Tributo a Haydée Bourguignon Nicolussi - Uma ilustre desconhecida, companheira de cela de Olga Benário Prestes.

Cidadezinha azul, liliputiana,

cidade de gravura suíça ou italiana,

cidade pequenina,

brincando junto às ondas como uma criança,

com a pontinha dos pés roçando a água mansa

e o céu quase roçando com a fronte das colinas.

Num pais desmemoriado (Brasil), a lembrança maior de um povo está na biblioteca de um botequim.

Quando ele se abre as mesas logo ficam cheias e começa o espetáculo: Prontamente vem o ritual: Pinga na mesa. Primeiro um gole para o padroeiro da aguardente – São Benedito, após uns três goles, os eruditos bolebolenses iniciam o conversório saramandês de sempre: A bola bateu na trave e entrou. Não, você está errado. O zagueiro estava impedido.

Com mais gente chegando, o coro acrescenta: Um Fulano afirma de pés juntos: Está errado: Nunca antes na história desses pais... Já Sicrano, complica: O certo é antes nunca na história desses pais...

E assim, a Lua faz o seu curso recatada a escuta dessa filosofice de manguaçeiros ou como ao gosto dos fregueses: A turma do mé!

Alguém mais apressado já deve estar pensando: Haydée Bourguignon Nicolussi deve ser um desses? Uma alcólica anônima para merecer um tributo?

Meu caríssimo leitor, apesar de detestar o grau de superlativo com sufixos – íssimos, érrimos, etc., o nosso assunto é também de embriaguez.

O nome praticamente desconhecido dessa ilustre A.P (Alcólatra por poesia): Haydée Bourguignon Nicolussi é dona dos versos acima, abaixo do título dessa crônica patética.

E quem foi? Vamos começar pelo fim, a glória de todo poeta: Morreu pobre no Rio de Janeiro de pingados favores de amigos!

Mas, volvermos ao começo que eu mesmo nem tinha notícia:

Foi um tropeço no caminho que nos apresentou. A famosa Cacheira da cidade Capixaba de Alfredo Chaves – Matilde.

A beleza da natureza me levou a uma velha estação de trem vazia, escura, poucas pessoas. Caminhando entre os dormentes dos trilhos do trem, observei uma luz na estação, e, no máximo, duas ou três pessoas olhando algo. Aquilo me chamou a atenção.

Quando me aproximei peguei a conversa andando:

- Então, falava uma moça: ela foi presa em novembro de 1935 no Complexo Presidiário Frei Caneca: na Sala 4, o cárcere feminino das presas políticas, e dividiu a cela com Nise da Silveira e Olga Prestes, aquela do filme “Olga”. Elas foram citadas no livro de Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere.

No presídio a comunicação se fazia pelo nome de “pororoca”, nome dado por Haydée em alusão à barulhenta descarga do banheiro da cela.

Uma senhora disse: Que bela história. Mas que pobreza é esse lugar de tanta beleza, com tão pouca informação!?

Aguardei um pouco a moça respirar de tanto falar e com gentileza soltei algumas perguntas?

Haydée Bourguignon Nicolussi foi uma presa política?

Onde nasceu?

Ainda vive?

Esperei ouvir uma o mais horas de uma história fascinante. Contudo, sai cabisbaixo com uma historinha contada em no máximo uma folha de caderno com linhas saltadas em lacunas submergidas.

Ao deixar a estação algo me dizia: Haydée não está perdida e esses trilhos não são o fim do túnel.

Como sempre fui um amante obcecado pela história. Busquei minha lupa e comecei a garimpar e preencher aqueles espaços para dar vida aquela que dava sinais de ser uma rara espécie, filha de uma cidadela nos rincões de Vila Velha.

Parece que a cocha de retalhos tomou forma e é digna de ser contada. Lapidei como pude uma pedra esquecida, sem forma, mas, é um começo para os que vierem atrás.

Começo usando o advérbio de tempo com a paciência das reticências.

Então....

Haydeé Bourguignon Nicolussi nasceu em 1905 ou 1908, em Alfredo (ES), filha de joão Nicolossi (Italiano) e Francisca Bourguinon. Ela foi a mais importante escritora capixaba da sua geração. Filha de pai imigrante italiano veio menina para Vila Velha, onde o pai teve uma fábrica de ladrilhos onde é hoje a Fábrica de Chocolates Garoto. Estudou no Rio de Janeiro, em internato, e no Colégio do Carmo onde se formou professora em 1921 aos dezesseis anos. Nunca quis seguir a carreira de professora, que era a única destinada às mulheres da sua geração. Sempre desejou e batalhou para ser escritora. Aos vinte e um anos iniciou sua carreira literária na Revista Vida Capixaba, publicando poemas, contos, crônicas e ensaios.

Em 1929 ganhou um concurso literário da Revista O Cruzeiro, a mais importante daqueles tempos, o que lhe deu destaque nacional.

Em 1931 mudou-se para o Rio de Janeiro. Em 1932 foi detida, em São Paulo, por atividades comunistas, já que era noiva de Marino Besouchet, procurado pela polícia getulista. De 1933 a 1935 trabalhou como jornalista, tradutora, dando aulas particulares ou trabalhando no comércio. Em 27 de dezembro de 1935 foi presa por suposta participação na “Intentona Comunista”. Esteve presa na mesma cela de Olga Benário e é citada por Graciliano Ramos, em Memórias do cárcere e Fernando Morais, em Olga. Saiu da prisão em maio de 1936. Publicou contos para crianças em À Noite, com pseudônimo “Baba Yaga”. Em 1937 Monteiro Lobato elogiou seus contos, mas nada pôde fazer para ajudá-la, pois também foi preso.

