O Que é a Filosofia?

Universidade de Pernambuco (UPE)

Cadeira de Fundamentos Filosóficos da Psicologia

Raul Magalhães Brasil

Em seu livro “Fundamentos de Filosofia” o filósofo espanhol Gabriel Garcia Morente explora diversos temas tangentes ao escopo da filosofia, dentre esses temas, Morente se ocupa primeiramente em refletir sobre: “o que é a filosofia?”. Diante disso, o parágrafo que abre a lição diz o seguinte:

“A filosofia é, de imediato, algo que o homem faz, que o homem tem feito. O que primeiro devemos tentar, pois, é definir esse “fazer” que chamamos filosofia. Deveremos, pelo menos, dar um conceito geral da filosofia, e talvez fosse incumbência dessa primeira lição explicar e expor o que é filosofia. Mas isto é impossível. É absolutamente impossível dizer de antemão o que é filosofia. Não se pode definir filosofia antes de fazê-la”

Quando indagamos: “o que é filosofia?”, já estamos filosofando. A filosofia, quando propriamente dita, não começa nunca através de uma definição, de um glossário de conceitos, ela deve ser imediatamente prática. É impossível dizer o que é filosofia antes de vivê-la. Esse pensamento de Morente é consoante ao pensamento de Deleuze: dizer o que é filosofia é a última pergunta que um filósofo deve e consegue responder. Afinal, como afirma Morente: “só se sabe o que é filosofia quando se é realmente um filósofo”.

Se a filosofia é um fazer, então devemos refletir: o que é esse fazer-filosófico através do qual a filosofia se denuncia? Morente argumenta que é preciso adentrar de maneira, digamos, visceral, na filosofia. Vivê-la, por assim dizer. Integrá-la a si e a ao seu próprio pensamento, de modo que, para que haja um fazer-filosófico é preciso antes de tudo um viver-filosófico. Ora, de nada adiantam extensas leituras de filósofos complicadíssimos, como Kant, Hegel ou Heidegger, se isso não trás uma mudança substancial em nosso pensamento? De que adianta ter Nietzsche na ponta da língua se eu não conseguir colocar em prática seus conceitos de “Eterno Retorno” e “Amor Fati”? É preciso, deste modo, praticar a filosofia.

É praticar os conceitos, praticar aquilo o que se lê e que se ouve. A prática filosófica se dá através de uma reflexão ativa dos conceitos, que visa integrá-los na realidade do indivíduo. Pois, ora, se o indivíduo, como afirma Ortega y Gasset, é ele mesmo e sua circunstância, a vivência filosófica visa adicionar a filosofia a essa circunstância, a essa realidade fenomênica. É preciso concretizar a filosofia em seu horizonte de mundo, em termos heideggerianos. Somente quando há então essa vivência filosófica é que se torna possível o fazer-filosófico.

A reflexão ativa da filosofia visa uma única coisa: a criação de conceitos, como afirma Deleuze. Criar um conceito a partir de um outro anterior é complicadíssimo, visto que há uma tendência da repetição na filosofia, onde os mesmos conceitos se repetem indefinidamente. Afinal, se tenho nomes e conceitos na ponta da língua eu não sei “filosofia” eu sei somente “história da filosofia”, não estou filosofando, estou repetindo conceitos que estudei, e mesmo se, de alguma maneira, eu praticar esses conceitos, estarei inscrito num circuito de repetição infrutífero, e o meu filosofar se tornará uma prática empobrecida, um miasma do que é o verdadeiro filosofar.

Como sair dessa decalcomania? Como se desinscrever desse circuito que configura a repetição na realidade para então se inscrever numa nova realidade conceitual? Eis portanto o trabalho do filósofo: criação. O filósofo utiliza ativamente a filosofia em sua realidade para compreendê-la, e desse modo, afetá-la. O fazer-filosófico trata-se, pois, de uma radicalização da filosofia na existência imediata do ato. Age-se filosoficamente. O agir-filosófico e o criar-filosófico andam lado-a-lado no ato do fazer-filosófico.

Sem delongas desnecessárias, eu concluo: a filosofia não se trata de ler livros de filosofia, de saber os nomes dos filósofos e seus dados biográficos e muitas vezes a filosofia não se trata nem mesmo de filosofar, visto que esse filosofar muitas vezes é um filosofar mutilado e infrutífero. A filosofia se trata do que eu faço na minha vida com tudo isso: se leio Nietzsche e compreendo os conceitos de “eterno retorno” e “amor fati” a filosofia está na pergunta “o que vou fazer com esses conceitos?” e o filosofar está na tentativa de pô-los em prática, de inscrevê-los no nosso agir, na realidade que construímos a partir do ato. No entanto, não somos Nietzsche, somos nós e nossa circunstância, há uma distância infinita entre cada eu e entre cada circunstância, é preciso abraçar essa diferença e se diferenciar de Nietzsche. De modo que o fazer-filosófico verdadeiro se encontra quando eu crio novos conceitos a partir daqueles que aprendi com Nietzsche para inscrevê-los no circuito da minha realidade imediata que construo através do meu ato, do meu agir. Assim eu diferencio o meu ato e o meu agir e crio uma nova realidade, abraçando essa diferença.

Portanto eu digo: É isto filosofia: Viver, Agir, Criar e Diferenciar. Mas só vou poder afirmar isso categoricamente quando, de fato, eu me tornar um filósofo.