento a uma crítica radical. Todas as afirmações feitas na elaboração do conhecimento devem ser submetidas a uma análise crítica e nada é aceito sem passar por esse crivo. Pode se dizer que a postura crítica não é nem dogmática nem céptica e sim reflexiva. É essa a característica de síntese proposta pelo criticismo. Kant é considerado um dos filósofos de maior expressão na estruturação do pensamento crítico, mas ele próprio chegou à essa síntese do pensamento crítico depois de ter passado pelo dogmatismo e pelo cepticismo. Hessen pag. (?) Na obra de Kant o enfoque dado ao criticismo é visto tanto como um sistema que estrutura o conhecimento e também como um método.
A tendência pedagógica histórico-crítica desenvolvida por Saviani ( ) estrutura um referencial que estimula uma postura crítica diante do saber escolar.
Como se manifesta, na prática pedagógica da matemática, a tendência hiostórico-crítica na perspectiva descrita por Saviani? Como é possível ao professor de matemática se engajar no binômio da competência técnica e compromisso político, inspirado por uma visão crítica da educação?
No que se refere à questão da possibilidade da aprendizagem a reflexão crítica é a única posição justa. Isto não quer dizer que Kant deve ser tomando como o norte principal de nossas reflexões educacionais. Em particular a corrente do neokantismo representada pela Escola de Marburgo incorre em equívocos quanto à suas críticas referentes ao papel da intuição no conhecimento. (Hessen pág. 130). Como em Kant, o criticismo é tomado ao mesmo tempo como método e como sistema, portanto, trata-se de um criticismo específico. Por outro lado podemos falar de um criticismo geral.

O criticismo geral é aquele que busca conhecer a essência da teoria do conhecimento, da teoria crítica da construção do conhecimento científico e essa posição nos leva a um referencial sobre a própria aprendizagem. A partir dessa posição torna-se possível a realização de uma análise reflexiva de todas as questões que determinam o fenômeno da aprendizagem. É necessário interpretar a aprendizagem enquanto processo dinâmico e contraditório em si mesmo. O conhecimento do todo se faz simultaneamente pela consideração tanto do geral como do específico. Um desses aspectos não pode ser apreendido sem também apreender o outro.
3.2  Origem do conhecimento

Pelo fato do homem apresentar uma estrutura dualista em seu entendimento, que comporta os aspectos sensitivo ou racional, é possível estabelecer uma separação entre os conhecimentos apreendidos pela percepção ou pelo raciocínio. A fonte do conhecimento sensitivo é a percepção (tato, visão, audição, gustação e olfato) enquanto que a fonte do conhecimento racional é a razão. O problema da origem do conhecimento surge quando se indaga em qual dessas duas fontes a consciência humana retira principalmente seus conhecimentos. É a razão ou a experiência a fonte principal do conhecimento humano? Mesmo quando se refere a um conhecimento sensitivo pode-se indagar se a fonte primeira desse conhecimento é de fato a experiência ou a razão. Na realidade o que se deseja analisar é se o conhecimento obtido exclusivamente pela experiência é um conhecimento verdadeiro ou se é necessário ter sua origem na razão para merecer essa consideração.

O racionalismo defende que a razão é única fonte legítima de conhecimento. Para a visão mais radical do racionalismo não se trata de considerar a razão como a principal fonte de conhecimento. Pois, quando se admite que se trata da principal admite-se também, implicitamente, a existência de outras fontes, portanto a experiência poderia ser também contemplada. Afirma que o verdadeiro conhecimento é somente aquele obtido através da razão. Para o racionalismo há certos conhecimentos fundamentais que têm o que se chama de necessidade lógica e uma validade universal.
Este é o caso, por exemplo, dos axiomas da geometria euclidiana cuja validade, na visão do pensamento racionalista, não se fundamentaria diretamente na experiência sensitiva. Seriam evidências obtidas exclusivamente pelo esforço único da razão. A evidência característica dos axiomas mostram que se tratam de um conhecimento necessariamente verdadeiro e universal. É preciso destacar que essa afirmação da unicidade da fonte do conhecimento é uma posição de uma visão mais radical do racionalismo. A partir de outras concepções, conforme veremos, há também outras explicações que não concordam com esse princípio do pensamento racional.No conhecimento geométrico, por exemplo, os conhecimentos que não se enquadram nessa exigência, ou seja que não têm essa lógica evidente, são submetidos a um outro tipo de raciocínio de provas ou demonstrações aceitos como sendo o método pelo qual se busca a verdade.

