OS GAÚCHOS - Um pouco de sua cultura.


Conhece a família que tem um dos filhos que ama os pais de verdade, os pais fazem força para que os outros não se sintam menos prestigiados do que este, e não sabem por quem puxou de gênio tão forte? Turrão, queixo-duro, não cede fácil, renitente e às vezes irredutível. Nisso difere do resto dos irmãos...

É tudo isso, mas tem um tremendo coração, sabe conquistar todo mundo, é folgazão; emotivo em seus escritos; gosta de poetizar; tocar sanfona (que chama de gaita e cordeona); tocar violão; aprecia um baile nativista nos CTGs; tem um sentimento atávico de liberdade e de independência por natureza; gosta muito de cantar e tem o dom de declamar rimando de improviso; é só lhe dar o mote; ou nem precisa disso; manda brasa e solta de arremate.

Os outros irmãos o olham de esgueio, passam batido, mas não tiram sarro. Conhecem bem a peça. É manso que nem uma ovelha, mas provocado vira um bicharedo e o rebuliço tá feito. Mas defende seus irmãos, com unhas e dentes, e parte para a luta num estalar de dedos se for preciso. Isto o faz querido, muito apreciado e admirado por todos.

Pois este de quem lhe falo, é o Rincão de São Pedro, é o Rio Grande do Sul, que é que nem o caso daquele filho que nasce temporão (fora da época de colheita - mas forte e rijo), raspa do tacho em relação aos seus outros Irmãos-Estados, desta Pátria Varonil.

O Rio Grande do Sul foi fruto de uma pendenga guerreira entre portugueses e espanhóis até o começo do século XIX, que se estropiaram, se degolaram e se enforcaram em várias escaramuças; barbarizando-se de ambos os lados para saber quem era o dono da terra gaúcha. Talvez por ter sido a raspa do tacho, tem esse jeitão de quem tem um pé aqui e outro para lá das fronteiras: uruguaias, argentinas e paraguaias.

Para começo de conversa: “é um Brasil onde faz frio e venta o tal Minuano, vento Sudoeste vindo dos Andes, tal vento herdou o mesmo nome dos índios que habitavam o sudoeste gaúcho. O Minuano é seco e gelado, não raro no inverno derruba muito a temperatura. Leva também outros nomes como: carpinteiro-da-costa ou minuano claro, há ainda o minuano sujo ou carpinteiro-da-praia, este vem acompanhado de chuva.

Têm pinheiros como na Europa ou Canadá e um pôr-do-sol com o maior diâmetro do astro-rei no horizonte... com direito às silhuetas das Araucárias (pena que já estamos nos despedindo delas, pela extinção), e adivinhem de quem é a culpa... de um bicho que dizem que é racional. Sempre pela maldita ganância, a qualquer preço.

O Rio Grande do Sul é tão diferente do resto do país quanto se víssemos praias em Minas Gerais. (Como dizem os mineiros: - Se Minas tivesse praia e mar já era uma covardia para os demais Estados).

Os gaúchos tocam sanfona e em certos “trinados ou vibratos” no dedilhar do instrumento, ora lembram rápidos acordes portugueses, italianos ou alemães, que em certos cantões gostam muito do acordeon. Vão ao Surungo, Fandando, Baile, Bailanta, Festa Gaúcha :



[“A bailanta atada deste meu Rio Grande /O fole e o sangue vêm ajoujaditos (atracado, preso dois a dois; no caso: diminutivo de ajoujado; ou seja, agarradinhos; juntinhos) / Trejeitos de taura (arrojado, valentão, destemido, valoroso, heroico, forte, guapo, enérgico, valoroso, folgazão, expansivo, perito na lida de algum assunto... Termo empregado conforme o contexto em que se encontra a pessoa), vão riscando a sala /de forma baguala (No caso fem. de bagual - Bagual, s. e adj. masc. Equino selvagem, não domado. Cavalo arisco, bonito, vistoso. Aplica-se a pessoas, tanto no sentido pejorativo como elevado). Mantendo o tranquito (pequeno tranco, trote curto)] - Os Serranos.

Vejam abaixo letra de música (poesia) no linguajar gauchesco. Até pode parecer outro idioma, mas como se refere ao que nos rodeia com pouco tempo no Rio Grande do Sul, tudo é compreendido e você volta de lá sem querer, com um quase sotaque sulista.


