Je suis Didi

Em 2011, após dizer que comeria Wanessa Camargo e o bebê dela, Rafinha Bastos foi execrado pela mídia e pela sociedade. Chegou-se a comentar que sua piada tinha cunho pedófilo. Lógico que não tinha. Todos entenderam bem o que ele quis passar, mas preferiram fazer questão de polemizar o assunto, visto que, segundo o próprio humorista, muitos jornalistas alcançavam milhares de leituras por dia numa notícia que envolvesse o assunto, conseguindo assim também alguma verba com os banners de publicidade que invariavelmente acompanham esse tipo de publicação. Tal acontecimento trouxe à tona o poder de uma figura bem poderosa na sociedade atual, a patrulha do politicamente correto.

A mesma patrulha que considerou ofensiva uma propaganda em que Gisele Bundchen aparecia com roupas íntimas. A mesma patrulha que considerou igualmente ofensivo o marido dela no reclame pedir uma cerveja sem dizer um por favor, mas um “maravilhosa”. A mesma patrulha que considerou humilhante o cantor Cumpadre Washington proferir um “ordinária” num outro vídeo. Seria falta do que fazer por parte dos integrantes dessa patrulha? Talvez. Mas duvido que juízes encarregados de julgar ações recebidas com esse tipo de tema não tenham ações mais importantes. Ocupar-se com “absurdos” em propagandas do tipo só atrasa os trabalhos do judiciário.

Nos últimos dias, ganhou bastante repercussão a fala do humorista Renato Aragão, o Didi, numa entrevista para a revista “Playboy”. O trapalhão disse que antes negros e homossexuais não se ofendiam tanto com brincadeiras e piadas do que hoje. Imediatamente, choveram críticas sobre o cearense. Veja bem, cearense. Como nordestino, Renato também era alvo de piadas ditas hoje preconceituosas em seus programas de tv e filmes, e sempre levou numa boa. Didi ainda comentou sobre o grupo Porta dos Fundos, que faz sucesso na internet e num canal da tv a cabo. Ele disse que Porta às vezes pega pesado. Talvez.

Um de seus integrantes, Fabio Porchat, chegou a ser perseguido e ameaçado de morte por ter feito piadas contra policiais, simulando uma “dura” em militares dormindo numa viatura. Se o humor é colocar o dedo na ferida, isso foi muito bem feito, já que a PM é uma entidade das mais contestadas na atualidade. Porém, só vale ser incisivo com os mais poderosos? Daqui a pouco, fazer piadas com gordos, baixos, loiras e tantos outros personagens será considerado crime ou pecado. Outro vídeo da trupe que causou bastante polêmica foi quando uma mulher vai ao médico por ter supostamente em sua vagina uma imagem de Jesus Cristo. Quase de imediato, tamanha a velocidade da internet, apareceram as críticas e o vídeo sofreu ameaças de censura.

Ontem, ainda sob o calor das discussões e das críticas dirigidas a Renato Aragão, houve um atentado a um jornal de cunho humorístico na França. A publicação havia veiculado várias vezes charges e ilustrações colocando o profeta Maomé em situações consideradas inadequadas por grupos religiosos, extremistas ou não. Numa delas, ele beija um outro homem na boca. Homens entraram atirando na redação do periódico e mataram vários dos cartunistas. Comoção no mundo todo; “Je suis Charlie”. Porém, muitos dos que hoje gritam e pregam a liberdade de expressão são os mesmos que não aceitaram as declarações de Didi, a piada de Rafinha e que não suportam brincadeiras cotidianas. Diante disso, deve ou não haver limites para o humor? Deve haver limites para a liberdade de expressão?

Isso porque o que muito se parece com uma censura não se restringe aos meios de comunicação. Em escolas e cursos pré-vestibulares, por exemplo, é comum professores apelarem para o humor, fazendo piadas em alguns momentos para tornar a aula mais atrativa, para relaxar um pouco mesmo. No entanto, esse tipo de atitude está perto do fim. Têm sido usuais ações na justiça e processos contra os docentes, que são acusados, muitas vezes, de machistas, racistas, preconceituosos por simples brincadeiras.

Eu mesmo já tive uma piada avaliada como incabida. Ao projetar no quadro em sala de aula a home do site Youtube, havia o vídeo de um bebê engraçadinho entre os mais vistos. Devido às recentes denúncias sobre pedofilia no clero, disse que aquele era um dos links mais clicados e assistidos no Vaticano. Muitos alunos riram, poucos não gostaram, mas mesmo assim houve motivo para polêmica. A piada parecia ser mais grave do que o crime em pauta.

Aonde a coisa vai parar?

Saudades de Didi, Dedé Mussum e Zacarias com suas piadas sem filtro.