A arte de Paulo Braz — Uma viagem geométrica ao fundo da realidade íntima

Todos sabemos que um grande artista carrega consigo imagens bastante especiais, únicas e excepcionais. Não digo apenas únicas, porque comungam, de certa forma, a imaginação de outras pessoas, que nelas encontram sua própria voz; imagens as quais essas pessoas não saberiam como delinear, porém que as representam. Não apenas também excepcionais, porquanto não fossem sim especiais, e simplesmente imagens fora da sensibilidade coletiva, ausentes da possibilidade de comunhão, de interpretação, pouco representariam. Um grande artista traz sempre consigo, pois, a especialidade, na técnica e no sonho (ou, na visão).

É por isso que me deterei neste texto às minhas impressões em torno da obra de um dos nossos maiores artistas visuais do Oeste do Paraná, tenho plena convicção ao afirmá-lo. Na verdade, para mim, o professor Paulo Braz Oliveira, ou somente Paulo Braz, de Anahí/PR, é um dos maiores artistas visuais paranaenses e, enfim, brasileiros. A meu gosto, um destaque que ultrapassa muito o amadorismo artístico que vejo de praxe, que se vincula mormente ou à ignorância, ou à soberbia artística (que são em essência o mesmo). Alguém que conhece arte desde Kandinsky a Warrel, de Aleijadinho a Portinari, mas que a vive — não simplesmente a executa. Justificarei este ponto de vista primeiramente apontando com brevidade aquilo que, a meu ver, define a obra de arte e a distingue da investida artística profissional ou decorativa.

Há quem julgue arte o que é só técnica. A mim, incomoda-me um pouco, entretanto, essa visão obnubilada. Quem ensina com excelência a pintar, certamente indicará meios para se fazer o belo comum e a cópia (repito-o: com excelência), pois o propósito é esse. Está no discente, é óbvio, ultrapassar o mediano, mediante seu talento.

Há uma amiga minha, professora, que domina técnicas, no entanto insiste que não é de seu feitio criar. Importante é que com ela aprendi bastante sobre esse aspecto nas artes visuais, sobre conhecer e reconhecer. E, nesse sentido, há um fator necessário para o artista ser realmente grande: O gênio cria. Ele herdou a mais grandiosa graça divina, que junto às musas gregas seria a transmissão da verdade, mas eu vejo como a transmissão da essência real do mundo, a partir da manipulação de elementos naturais para a transcendência do possível e do necessário: o que movimenta o Ser. O que é quântico, outrossim.

A arte dá-nos a possibilidade de olharmos mais íntimos de Deus à natureza, ou mais íntimos da natureza para Deus. Ou, ainda, mais íntimos de nós para nós mesmos.

Lembro-me de uma obra, bastante prezada e de técnica surpreendente (acredito que era lápis de grafite comum, mão me recordo bem), que vi exposta em um museu: uma máquina de escrever, que mais parecia uma fotografia nítida em preto e branco, ou em escala de cinza. Só que era uma máquina de escrever... Eu, que iniciei a “passar a limpo” meus poemas, composições e histórias, em meados dos anos 90, em uma dessas e que, quando olho para elas, tenho nostalgia e encantamentos, não senti a magia da obra penetrar-me, senão que havia ali uma técnica perfeita — se é que haja isso, a perfeição.

Creio que a arte seja, maior que isso, magia mesmo, voo, fuga ou retorno, algo sempre a mais. Fotografar o real com ou sem intenções é reproduzir ou cumprir um papel. Arte é criar — ou a novidade, ou a clareza. Parabéns a quem domine técnicas, mas faz parte da didática, não da criação.

Que não se leve como julgamento final o que aqui digo, senão, como afirmei, impressões. Assim, em vez disso, vejo Braz criar uns certos delírios abismáticos, profundos, ao acoplar técnica ao seu sonho, e ao seu desejo. Sonho que não vai acima da sua e da nossa humanidade. Ele é frágil, receoso; as peças da realidade não a divagam senão cuidadosamente distribuídas e apostas. Seus pássaros tremem e gotejam-se na paisagem, não libertos, parecem-me. A gravidade parece-os impedir de seu desejo de voo livre, quando não estão entre obstáculos vários ou aprisionados entre (e intro) formas geométricas. Embora inspirado pelos vanguardismos antemodernistas e pelas artes visuais brasileiras, de paisagens e de cores vivas, folclóricas e fundas (o cubismo e o surrealismo em sua obra são vivazes); é inevitável pensarmos acerca de um espírito barroco, que ainda o habite, e um quê à Dante Alighieri, dantesco, dramático, exuberante.

Esse drama pessoal que vejo em suas obras sempre me deteve: O homem que se quer libertar porém não ousa ir além, ousa sim planar, flutuar em suas esferas, entre a altura e o equilíbrio.

Braz vive esse drama entre as flores solitárias que o representam, sempre solitárias e desconjuntas, fortalezas (cada uma parece, conquanto de forma aproximável, habitar o seu próprio universo, mais ou menos como autistas), e o duplo delas na esfera do ar: os pássaros, que também o representam. Ele é os pássaros e a flores se refletindo — solitários, repito-o —, que flutuam leves, com os pés no chão e as asas lunáticas porém trêmulas, diante dos mecanismos por entre os quais desliza, não lhes dando tamanha atenção. São mecanismos sociais e estruturais, necessidades; todavia, tudo sendo belo. Pesado e belo. Braz deslumbra a beleza de todas as coisas, é perceptível.

Suas cores são frias e rústicas, são rudes e diretas, e elementares; contudo, a frieza dos tons mais azulados e cinzentos são macios e leves. Existe, nelas, muito mais o desespero barroco, as profundezas da alma, e aí o violáceo, o amarelecido, o ocre, a lava do centro da terra, o ferro em fundição...

Nisso tudo, em seu vanguardismo que se modela classicistamente equilibrado, admira-me que se denuncie a sua identidade paranaense. Pouco nossos críticos de arte ou artistas têm-se dedicado ao que verdadeiramente desenha a nossa cultura local, quem somos nós paranaenses. Então, observem melhor esse purgatório barroco paulobraziano, seus amarelos e seus avermelhados, o gelado e o azul chuvoso e abundante, seu equilíbrio telúrico, e etéreo; a natureza de seu espírito nas suas abstratas paisagens, em que se veem sítios, chuvas transbordantes, construções, tijolos e andaimes, aviários, cidades, jardins, Curitiba, Corbélia, Cascavel, Anahí, e quermesses, e estresses, e silêncios...

Nele, eu leio a identidade de minha simplicidade matuta, aquele ser cheio de trabalho, pesos e dores, moral e dúvida, no entanto de olhar longo, de horizontes e de rios, e de campos, e árvores, que parece progressista mas quer apenas estar no seu canto, quieto, comer bem com tardes longas e azuis, flanando entre estruturas férreas e concretas.

Para que não me estenda muito, pois poderia falar sobre várias de suas telas, quero apenas lhe deixar o contento de saber que em mim reside um aprendente e admirador seu. E que me apraz muito conhecer sua obra e poder falar sobre ela, e principalmente a prestigiar.

O tempo é que define quem somos nós. Mas a arte de Braz está definida. E ela há de circular muito, por nossas paredes e salões. E almejo que o reconhecimento ultrapasse a mesquinhez comum às nossas pobres instituições culturais locais, abrindo-se ao Brasil todo e, por que não?, ao mundo. É, ao mundo! que é o espaço real e a real dimensão do artista.