Diversos tipos afirmações oriundas das ciências naturais ou humanas têm sua validade restrita aos limites da própria experiência e, portanto, não têm essa necessidade lógica e validade universal, como no conhecimento matemático. No que concerne à área educacional, principalmente quando se trata das ciências exatas, é preciso ter muito claro a padrão de comparação que normalmente se estabelece entre a metodologia da ciência em si (Matemática, Física etc) com a metodologia utilizada na pesquisa didática. Com isso queremos dizer que sempre há a possibilidade de conflito entre os métodos de construção da ciência em si com os métodos da pesquisa educacional. São de fato duas esferas que devem ser tratadas diferentemente, pois, uma tem o enfoque centrado no objeto científico ao passo que a visão educacional tem o objeto centrado na aprendizagem. O tipo de raciocínio metodológico utilizado na elaboração da ciência em si não é, e não deve ser, o mesmo daquele empregado na pesquisa educacional. Surge nesse ponto algumas restrições, normalmente originadas na área de conhecimento específico, quanto à validade do conhecimento educacional. Esta é uma questão imposta por uma visão redutora que privilegia uma única forma de conceber a elaboração do saber.

Por essa razão, a matemática é considerada, pelos defensores do racionalismo, como sendo um verdadeiro modelo de conhecimento científico, pois seus fundamentos teriam origem puramente na razão. Esses fundamentos teriam sua origem puramente na razão e por essa razão teriam também satisfeita a exigência da necessidade lógica e da validade universal.
Platão, através de sua teoria do mundo das idéias puras e acabadas, supra-sensível à experiência humana, já trás em seu pensamento as noções da necessidade lógica e da validade universal. A essa forma de pensamento platônico pode se dar o nome de racionalismo transcendente. O espírito humano para aprender a essência do conhecimento teria portanto que contemplar esse mundo transcendental das idéias. Por meio dessa contemplação, guiado por uma "intuição das idéias", se teria o acesso ao conhecimento.

Esse tipo de racionalismo, que é um dos mais antigos, ainda se manifesta na prática pedagógica da matemática? Quais são os fatos que mostram uma visão pedagógica influenciada pelo racionalismo transcendente?

Na obra de Santo Agostinho encontra-se um tipo de racionalismo um pouco diferente. Plotino, que foi um filósofo que precedeu a ele, trás em sua obra uma visão mística através da noção do Nus ou do Espírito Cósmico, onde as idéias não seriam mais exatamente como ensinava Platão, manifestação de um mundo das essências, mas é a manifestação desse espírito que alimentaria o espírito humano. O espírito humano seria uma manifestação desse "espírito cósmico". O que Plotino fez, foi colocar o mundo supra-sensível das idéias de Platão sob o controle de um entidade superior da qual se emanaria a verdade. O mundo das idéias conforme Platão ensinou já mais estaria solto no vazio, mas inserido num elemento superior. O que caracterizaria o recebimento do conhecimento pelo espírito humano seria uma iluminação mística. É essa idéia que foi recolhida por Santo Agostinho e modificada para o contexto do cristianismo, onde o espírito humano passa a ser iluminado por Deus e a verdade passa ser uma irradiação suprema da divindade.Embora Santo Agostinho fosse um racionalista em suas últimas obras ele chega a reconhecer que junto com a iluminação divina o homem poderia ter uma outra fonte de conhecimento que era a experiência. Mas esta seria uma origem inferior do saber. Para ele todo verdadeiro conhecimento procede da razão e da iluminação de Deus.
Dessa forma, na obra de Plotino ou Agostinho encontramos um tipo de pensamento que pode ser chamado de racionalismo teológico onde a iluminação das idéias verdadeiras procede de uma fonte divina. Ao espírito humano seria possível, por meio de uma intuição, ter acesso à verdade por intermédio de Deus.Na idade moderna, Descartes foi também um defensor racionalismo através de sua teoria das idéias inatas que seriam os conceitos primários, justamente os mais importantes, a partir dos quais o homem poderia elaborar seu conhecimento racional. O homem, de uma certa forma, já nasceria com essas idéias que repousariam em seu espírito, as quais precisariam somente ser despertadas. Leibnitz deu continuidade ao pensamento de Descartes e a partir da obra desses dois filósofos estrutura-se o chamado racionalismo imanente.