Seu apartamento foi invadido por policiais e seus livros e textos - inclusive as ilustrações para o livro infantil, com que tanto sonhou – foram apreendidos e queimados. Em 1940 começou a trabalhar na Secretaria da Escola Nacional de Belas Artes. Em 1943 e 1944 fez o curso superior de Museologia; foi também a primeira mulher capixaba a ser museóloga com curso superior. Em dezembro de 1943 publicou o seu único livro de poemas, “Festa na sombra,” elogiado por toda a elite intelectual da época: Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet e Lêdo Ivo, Manuel Bandeira dentre muitos outros. Em 1944 morreu a sua mãe, o que lhe tirou o brilho da comemoração do seu primeiro livro.

Continuou a publicar poemas, crônicas e ensaios em jornais e revistas de circulação nacional. A partir de 1946, Haydée Nicolussi dedicou-se aos estudos de francês e começou a entrar na “sombra” do esquecimento. Em 1947 e 1948 viajou para os Estados Unidos e para o Canadá, escrevendo sempre principalmente para o Jornal o Diário de Notícias de São Paulo, onde publicava seus textos. Na Aliança Francesa defendeu uma tese sobre Camus, o que lhe valeu uma bolsa para fazer um curso de pós-graduação e “Civilização Francesa”, em Paris, de 1951 a 1952. Talvez tenha sido também a primeira capixaba a fazer um curso de pós-graduação na área de Letras na Sorbonne. Voltou para o Brasil, fez palestras sobre cultura francesa e continuou escrevendo em jornais até que as portas lhe foram fechadas e a saúde não mais ajudava.

Em 1958 morreu o seu pai, seu maior incentivador, inclusive financeiramente. Os últimos anos de Haydée Nicolussi foram de penúria e sofrimento. Vendeu o apartamento que tinha e passou a viver em casas de família, dando aulas para os filhos dos locadores. De saúde frágil, sempre lutando contra uma asma adquirida nos anos de internato, faleceu em 17 de fevereiro de 1970, de insuficiência cardíaca.

A última carta que encontrei de Haydée Nicolussi é uma carta para o Senador João Calmon que tinha sido aluno dela, a carta de dezembro de 1969, dizendo para ele que ela lamentava não ter mais a saúde e o idealismo que ela teve quando foi professora dele quando ele tinha quinze anos. Ela o incentivou a fazer o primeiro jornal no Ginásio São Vicente de Paula.

A militância política:

Em novembro de 1935 ela foi presa no Complexo Presidiário Frei Caneca: na Sala 4, o cárcere feminino das presas políticas, e dividiu a cela com Nise da Silveira e Olga Prestes, aquela do filme “Olga”. Elas foram citadas no livro de Graciliano Ramos em Memórias do Cárcere. No presídio a comunicação se fazia pelo nome de “pororoca”, nome dado por Haydée em alusão à barulhenta descarga do banheiro da cela.

Com as dificuldades do destino, vendeu o apartamento que tinha e passou a viver em casas de família, dando aulas para os filhos dos locadores. De saúde frágil, sempre lutando contra uma asma adquirida nos anos de internato, faleceu em 17 de fevereiro de 1970, de insuficiência cardíaca.

Ao ver a nota de seu sepultamento no jornal, Carlos Drummond de Andrade, que a conheceu nos seus tempos de glória, afirmou em sua coluna de 21 de fevereiro de 1970, que “ A vida não foi uma festa para Haydée Nicolussi”.

É membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, onde ocupa a cadeira n. 06.

Cadeira 6 PATRONA : Haydée Nicolussi

Haídée Nicolussi, poetisa, tradutora contista, nasceu em 14/12/1905 e morreu em 17/02/1970, natural de Alfredo Chaves, ES, transferiu-se, no início da década de 30, para o Rio de Janeiro, onde se dedicou ao jornalismo e às letras. Foi a primeira escritora capixaba a escreve r e a publicar poemas em versos livres, sem rimas e sem métrica. Publicou nos jornais e revistas poemas, contos, reportagens, crônicas, etc. No Espírito Santo, colaborou com as revistas Vida Capixaba e Canaã e, no Rio de Janeiro e São Paulo, nos jornais Diário de Notícias, O Jornal, A Noite, Diário da Noite, O Estado de São Paulo. Deixou as obras: Festa na Sombra, Canções de Torna viagem (poesia), Contos Inverossímeis, Três recordações da Infância e Outros contos, Os Desambientados (romance), Sol de Outras Plagas (poesia de diversos autores).

Obras Publicadas: "Canções de torna viagem (poesia)"; "Contos Inverossímeis"; "Três recordações da infância"; "Os desambientados" (romance); "Festa na Sombra (poesia, 1943)". Traduziu as obras: "A Nova Terra", de Teodor Gidkow (romance); "Goethe e a Revolução Francesa", de Buckarin, (ensaio).

Espero ter acrescentado algo ao que era nada naquela estação de trem!

Estêvão Zizzi
Enviado por Estêvão Zizzi em 04/06/2014
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