Acordei cedo e bem disposto em Nájera. Olhei pela janela do meu quarto e vi que o céu estava límpido e que o sol já havia nascido. Saí caminhando tranquilamente e resolvi tomar café em Azofra, um simpático povoado com pouco mais de 250 habitantes, 6 km à frente. No Caminho encontrei dois peregrinos italianos. Conversa vai, conversa vem, disseram-me para estar atento, pois alguns comerciantes inescrupulosos estavam mudando a direção de algumas setas indicativas do Caminho, com a intenção de desviar os peregrinos para que passassem em frente aos respectivos negócios. Isso poderia aumentar em vários quilômetros o percurso original. Disseram-me que um amigo deles que insistira para que fizessem o Caminho, acabou passando por essa experiência desagradável.

- Desconfie quando vir uma seta amarela pintada recentemente. Se a tinta estiver fresquinha, vale a pena duvidar, disseram-me.
Acredito que hoje em dia esse cuidado não seja tão necessário, pois vi vários peregrinos fazendo o Caminho com auxílio do GPS de seus smartphones. E no mapa do GPS ninguém pode pintar nenhuma seta amarela.

Eu particularmente não gosto de usar esse tipo de tecnologia, pois acho que tira um pouco do gostinho da aventura. Servi-me sempre do simples e prático mapa que me foi gentilmente fornecido pela AACS – Associação dos Amigos do Caminho de Santiago no Rio de Janeiro. Na dúvida, esperava por algum peregrino passante e ia discretamente atrás dele. Até agora isso não tinha falhado.
Outra dica é você saber que deve sempre iniciar sua caminhada de manhã com o sol às costas, pois você está percorrendo o caminho no sentido Leste/Oeste. Quando estiver chegando ao seu destino, normalmente o sol já deverá estar se pondo à sua frente. Não dá pra ninguém se perder.

Depois de tomar café em Azofra, continuei a caminhar. O sol já incomodava, embora estivéssemos ainda na primavera com temperaturas amenas. Após ter caminhado por 9 km, encontrei um “oásis” pouco antes de Cirueña. Era o Rioja Alta Golf Club, com gramados bem cuidados e um lindo bar e restaurante que convidava os peregrinos que por ali passavam. Uma placa dizia: “Bienvenido Peregrino – Precio especial – Desayuno/Almuerzo/WI-FI".

Era tudo o que eu queria. Entrei e sentei-me num salão com portas de vidro e vista privilegiada para os campos de golfe. Pedi imediatamente meu canecão de cerveja (somente para não perder o hábito) e fiquei imaginando como era possível que um estabelecimento comercial daquele nível e porte, convidasse abertamente peregrinos a entrar, quando às vezes estamos suados, empoeirados pela caminhada e com os tênis sujos de lama? Certamente regras impostas pela recessão, pensei.

Depois do segundo canecão de cerveja continuei caminhando até Cirueña, outro povoado de 150 habitantes. Enchi ali meu cantil e percorri mais 6 km chegando finalmente a Santo Domingo de la Calzada, onde me hospedei em uma antiga abadia cisterciense logo no início da cidade. Era simples, mas tinha o suficiente e para mim isso bastava. Além do mais era uma construção histórica e com um átrio espaçoso e confortável, onde pude lavar minha roupa manualmente e estendê-la ao sol. Achei engraçado ver aquele bailado das minhas peças no varal misturadas àquelas dos outros peregrinos enquanto alguns deles estavam sentados sobre a grama lendo seus livros ou analisando seus mapas.

Santo Domingo de la Calzada, fundada no ano de 1040 por Domingo García, é uma cidade com pouco mais de 6.000 habitantes e cheia de história. Está intimamente ligada ao Caminho de Santiago. Sua catedral é de magistral beleza e abriga peças sacras de grande valor e importância, além de um galo e uma galinha dentro de uma gaiola. Sim, um galo e uma galinha - e vivos.
Sergio Righy
Enviado por Sergio Righy em 01/10/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6129917
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