Nas três formas de racionalismo acima mencionadas, transcendente, teológico e imanente há uma confusão  entre os aspectos lógicos e psicológicos do conhecimento. A esfera psicológica do ser humano é aquela através da qual se aborda a problema da origem do conhecimento, enquanto que a esfera lógica está mais relacionado à consistência interna do discurso científico, no plano do pensamento que relaciona o sujeito com o objeto. A essas duas esferas associa-se a esfera ontológica que engloba as questões inerentes ao ser em si. O pensamento fenomenológico, desenvolvido por Husserl, no início do século XX, vai justamente atacar os problemas surgidos na convergência dos aspectos lógicos e psicológicos do conhecimento.
O aspecto positivo do racionalismo é resgatar a importância da fundamentação racional do conhecimento. Na prática pedagógica usual do ensino da matemática, na qual predomina a manifestação viva do método axiomático, parte-se da apresentação dos axiomas e de algumas noções fundamentais e partir de então inicia-se a construção do conhecimento. Essas bases axiomáticas são vistas como sendo, na visão racionalista, o verdadeiro conhecimento. Esse método possibilita ao aluno a oportunidade de conhecer uma forma de elaboração de um discurso científico que se pretende ser rigoroso.
O aspecto negativo da manifestação do racionalismo na prática escolar, em sua versão mais radical, consiste em atribuir à razão como única fonte exclusivamente válida do conhecimento. Há também uma confusão do método axiomático com a metodologia de ensino, pois o objeto, os valores e o método em si nas ciências não são os mesmos daqueles necessários para uma educação mais significativa.
A convergência de posições radicais no pensamento humana estimula também o aparecimento de posições antagônicas igualmente radicais. O racionalismo radical compartilha do pensamento dogmático também radical. A fusão dessas duas tendências dá origem a uma outra visão opositora radical que é o empirismo.

Na prática pedagógica do ensino da matemática quais são as manifestações didáticas que podem ser vistas como posições radicais e que podem conduzir a uma visão ilusória dos verdadeiros problemas da educação?

Para o empirismo a experiência é única fonte legítima do conhecimento humano e a razão não tem nenhuma prioridade sobre a experiência. A consciência tira exclusivamente da experiência os conteúdos para a razão. O homem a princípio é uma tábua rasa que será preenchida pela experiência. Dessa forma, todos os conceitos procedem da experiência, dos fatos concretos que estruturam a dimensão real de sua vida e de seu mundo.
Enquanto a Matemática é o exemplo de conhecimento para o racionalismo, as ciências naturais são os exemplos de conhecimentos legítimos para o pensamento empírico. Quem tem um pensamento fundamentado nas ciências naturais geralmente tem a tendência de sobreporem o fato empírico sobre o racional. Pode-se falar de duas variações do pensamento empírico onde ocorre uma diferenciação entre experiência interna e externa. A esta última dá-se o nome de sensualismo.
Apesar de já ocorrer manifestações do empirismo na antiguidade, é só na idade moderna que ele se desenvolve de uma forma mais sistemática. Seu verdadeiro fundador é John Locke (1632 - 1704) que combate rigorosamente a teoria das idéias inatas de Descartes. O sujeito é visto como uma tábua rasa ou uma folha em branco na qual poderia inscrever o conhecimento dado pela experiência.
Quando se refere mais especificamente ao ensino da matemática nas primeiras séries do ensino fundamental é possível identificar algum tipo de postura pedagógica inspirada no pensamento de Locke?

Há para Locke uma experiência externa, a qual pode ser chamada de sensação e uma interna, que pode ser chamada de reflexão. Do ponto de vista da origem psicológica do conhecimento Locke é rigorosamente empirista, mas do ponto de vista lógico, ele admite que sua origem não se limita de forma alguma à experiência. Para ele, existe  conhecimentos que são completamente independentes da experiência como as verdades matemáticas, a origem lógica dessas verdades ocorreria no pensamento e não na experiência. Locke infringe ele mesmo o princípio empirismo radical admitindo a existência de verdades a priori, ou seja, independentes da experiência. Mesmo admitindo que todos os conhecimentos teriam origem psicológica na experiência Locke ensina que, quanto aos valores lógicos, não podemos jamais limitar ao nível da experiência.
David Hume (1711 - 1776) que desenvolve o empirismo de Locke, parte de uma diferenciação naquilo que até então entendia-se como sendo as "idéias". Hume passa a diferenciar as impressões das verdadeiras idéias. Uma impressão seria de natureza sensitiva, associada aos objetos naturais, de forma que todas as pessoas normais, diante de um dado estímulo, teriam a mesma sensação. Uma impressão seria como uma percepção nítida comum às diversas pessoas. Já as idéias eram entendidas no sentido de que não teriam a mesma "presença" das impressões. Se temos uma idéia sobre algo não há nenhuma garantia de sua objetividade quando comparamos com as idéias de outras pessoas. Se bem que as idéias se nasçam a partir das impressões elas não são nítidas como estas.

Acreditamos ser de interesse pedagógico refletir porque Hume procede a essa diferenciação. Faz com a finalidade de radicalizar o pensamento de Locke. Este, conforme vimos, admite a existência de verdades a priori da experiência, ao passo que para Hume essa possibilidade passa não mais existir. Diferenciando as impressões primárias das idéias (conceitos) passa a admitir que todo conhecimento, sem exceção, tem origem a experiência. Mas, por outro lado, da mesma como Locke, Hume admite uma exceção para o conhecimento matemático, entretanto, trata-se de uma exceção diferente daquela de Locke. Todo o conhecimento matemático teria origem na experiência, entretanto, as relações lógicas existentes nesse conhecimento, seriam válidas independentes da experiência. Exemplo, a validade lógica dos teoremas. (...)
O filósofo francês Condillac (1715-1780) que transformou o empirismo em sensualismo, critica Locke por ter admitido duas fontes para o conhecimento a  experiência externa e a experiência interna. A tese defendida por ele é de que só existe uma única fonte do conhecimento que a sensação. Há portanto a existência de um empirismo sensualista.