Te sinto baguala (Fem.), pelo que se apotra (tornar-se potra, xucra, irascível, grosseira, zangada) Te vejo milonga (estilo de música dolente, platina, tradicional na América Latina e Espanha) na minha encordada (ou encordoada, com cordas, encordoamento, viola, violão) , Não sinto e não vejo e pouco me agrada, Quando uma das duas se aparta da outra. (Milonga e Baguala – André Teixeira; letras.mús.br)




Sanfona: - A dita gaita ou cordeona; seus conjuntos nativistas-musicais são de vários gaúchos com gaúchas (suas prendas) que dançam com tal graça, rodando a saia, cinturinha de violão, que é uma doçura. Chimarreiam (tomam a – erva-mate - na cuia de porongo, com a peça chamada bomba), a bebida amarga – o chimarrão – diferente do resto do país que são chegados é no café.

Para onde vão, levam os apetrechos para “matear”, no campo ou na cidade, seja Porto Alegre, Gramado, ou Anta Gorda, não importa o tamanho da cidade ou se é um lugarejo (garrafa térmica com água fervente, o mate, a cuia, a bomba, uma peça de couro grosso (sola) ovalada ou redonda para nivelar o mate na cuia. Tudo acondicionado em uma caixa prática, portátil de madeira. Quem já esteve por lá encontra facilmente esses apetrejos em qualquer lugar.

Comem carne de montão em seus famosos churrascos, seu arroz é “à carreteira” o feijão é preto e quase sem caldo. Gaúcho e cavalo são tão inseparáveis no campo que se apelidam entre si de “centauros”.

E olhe, estamos falando de gaúchos nativos, não há aqui ainda a miscigenação alemã, polonesa, italiana, portuguesa e outras minorias, que acabaram por dar as mais bonitas mulheres do Brasil.



Não é à toa que o Rio Grande é uma fábrica de Top-Models, e um punhado de misses já saíram de lá.



Mas há também as morenas, não só de loiras vive o Rio Grande; são as que descendem de indígenas (as xiruas, fem. de xiru ou chiru = caboclas, hoje praticamente estereotipadas e inexistentes, vivendo no folclore pelo aumento da miscigenação). Em Gramado-RS, como resquício histórico da escravatura, há o belíssimo Vale do Quilombo. Estes escravos legaram descendentes miscegenados com brancos e indígenas, resultando em grande contribição a traços culturais.

O gaúcho passa ao forasteiro uma falsa impressão, por ser ele um cara durão, fama de machista e que só gosta de cavalo... (Mas não é não! Quem mais chama uma mulher de prenda?) Tudo vem de sua origem de habitante do interior do Rio Grande. É um pedaço de Brasil, com muito pouco litoral. Do outro lado da Lagoa dos Patos, (Na Europa e USA e resto do mundo tal proporção de água é chamada de Lago), as praias mais ao sul são pedregosas e esquisitas, o clima sempre meio enfarruscado e se os ventos sulinos do Rio Grande soprarem, babau, é frio na certa.

Resta pouco no litoral norte (Torres e adjacências, que alíás são poucas mas lindaças). Por isso o gaúcho não herdou as tradições praieiras de costumes mais folgazões dos demais patrícios com fartura de litoral, onde quase tudo vira samba, axé, cervejadas - dias inteiros, e, carnaval temporão -, como é comum ao pessoal dos Estados mais ao norte do país.

Pela dita razão sobre o litoral, o gaúcho do interior – quase tudo é interior - curte o ermo, solidão e silêncio dos pampas e das canhadas.



Seus ancestrais não de muitas gerações precisaram lutar feio e pesado, foi (a província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a última parte do Brasil a ser povoada efetivamente pelos portugueses, na segunda metade do século XVIII, os gaúchos então como uma ponta de lança, passaram a defender nossa fronteira mais sulista contra os espanhóis. Os portugueses tinham se acomodado apenas no litoral.

Os Gaúchos sofreram enormes baixas (segundo Registros Históricos) suas mulheres foram as mais audazes, valentes, companheiras, participativas e compreensivas, nas guerras; dentro da história pátria. Assim retomaram às duras penas o rincão rio-grandense das mãos dos castelhanos.

O famoso gênio guerreiro dos gaúchos provém da gênese de que eles próprios e suas valentes mulheres, nunca aceitaram ajoelhar-se senão perante Deus. Deram a vidas, mas não entregaram seu pedaço da pátria. Ninguém louva em poesias e cantos ao longo de 238 anos, desde 1776 - seus feitos e glórias, se não houvesse tido os fatos de orgulhoso e legítimo heroísmo dos próprios gaúchos – na expulsão dos espanhóis do Rio Grande. Mas o forte de Santa Tereza lhes escapou e jamais foi recuperado. Hoje está em território uruguaio.