John Stuart Mill (1806-1873) , filósofo inglês, radicaliza o pensamento empirista e reduz a matemática à experiência que é a única base para todo tipo de conhecimento. Nesse sentido poderia admitir a existência de uma matemática experimental que no pensamento de Mill seria a verdadeira matemática. Não há nenhuma verdade a priori que sejam válidas de forma independente da experiência. Até as leis da lógica teriam sua validade fundamentada na experiência, são nada mais do que generalização das experiências passadas.
Quais seriam as características hoje existentes no ensino da matemática que poderiam ser associadas à idéia de uma matemática experimental?

Da mesma forma como os racionalistas tendem para o dogmatismo os empiristas tendem para o cepticismo. O empirismo é também cépticismo, pois se a origem de todo o conhecimento está restrita à experiência, a superação desse aspecto e o acesso à essência das idéias, passa a ser impossível. Novamente somos levados a refletir sobre a realidade do ensino das ciência e da matemática no que se refere à convergência dessas posições extremas.
No que diz respeito especificamente ao ensino da matemática quais seriam as possíveis manifestações da convergência de um pensamento empírico e céptico?

A vantagem dessa linha de pensamento para a educação é o resgate da importância do conhecimento experimental que tem sido de um certa forma inferiorizado em relação ao racionalismo radical. A superação do plano experimental torna-se impossível para o empirismo, sempre o conhecimento estará delimitado a nível. A contribuição dos aspectos intuitivos, experimentais e teóricos na elaboração do conhecimento geométrico é descrito por Pais (  ).
No que se refere especificamente à aprendizagem da geometria euclidiana quais seriam as condicionantes dos aspectos intuitivo, experimental e racional na elaboração dos conceitos?
A importância do empirismo para a prática educativa é justamente despertar a necessidade de recorrer às fontes primárias da experiência. O equilíbrio está na não polarização da unicidade das fontes do conhecimento.
Uma primeira tentativa de conciliar o antagonismo entre as posições extremas do racionalismo e do empirismo é dada pelo intelectualismo para o qual tanto a razão como a experiência são fontes do conhecimento. Para o racionalismo a razão é a única fonte do conhecimento e para o empirismo a experiência é que desempenha essa função. Nessa posição de conciliação o intelectualismo tanto concorda como discorda das duas posições radicais. Cada uma das duas posições extremas estariam parcialmente corretas.
Da mesma forma como o racionalismo o intelectualismo defende também a existência de juízos que são logicamente necessários e universalmente válidos. Mas, enquanto o racionalismo considera os conceitos um patrimônio a priori da razão, o intelectualismo, pelo contrário, admite que os conceitos tem origem na experiência como defende o empirismo.

A diferença com o empirismo é que para este a experiência é a única fonte do conhecimento ao passo que para o intelectualismo além dessa representação sensível há também os conceitos de natureza racional cujo significado é buscado na experiência. A experiência seria a fonte do conteúdo do conhecimento enquanto que a razão daria sua forma final.

Para o intelectualismo os conceitos são determinados por duas formas de intuição, uma sensível, inspirada na experiência, e a outra não sensível, inspirada na razão. O conceito científico se caracteriza como uma síntese elaborada a partir da intuição sensitiva com a intuição racional.
Aristóteles já defendia esse ponto de vista que caracteriza o conceito como uma síntese do racional com o experimental. Em suma, o intelectualismo é uma síntese do racionalismo e do empirismo. Como discípulo de Platão, Aristóteles recebeu forte influência racionalista, mas também por ser naturalista reconhecia a importância do pensamento empirista, daí surge sua necessidade de esboçar uma síntese entre os pontos extremos. A síntese aristotélica coloca o mundo das idéias de Platão dentro de uma realidade empírica e as idéias passam a ser elaboradas em função da experiência. O mundo supra-sensível das idéias passa a não mais reinar de forma absoluta mas a existir sob o vínculo com o real. A realização dessa síntese racional não é tão evidente como a apreensão pela "intuição das idéias" como ensina Platão.
A São Tomás de Aquino se deve a continuidade dessa linha de pensamento de Aristóteles. Os conceitos continuam sendo vistos como uma síntese das imagens sensíveis com as intuição racional e as coisas materiais dão origem à intuição sensível.

Quais são as possibilidades de identificação na prática pedagógica da matemática de posições características do pensamento aristotélico? Os professores de matemática concebem os conceitos com que trabalham como uma síntese dos aspectos racional e experimental?

O apriorismo é uma segunda tentativa de conciliação entre o racionalismo e o empirismo. A razão e a experiência são vistas como fontes legítimas do conhecimento porém de uma forma diferente daquela vista pelo intelectualismo. No apriorismo a relação de influência da razão e da experiência na constituição do conhecimento é oposta em relação ao intelectualismo. Para o apriorismo o pensamento não atua passivamente apenas recebendo conhecimento de um mundo exterior, mas ativamente sobre os dados da experiência. Dizemos então que o apriorismo está mais próximo do racionalismo, pois, ele um status muito mais relevante para a razão, ao passo que, o intelectualismo está muito mais próximo do empirismo pois dá um destaque maior para a experiência.
Para o apriorismo o conhecimento apresenta elementos a priori independentes da experiência como defende o racionalismo. Entretanto, esse conhecimento a priori era defendido pelo racionalismo de uma forma absoluta. Os conceitos perfeitos, como os axiomas, em sua forma e conteúdo, eram vistos como verdades a priori vinculados exclusivamente à razão. Para o apriorismo esse conhecimento a priori só se justifica quanto à forma originada na razão mas o conteúdo receberia uma influência determinante da experiência. Nesse aspecto o apriorismo se afasta do racionalismo e se aproxima do empirismo. Os fatores a priori se assemelham a um contorno formal cujo conteúdo deverá ser preenchido pela experiência.

Um princípio que resume o apriorismo é aquele que diz que os conceitos sem a intuição tornam-se vazios na mesma maneira de que a intuição sem os conceitos torna-se cega. Esse princípio desperta, para os interesses didáticos, a questão do significado dos conceitos. No plano escolar tudo indica que a existência de uma diversidade de situações seja fundamental para a elaboração do significado dos conceitos. A noção de conceito desenvolvida por Vergnaud ( ) destaca-se por esse aspecto da atribuição do significado do conceito para o aluno.

Kant foi o fundador desse tipo de apriorismo enquanto síntese do racionalismo e do empirismo. O conhecimento seria uma síntese da matéria bruta, fornecida pela experiência, mais a forma racional dada pela razão. O conhecimento sensitivo seria a princípio caótico e à razão compete a tarefa fundamental de ordenar esse caos. A ordem tem origem na razão. Percebe-se portanto um destaque mais importante para a forma do conhecimento em detrimento do conteúdo.

Como podemos explicar a origem do conhecimento contido nos axiomas da geometria euclidiana segundo o ponto de vista de cada uma das quatro correntes epistemológicas: racionalismo, empirismo, intelectualismo e apriorismo?
Esboçamos uma descrição inicial quanto a essa questão. Pensamos, de início, apenas para fixar nossas idéias num dos axiomas fundamentais da geometria euclidiana: "por dois pontos passa uma única reta".

Para o racionalismo puro a razão é a origem legítima desse conhecimento e não seria necessário nada mais do que a razão para apreendê-lo. Nenhuma forma de experiência seria necessária para aflorar a origem desse axioma. Trata-se, portanto, de um apriori "completo" na razão humana.
Para o empirismo puro a experiência é a origem legítima desse conhecimento e não seria necessário nada mais do que isso para justificar sua origem. Não haveria nenhum elemento novo na razão que pudesse contribuir na explicação da origem desse conhecimento.
Para o intelectualismo a origem é de fato a experiência como defende o empirismo mas, além disso, há no plano racional os conceitos que, enquanto conteúdo da consciência intuitiva são essencialmente diferentes da representação sensível e o conhecimento seria uma síntese desses duas intuições. Para o apriorismo a origem do conhecimento seria a razão como defende o racionalismo, entretanto, o acabamento do sentido racional é dado pela experiência. A forma do conhecimento é dada razão enquanto que o conteúdo é dado pela experiência. A forma racional é destacada em relação ao estado caótico do conteúdo experimental.

Na prática pedagógica, de uma forma geral, é possível haver uma predominância exclusiva de uma dessa forma de explicar a origem do conhecimento? No caso do ensino da matemática poderia se falar de uma tendência epistemológica que se destacaria em relação às outras?