Todo o povo gaúcho ama sua terra acima de tudo, é um amor não por um lugar que é um pedaço de um todo, mas no imaginário deste povo farroupilha, o Rio Grande é uma Pátria exclusiva e única, e o gaúcho é como se fosse uma raça com índole de povo e nação e está sempre a postos para defendê-la. Mesmo que tenha de pagar o preço com seu sangue na luta. Como dizem: - na pelea. Mesmo aqueles nascidos em cidade grande, formados em universidades, que pelo muito andar no mundo, tendo já perdido quase todo o sotaque, tem dentro de si um inusitado orgulho de serem gaúchos e não negam. 

São líderes natos (peguem o que neste ano de Copa do Mundo, aqui em casa, é mais momentoso, o futebol: vejam os técnicos de maior sucesso: são gaúchos). Ser técnico de futebol, e lidar com jogadores, não é nada fácil, são profissionais que se encontrarem moleza “a vaca vai para o brejo”. São o tipo de profissionais que vão para o lado de quem lhes fizer a maior oferta em dinheiro. Daí os gaúchos dominarem com sua firmeza bruta, atávica, hereditária e genética os planos de forte liderança.

Outra coisa, gaúcho que se preza já nasce montado no bagual (cavalo bravo). E desde gurizote já é especialista em dar tiros de laço. Ou seja, saber laçar novilhos à moda gaúcha, que é diferente do jeito americano, porque laço para gaúcho é de couro trançado de quatro tentos não é de corda. Varia entre oito e dezoito braças, ou seja, de dezessete a quarenta metros de comprimento.
O tamanho da laçada, ou armada, é bem maior em diâmetro, a que chamam de " rodilhas de armadão" bem acima dos  dois ou três metros dos cowboys norte-americanos.

"Em cada tiro de laço
Todo campeiro é premiado;
Até uma vaca parada
Está presente o legado!
Quando eu monto a cavalo
Carrego o laço apresilhado...
Assim aprendi de meu pai
Para ensinar um guri pilchado.
(Em Cada Tiro de Laço - Elcio Eduardo Pinto; In Da Minha Querência,
Cassiano Eduardo Pinto, página 84)



Quanto ao famigerado machismo quem convive ou conviveu como esse povo “Tri-legal” sabe que por baixo de seu poncho bate um coração mole e emotivo comum irem até as lágrimas em reunião no citado Centro de Tradições Gaúchas, o CTG, que eles criaram para preservar os usos e costumes locais. Ali os gaúchos e não gaúchos, cantam e dançam, pois há CTGs espalhados pelo Brasil. “Basta tu gostares de poesias, músicas, chimarrão e um bom churrasco”. E é claro, sempre haverá uma canha escamoteada, para fazer contraponto com o amargo.

Esse regionalismo traduzido em orgulho na poesia e nas músicas nativas, costuma criar invenções ditadas pela inveja e despeito de parcela mínima de quem desconhece os gaúchos, sempre acusados de se sentir superiores ao resto do País. Daí a criação do folclore sobre Pelotas, (viram, o apedeuta, ex-presidente recente do Brasil, no vídeo do YouTube, comentando com a pessoa que o recebeu lá em Pelotas - a piada ridícula e homofóbica -, para todo mundo ver e ouvir sua falta de discrição postura e educação?). A lenda é, como foi há tempos aquela de Campinas-SP que durou décadas. Quem fala hoje sobre isso de Campinas? Havia pessoas que colecionavam piadas de campineiro. Ninguém nem mais se lembra disso... O mesmo vai acontecer com Pelotas até que os despeitados elejam outra cidade para implantar a lenda.

Esse tal orgulho além da conta não é verdade, mas bem poderia ser, a julgar por alguns dados estatísticos.
Vejamos: “O Rio Grande do Sul é possuidor do melhor índice de desenvolvimento humano do Brasil, de acordo com a ONU. Tem o menor índice de analfabetismo do País, segundo o IBGE e possui a população mais longeva da América Latina, (tendo Veranópolis a terceira cidade do mundo em longevidade), segundo a Organização Mundial da Saúde.” E dizem uns iluminados que os gaúchos são os que morrem mais cedo, de tanto comer churrasco, mas não citam esses dados ou as virtudes do chimarrrão. Que compensa qualquer outro excesso.

“E tem também as mulheres mais bonitas do país e do mundo; confirmam os dados da Agência Ford Models.” Aquela que faz as folhinhas de posters. Essa Agência é fera, expert no gênero, só coleciona joias raras daquelas tão belas que parece ilusão de ótica.

Aos meus amigos de todos os CTGs, que acolhem como membros tanto aos gaúchos espalhados pelo país e saudosos das querências e das prendas, quanto aos não gaúchos de nascimento, mas de alma e coração (como eu); um forte abraço deste, que estas linhas escreveu.
Mauro Martins Santos
Enviado por Mauro Martins Santos em 09/06/2014
Reeditado em 24/06/2014
Código do texto: T4837873
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