3.3  A essência do conhecimento

O problema da essência é considerado a questão central da epistemologia por colocar em reflexão exatamente a relação que o conhecimento define entre o sujeito e objeto. A primeira maneira de compreender essa relação é como uma determinação do sujeito pelo objeto. O sujeito numa posição passiva e receptiva é o determinado e o objeto é o determinante. A outra forma de ver esta relação é segundo a possibilidade inversa onde o sujeito passaria a determinar o essencial do conhecimento sobre o objeto. Usando uma imagem geométrica podemos dizer que os "vetores epistemológicos" têm, quanto a essas duas questões, a mesma direção porém sentidos contrários. Nesses termos nasce a questão de procurar saber qual é verdadeiramente o fator determinante do conhecimento. Esse é o chamado problema da essência do conhecimento.
O objetivismo é a posição que defende que o objeto é o elemento decisivo na relação estabelecida pelo conhecimento por que ele determina o sujeito. É o sujeito que tem que se adaptar para receber passivamente as propriedades do objeto. Ao sujeito compete simplesmente receber a essência daquilo que já está dado pelo objeto que já é uma estrutura definida. Pela sua consciência o sujeito apenas reconstituiria, a nível mental, a essência do objeto. A matemática, em particular, por ter os seus conceitos caracterizados como sendo essencialmente objetivos, nos coloca, no plano didático, uma série de questões quanto à aprendizagem dessa característica.
Um dos precursores do objetivismo foi Platão com sua teoria da "intuição das idéias" pré-existentes que se constituem como a fonte do conhecimento objetivo. Husserl também dá continuidade a esse objetivismo com sua teoria da "intuição das essências" que também são pré-existentes e que pela chamada redução fenomenológica o sujeito teria acesso a elas.

Entretanto, há uma diferença sutil entre o pensamento desses dois filósofos, pois enquanto para Platão existe um mundo supra-sensível, completamente acabado, para Husserl as essências são vistas como verdadeiros "alvos" que devem orientar constantemente a busca da verdade. É esse procedimento que Bachelard (  ) denomina de princípio da retificação permanente do conhecimento. Em Platão há uma espécie de contemplação do mundo das idéias enquanto que em Husserl a "intuição das essências" dependem do fenômeno concreto. Nesse último sentido o pensamento de Husserl se aproxima de Aristóteles.

No plano didático como proceder pedagogicamente para facilitar a aprendizagem da objetividade característica das noções matemáticas? Como trabalhar no ensino da matemática com os aspectos referentes à abstração e à generalidade do ponto de vista do objetivismo?
Para o subjetivismo é o sujeito que exerce o papel fundamental no conhecimento por determinar a essência do objeto. O conhecimento estaria fundamentado na consciência do sujeito que exerce a posição central, origem das determinações sobre a essência do objeto. Não se considera exatamente o sujeito individual e concreto mas sim um sujeito superior e transcendente.

Esse tipo de pensamento teve início com Santo Agostinho que de certa forma ampliou o pensamento de Plotino. Santo Agostinho coloca o mundo flutuante das idéias platônicas no Espírito Divino que passa dessa forma a ser a fonte das essências ideais do conhecimento. Daí, a busca da verdade passa a não mais estar centrada no objeto e sim o sujeito que, por intermédio de sua consciência, busca o conhecimento.

O subjetivismo também está presente na Idade Moderna. A chamada Escola de Marburgo, orientada por uma visão neokantiana, defende um subjetivismo despojado de vínculos aos aspectos psicológicos e metafísicos. O sujeito passa a ser concebido como um ser lógico e passa-se também a considerar uma "consciência em geral" fazendo com que o objeto seja de fato produzido.
Fora da consciência do sujeito não haveria objeto real e todos os objetos seriam produtos do pensamento. Assim, o conceito é identificado com a própria realidade e o pensamento com o próprio ser. De fato, passa a ter somente um ser que é de natureza mental e não haveria nenhum ser real independente do pensamento humano. Esse pensamento dos neokantianos leva a um idealismo radical que vai se opor ao pensamento realista de Husserl.
O realismo é o pensamento filosófico que reconhece a existência de objetos reais independentes da consciência humana. Entretanto, pode se falar de diferentes formas de realismo tais como o realismo ingênuo, realismo natural e o realismo crítico.

No realismo ingênuo não se encontra ainda nenhum tipo de reflexão e não há ainda o problema da relação entre o sujeito e objeto. Nesse nível não há uma separação das questões referentes à consciência do sujeito e ao objeto em si. Sem considerar a consciência do sujeito a percepção é identificada ao objeto e as qualidades características deste são exatamente aquelas imagens retidas na mente cognitiva. Os objetos seriam exatamente como nos os vemos na natureza. Uma árvore, por exemplo, é aquilo que contemplamos, sua cor, seu cheiro, seu movimento pertencem ao objeto em si independe da consciência.

O realismo natural reconhece que há uma consciência natural no sujeito mas o conteúdo dessa consciência correspondente exatamente ao conteúdo dado pelos objetos. Essa consciência seria completamente passiva na elaboração do conhecimento. O que é visto, ouvido, degustado, cheirado e tocado, é exatamente a essência do objeto real.

O realismo crítico já não se contenta com a postura de uma consciência natural e pretende submeter a compreensão dos objetos reais a uma análise crítica. As propriedades dos objetos percebidos só existem em nossa consciência e só percebemos parte das propriedades dos objetos. A percepção surge a partir de certos estímulos externos que atingem nossos órgãos sensitivos, mas esses estímulos são determinados pelos objetos. Essa tendência de pensamento tem um caráter subjetivo, pois a percepção é subjetiva, porém é necessário admitir a existência de elementos objetivos determinados por estímulos externos ao sujeito.

No que se refere ao ensino das ciência e da matemática quais seriam os fatos que podem ser associados às visões dadas por essas três formas de realismo? No caso da pesquisa educacional concernentes a essas áreas quais seriam as manifestações características dessas três formas de realismo?

Embora na Grécia antiga já houvesse a manifestação do realismo crítico na obra de Demócrito (470-370) o que predominou nesse período foi a influência do pensamento de Aristóteles que era mais um realismo natural. Na Idade Moderna, Demócrito foi resgatado por Galileu que da mesma forma defende também a tese de que "a matéria só apresenta propriedades espaciais, temporais e quantitativas enquanto que todas as outras propriedades devem considerar-se como subjetivas" (Hessen, pag. 96) Descartes, Hobbes, Locke dão continuidade ao realismo crítico.
Apesar que haver diferenças entre esses três tipos de realismos ele concordam com a tese fundamental de que há objetos independentes da nossa consciência.
Para o idealismo o fundamento básico da realidade são as idéias e não há coisas reais independentes da consciência do homem. O significado com que o termo é empregado na teoria do conhecimento não pode ser confundido com o sentido natural da linguagem popular onde se refere à busca da realização de um ideal na vida de uma pessoa. Esse idealismo pessoal é bem diferente do idealismo epistemológico. Para o idealismo radical aquilo que o homem sabe passa a ser um produto puro e exclusivo de sua mente e fica eliminada a possibilidade de existência de objetos reais.
Segundo o idealismo tudo o que existe no pensamento humano são simples representações ou objetos ideais como no caso dos objetos estudados pela matemática ou pela lógica. O idealismo admite a existência somente desses dois tipos de objetos: os objetos ideais e os objetos da consciência. A realidade era vista como formada pelos objetos da consciência, por isso, essa corrente é também denominada de consciencialismo. A partir dessas considerações surgem dois tipos de idealismo: um vinculado mais a uma tendência subjetiva ou psicológica, que trata dos objetos da consciência, e o outro de natureza objetiva ou lógica que trata dos objetos ideais.

Para o idealismo subjetivo ou psicológico toda a realidade do conhecimento reside na consciência do sujeito e tudo é produto da consciência humana. O filósofo inglês Berkeley, que foi o representante máximo desse idealismo, identificava a essência e a percepção. o que era até mesmo expresso por meio de uma "equação": esse = percipi, ou seja, a essência do conhecimento era reduzida aquilo que era percebido. Dessa forma todo o conteúdo do ser consistia exatamente naquilo que era percebido. Por exemplo, um objeto material que está sobre a nossa mesa de trabalho seria apenas um conjunto de sensações que atingem nossa consciência e por trás dessas sensações não se encontra nenhuma coisa, ou seja, o ser do objeto contemplado sobre a mesa se esgotaria nas sensações que temos. Entretanto, esse princípio filosófico se aplicada somente às coisas materiais. A alma do homem e Deus, por exemplo, continuavam tendo existência independentemente da percepção. Isso faz com que o idealismo de Berkeley tenha uma base teológica.
Para o idealismo objetivo ou lógico o ponto de partida do conhecimento é a consciência coletiva da ciência, ou seja, é o próprio saber científico tal como se encontra registrado na história. A essência desse saber não teria influências psicológicas e seria um conjunto de teorias já "comprovadas". Todo o conhecimento existente seria então "logicamente ideal" e nada seria fundamentado no aspecto psicológico individual. Para esse tipo de idealismo a essência dos objetos não era reduzida à percepção como acontecia no idealismo subjetivo. Haveria uma diferença básica entre os dados da percepção e a própria percepção. O que o homem percebe não seria, portanto, exatamente igual aos dados colhidos da coisa. Por outro lado, esses dados da percepção não fariam referência a existência de um objeto real, fora da consciência, como admite o realismo. A fonte dos dados da percepção era considerada como uma incógnita, como um problema não resolvido. Vejamos o exemplo dado por Hessen (pg. 105) para tentar esclarecer a diferença entre o idealismo lógico e o realismo.

"Tomemos um bocado de gesso. Para o realista o gesso existe fora e independentemente da nossa consciência. Para o idealista subjetivo o gesso só existe na nossa consciência. O seu inteiro ser consiste em que o apercebemos. Para o idealista lógico o objecto gesso não existe nem em nós nem fora de nós; não existe pura e simplesmente, necessita de ser concebido. Mas isso tem lugar devido no pensamento. Formando o conceito de gesso, o nosso pensamento concebe o objecto gesso. Para o idealista lógico o gesso não é, portanto, nem uma coisa real nem um conteúdo da consciência; é um conceito. O ser do gesso não, segundo ele, nem um ser real nem um ser consciente, mas um ser lógico-ideal."
O idealismo lógico é uma corrente filosófica defendida pelo neokantismo principalmente pelos representantes da escola de Marburgo cujo fundador é Hermann Cohen autor de uma frase que resume essas concepções "O ser não descansa em si mesmo; o pensamento é quem o faz surgir" Hessen pag. 105.
Mesmo que as duas correntes do idealismo, o subjetivo ou psicológico e o objetivo ou lógico,  tenham grandes divergências elas concordam na tese fundamental de que o objeto do conhecimento não é real mas simplesmente uma idéia.

O argumento defendido pelos idealistas para contestar o realismo se baseia no seguinte: toda fez que afirmamos que a existência real dos objetos independe de nossa consciência, fazemos essa afirmação puramente baseado em nossa própria consciência, portanto o princípio básico do realismo estaria prejudicado.
Em que sentido podemos fazer algum tipo de associação de uma parte entre o objetivismo e o realismo e por outra entre o idealismo e subjetivismo?

3.4  Verdade do conhecimento

O tipo de análise que estamos fazendo nos conduz a uma outra questão essencial que é o problema da verdade do conhecimento. Em que consiste essa verdade? Sobre que bases podemos afirmar que um tal conhecimento é verdadeiro ou não? No transcurso da história da humanidade, o homem sempre procurou a verdade como uma dimensão necessária para a evolução de sua existência, sem conhecê-la a felicidade humana não pode estar completa.
Vivendo mergulhado num mundo guiado por uma diversidade de conhecimentos é necessário separar o verdadeiro do falso. A todo rigor, a expressão "conhecimento falso" não tem sentido pois quando se fala no conhecimento já fica implícito a noção de verdade como fica resumido na frase de Hessen (pag.  ) o verdadeiro conhecimento é somente o conhecimento verdadeiro. Quando se faz referência ao conhecimento falso, na realidade, simplesmente trata-se de um erro ou de uma ilusão.
Dessa forma, como a noção de verdade se relaciona intimamente com a própria noção de conhecimento, surge uma questão de interesse metodológico que é aquela que indaga como ter e um controle indubitável sobre a validade do conhecimento. Ou seja, no uso dos nossos procedimentos da pesquisa científica como podemos ter certeza de que estamos trabalhando com um conhecimento verdadeiro.
Como pesquisar na área da didática da matemática no sentido de que os resultados possam ter razoável aceitabilidade quanto a sua veracidade? Até que ponto podemos falar da universalidade dos resultados obtidos e da neutralidade do sujeito da pesquisa?
Mais especificamente no plano didático como enfrentar o problema da verdade do conhecimento sobretudo no contexto de uma nova época caracterizada por uma presença muito mais intensa da informação através do meios informatizados?
É preciso traçar uma grande diferença entre ter um determinado controle e ter um controle indubitável. Para que pudéssemos falar num tipo de controle sob o qual não se poderia lançar nenhum tipo de dúvida, certamente recairíamos no vício da circularidade, pois precisaríamos de um outro dispositivo lógico para provar a validade do método que usamos para a provar o que julgamos isento de dúvida. Tudo indica que essa isenção da dúvida, de forma absoluta, seja plenamente impossível e isso nos leva a crer que não há como garantir essa posição absoluta.
Esse problema que visa investigar as bases do conhecimento e ataca-lo do ponto de vista de sua verdade é uma parte central de todos os estudos epistemológicos. O problema dos fundamentos do conhecimento é verdadeiramente o ponto mais importante da epistemologia. Nele se concentra os aspectos essenciais do objeto, de seus valores e métodos
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É certo que o uso da informática educativa coloca à disposição um universo de possibilidades no acesso do conhecimento o qual deve ser verdadeiramente incorporado no quotidiano escolar. Mas essa verdadeira revolução de informações coloca-nos, do ponto de vista didático, novas questões quanto ao controle da validade desse tipo de conhecimento. A seleção e controle das informações obtidas através dos meios informatizados depende muito mais do próprio sujeito que está recebendo essas informações do que, por exemplo, da consulta a um professor ou aos livros.

A relação entre sujeito e informação é de fato através da informática muito mais dinâmica do que na relação professor-aluno. Tudo indica que a informação, não sendo exatamente a mesma coisa do que conhecimento, deva ser trabalhada para a síntese própria do saber individual. Cada um deverá ter uma certa formação que lhe possibilite exercer o discernimento do que é válido ou não nesse universo de informações.
Embora a escola possa e realmente deva contribuir de forma considerável no desenvolvimento desse discernimento essa é, segundo nossa opinião, uma questão totalmente aberta do ponto de vista didático. Assim, é fundamental que haja na prática pedagógica uma permanente análise crítica do conhecimento a partir do próprio sujeito do conhecimento. É necessário uma formação mínima de natureza mais reflexiva através da qual o sujeito possa questionar a propósito da validade daquilo com que está aprendendo.